Acórdão nº 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, jogador de futebol profissional, de nacionalidade portuguesa e com residência indicada em Portugal, interpôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Electronic Arts Inc.

, sociedade com sede nos Estados Unidos da América (EUA), pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome nos jogos ..., produzidos e comercializados pela R. nos ..., ... e ..., jogos igualmente comercializados em Portugal por uma sua subsidiária, dessa actuação resultando os danos alegados, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe: - A título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 84.000,00 (oitenta e quatro mil euros), acrescida dos juros vencidos, no montante de € 23.988,16 (vinte e três mil, novecentos e oitenta e oito euros e dezasseis cêntimos), tudo no total de € 107.988,16 (cento e sete mil, novecentos e oitenta e oito euros e dezasseis cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal; - Montante não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.313,97 (dois mil, trezentos e treze euros e noventa e sete cêntimos), tudo no total de € 7. 313,97 (sete mil, trezentos e treze euros e noventa e sete cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

Peticionou ainda o pagamento das custas e procuradoria condigna, incluindo honorários do mandatário.

Contestou a R., invocando, no que ora importa, a incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciação da presente acção, por não se verificar qualquer dos factores de atribuição de competência internacional previstos nos arts. 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, tendo em conta que o A. alega na p.i.: que reside e trabalha na ...; que a R. é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, e se dedica à exploração, distribuição e venda de jogos nos ..., ... e ...; que a R. não vende, em Portugal, os jogos ... e ...; que não são alegados danos decorrentes de acto praticado pela R. que se produzam em Portugal.

Em resposta, veio o A. pronunciar-se pela competência dos tribunais portugueses para apreciar e decidir a presente acção, invocando a aplicabilidade do critério de competência territorial constante do art. 71.º, n.º 2, do CPC, para efeitos da alínea a) do art. 62.º do mesmo Código; mais alegando que os danos se verificaram também em território nacional por os referidos jogos serem aqui vendidos e divulgados, integrando-se a causa no disposto no art. 62.º, alínea b), do CPC.

Em 11 de Maio de 2021 foi proferida a seguinte decisão: «Apreciando: Estatui o art. 59.º do CPC, sob a epígrafe “competência internacional”: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.

Para a determinação da competência internacional, só se aplicam os critérios de conexão a que se refere o artigo 59º do Código de Processo Civil se não existirem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque estes prevalecem sobre os restantes critérios. In casu, não se perspectiva a aplicabilidade de qualquer instrumento internacional de regulação do foro aplicável.

A competência fixa-se no momento da propositura da acção e afere-se nos termos em que a acção é proposta e não à luz dos factos ou razões aduzidas pelo demandado: a determinação do tribunal internacionalmente competente está condicionada à natureza da relação jurídica configurada pelo autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado.

O pedido indemnizatório funda-se exclusivamente em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: condenação por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, na quantia de € 84.000,00 (oitenta e quatro mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 23.988,16 (vinte e três mil, novecentos e oitenta e oito euros e dezasseis cêntimos) e bem assim, montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.313,97 (dois mil, trezentos e treze euros e noventa e sete cêntimos), tudo no total de € 7. 313,97 (sete mil, trezentos e treze euros e noventa e sete cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

Dispõe o art.º 96.º do CPC que a violação das regras sobre competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual, por força do efeito constante do art.º 99.º do CPC, determina a absolvição do réu da instância.

A incompetência resultará da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas do art. 62º do CPC: são critérios aferidores da competência internacional dos tribunais portugueses, o domicílio do réu, a exclusividade, a causalidade e a necessidade, critérios estes que são entre si autónomos e independentes entre si, bastando a ocorrência de apenas um deles para se poder aferir a competência dos tribunais portugueses.

São normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.

O artigo 62.º do CPC estabelece os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, nomeadamente, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

  1. Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Quando foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

    É relevante para a boa decisão da excepção a seguinte factualidade: 1. Com a presente ação, o autor- de nacionalidade portuguesa- nascido a .../.../1987 no ..., de nacionalidade portuguesa, portador do passaporte Português n.º ..., emitido a 21 de Dezembro de 2018 e válido até 21 de Dezembro de 2023, contribuinte fiscal número ..., indicando como residência a ... ..., ..., ..., e a trabalhar como jogador profissional num clube estrangeiro ..., pretende obter uma compensação pecuniária no montante de € 115.302,14 (cento e quinze mil trezentos e dois euros e catorze cêntimos), por danos alegadamente decorrentes da utilização não autorizada da sua imagem na conhecida série de jogos eletrónicos ... (abreviadamente, jogos ...), produzidos e comercializados pela mesma.

    1. A ré é uma sociedade norte-americana, que se dedica à exploração, distribuição e venda de jogos eletrónicos, conteúdos e serviços online para consolas de jogos, telemóveis e computadores, exclusivamente nos ..., ... e ... – cfr. documento 1, extraído do website …, não procedendo à comercialização dos jogos na Europa 3. A ré tem sede nos …, e através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo; 4. A ré tem várias subsidiárias na Europa que assumem a responsabilidade pela venda de produtos a não residentes nos ..., ... e ..., destacando nesse desiderato a sociedade “E... SARL” com sede na ...; 5. A ré defende-se, além do mais, referindo - no que diz respeito à utilização da imagem de jogadores de futebol nos jogos ...-, que celebrou um contrato de licença com a FIFPRO ( Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol), a única organização representativa a nível mundial para jogadores profissionais de futebol, da qual, desde 1985, faz parte o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, que confere à ré o direito de utilização da imagem coletiva dos jogadores de futebol representados por essa entidade(Acordo de Afiliação outorgado em 2001 e renovado em 2008 e no qual se reforçam os direitos de representação da FIFPRO, que passam a ter caráter exclusivo)- cfr. art.º 38.º, n.º 4 do Contrato Coletivo de Trabalho.

    2. Invoca o autor a prática pela ré de facto ilícito consistente na utilização abusiva da sua imagem, em jogos eletrónicos ..., ... e o modo de jogo ..., mediante a venda, a nível mundial, do jogo.

    3. Os jogos propriedade da ré são comercializados e distribuídos mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal; qualquer consumidor pode adquirir tais jogos; a utilização e divulgação ocorre, obviamente, em qualquer lugar onde os jogos podem ser e são jogados; essa utilização e divulgação ocorre, obviamente, em qualquer lugar onde os jogos podem ser e são jogados, pelo que sendo os jogos da ré, melhor identificados nestes autos, comercializados e distribuídos em Portugal, a utilização ilícita da imagem, nome e características do autor, acontece (também) no nosso país.

    Retomando as enunciações legais e doutrinais acertadamente apontadas pelas partes, diremos, em síntese, do exposto que a lei determina três factores para a atribuição da competência internacional:

  2. Quando a acção possa ser proposta em tribunal português, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;(princípio da coincidência) b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a...

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