Acórdão nº 1883/21.6T8MAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução23 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 1883/21.6T8MAI.P1 Secção Social ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.

No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia, AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B..., S.A.

, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 1, pedindo que, na procedência da acção seja a Ré condenada no pagamento “(…) da quantia global de €16.790,00, a título de subsídio de transporte relativo aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, acrescida de juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos na presente data, 03/05/2021, em €1.600,48 - ut arts. 43.º e 44.º.”.

Alega, em síntese, que foi admitido como trabalhador da Ré no dia 6/01/2000, para exercer as funções de Técnico de Vendas na área geográfica do Grande Porto. Desde o início do contrato de trabalho a Ré atribuiu-lhe um veículo ligeiro de passageiros para o exercício das suas funções, que estava autorizado a utilizar irrestritamente para além do horário de trabalho, nomeadamente, aos fins-de-semana, feriados e férias, assim como nos dias úteis, fora do horário de trabalho, suportando a Ré, em exclusivo, as despesas associadas à utilização da viatura.

Em Junho de 2016, quando já se mostrava necessário substituir a viatura Citroen .. com matricula ..-FG-.., que à data lhe estava atribuída, a Ré propôs-lhe que adquirisse, a suas expensas, viatura própria, comprometendo-se, em contrapartida, a pagar um subsídio de transporte mensal no valor de €365,00 e o valor de €0,36 por quilómetro percorrido em serviço com o máximo de 3.000 quilómetros por mês, o que aceitou, tendo adquirido a viatura Audi A3 ... com a matrícula ..-RO-...

Em janeiro de 2017, a Ré comunicou-lhe que deixaria de proceder ao pagamento, nesse mês, do subsídio de transporte.

O contrato de trabalho existente ente a si e Ré caducou no dia 30/10/2020, na sequência da sua reforma.

Entende que a atribuição de viatura, desde o início da relação laboral, fazia parte da sua retribuição, estando garantida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto no art.º 129.º, al. d) do CT e o pagamento do subsídio de transporte mensal, no valor de €365,00, assumido pela Ré perante si, a partir de 1.07.2016, pretendia manter incólume a retribuição, pelo que tal subsídio fazia parte da retribuição e a sua retirada, em Janeiro de 2017, por decisão unilateral da Ré, é ilícita, porquanto se traduz numa diminuição da retribuição que a lei proíbe.

Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.

A ré veio apresentar contestação. Em síntese, impugnou que fosse permitido ao Autor o uso do veículo que lhe foi atribuído para fins particulares, nomeadamente para uso nas férias, embora houvesse alguma tolerância da sua parte. Por uma questão de facilidade e disponibilidade de horários de cada um, permite que alguns trabalhadores levem o veículo para casa, uma vez que trabalhadores como o Autor, por vezes, visitam clientes ao final do dia e logo no início do dia seguinte.

Impugna que tenha proposto a troca do veículo da empresa por veículo próprio e que se tenha comprometido a pagar ao autor o que quer que fosse. Apenas houve a disponibilidade para lhe pagar por mapa de quilómetros pela utilização de veículo próprio do trabalhador.

Entende que, ainda que se assuma que a atribuição do veículo se tratava de retribuição, a alteração de regime não consubstanciou uma redução da retribuição, uma vez que o Autor, com a quantia média anual que recebeu depois da alteração de regime para mapa de quilómetros, considerando os custos com a viatura (combustível, despesas de manutenção, seguro, IUC e portagens), ainda saiu beneficiado.

Findos os articulados, não foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho de saneamento do processo e dispensada a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

I.1 Realizada o julgamento, o Tribunal a quo proferiu sentença, fixando a matéria de facto e aplicando-lhe o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte: -«Termos em que julgo totalmente procedente a presente ação e, em consequência: - condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de €16.790,00 (dezasseis mil, setecentos e noventa euros); - condeno a Ré a pagar juros de mora à taxa legal anual em vigor, contados sobre cada uma das prestações de €365,00 (trezentos e sessenta e cinco euros), desde a data do respetivo vencimento, até integral pagamento, computando-se o juros vencidos, à data de 03/05/2021, em €1.600,48 (mil e seiscentos euros e quarenta e oito cêntimos).

Custas pela Ré – cfr. art.º 527.º, ns 1 e 2 do C.P.C..

Registe e notifique.

[..]».

I.2 Inconformada com a sentença, a Ré apresentou recurso de apelação. As alegações de recurso foram sintetizadas nas conclusões seguintes: …………………………………………..

…………………………………………..

…………………………………………..

Conclui pedindo a procedência do recurso, sendo a sentença revogada e a acção julgada improcedente.

I.3 O recorrido apresentou contra-alegações, as quais sintetizou nas conclusões seguintes: …………………………………………..

…………………………………………..

…………………………………………..

I.4 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, com base nas considerações seguintes: -«[..] Contudo quanto à matéria de direito mereceria análise a Cláusula 46.ª do Contrato coletivo entre a APEQ - Associação Portuguesa das Empresas Químicas e outras e a Federação de Sindicatos da Indústria, Energia e Transportes - COFESINT e outros - Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 43, 22/11/2015. (que temos por não junto aos autos), que a recorrente invoca nos nº.s 141 e 167 da sua contestação e à qual atribui uma natureza excludente de segmentos que não integram o que se possa considerar como contrapartida da prestação de trabalho.

Conforme a doutrina e jurisprudência que se tem formado, por retribuição é considerada a prestação a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho e sendo constituída pela retribuição base e, pelo menos, por outras prestações regulares e periódicas que devam ser tidas por obrigatórias. São elementos essenciais o seu carácter patrimonial e obrigatório da prestação, bem como a correspectividade entre a prestação do empregador e a atividade do trabalhador. Todos estes elementos são de verificação cumulativa, que originam justificadas expectativas de vantagem, pelo que são dignas de tutela jurídica. Entre as partes foi estabelecida uma estrutura retributiva complexa, para recompensar o recorrido pela sua disponibilidade no âmbito das funções que lhe estavam acometidas. Cabe aqui o benefício que a recorrente concedeu ao recorrido – cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina2015, pág. 593.

A sentença recorrida extraiu as devidas consequências jurídicas, com o sobredito reparo, no modo como declarou a natureza retributiva das prestações pecuniárias que foram pagas pela recorrente ao recorrido, de acordo com as regras do ónus da prova que àquele este cabia. Mais observou a jurisprudência que é conhecida - cfr. Ac. do STJ. de 25-06-2015 e 17-11-2016.

A argumentação da alegação do recorrente não pode subsistir em confronto com a fundamentação expendida na decisão sob recurso.

[..]».

I.4.1 Respondeu a recorrente, reiterando a posição assumida nas alegações.

I.5 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.

I.6 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação consistem em saber o seguinte: i) Se o Tribunal a quo errou na decisão sobre a matéria de facto, quanto aos factos não provados 5 e 6; e, por não ter considerado provado o alegado pela recorrente nos artigos 17, 51, 52, 157 e 158 da contestação [conclusões 2 e 3]; ii) Se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito ao concluir que a atribuição do veículo tem natureza retributiva, que foi substituída pelo pagamento de subsídio e que a retirada deste consubstanciou diminuição da retribuição [conclusões 4 a 17].

  1. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo considerou o elenco factual que se passa a transcrever: Factos Provados 1. A Ré é uma sociedade anónima que se dedica às atividades de fabrico e comercialização de tintas, vernizes e acessórios de pintura, venda, aluguer e cedência de equipamentos e tecnologia e ainda prestação de serviços e formação (cfr. Certidão Permanente junta como doc. 1 da contestação, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais).

    2. O Autor foi admitido no dia 6/01/2000, pela Ré, para exercer as funções de Técnico de Vendas, na área geográfica do Grande Porto, sob as ordens, direção e fiscalização desta e mediante retribuição (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais).

    3. A Ré, desde o início do contrato de trabalho, no dia 6/01/2000, atribuiu ao Autor para o exercício das suas funções, um veículo ligeiro de passageiros.

    4. O Autor, no âmbito das funções comerciais, necessitava de veículo automóvel, para, dessa forma, poder visitar clientes e acompanhar obras.

    5. A compra/escolha do veículo sempre recaiu na Ré, que atribuía qualquer veículo que tivesse disponível aos seus trabalhadores.

    6. Veículo esse que seria trocado apenas e só quando fosse estritamente necessário.

    7. O Autor estava autorizado a usar o veículo irrestritamente, para além do horário de trabalho, nomeadamente, aos fins-de-semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho.

    8. O Autor, desde 6/01/2000, passou a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT