Acórdão nº 3731/21.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. R. S.

intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Electronic ..., com sede em … …, Califórnia …, Estados Unidos da América, pedindo que a Ré seja condenada «a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal», bem como «montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal».

Alega, em síntese, que é jogador de futebol profissional, nascido no Brasil, de nacionalidade portuguesa e residente em Braga, e que a Ré utiliza indevidamente e sem a sua autorização a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais em diversos jogos, sua propriedade, denominados JOGO, JOGO Manager, JOGO Ultimate Team e JOGO Mobile.

Mais alega que, pelo mundo, a Ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a ...

, com sede na Suíça, que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, que a Ré aufere elevados lucros em resultado dessa venda e que o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem do Autor.

Preconiza «a fixação do valor do dano, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, à ordem de € 12.000,00/ano por edição de jogo das plataformas JOGO SOCCER, JOGO MANAGER, FUT – JOGO Ultimate Team, e JOGO Mobile, ao considerar as aparições, pelo menos, em: 7 (sete) anos no JOGO (€84.000,00) 6 (seis) anos no FUT – JOGO Ultimate Team (€72.000,00) e 2 (dois) anos JOGO Mobile (€ 24.000,00)».

*Na contestação, a Ré invocou a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do litígio, alegando não se verificar qualquer dos factores de conexão elencados no artigo 62º do Código de Processo Civil (CPC).

O Autor pronunciou-se pela improcedência da excepção de incompetência absoluta, alegando, em breve síntese, que «são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente acção», que «o próprio dano/facto danoso resultante dessa exploração indevida mostra-se, também, consumado em Portugal» e que «o direito exercendo, a não se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício».

*1.2.

Foi proferida decisão que julgou o Tribunal incompetente internacionalmente para conhecer da acção e absolveu a Ré da instância.

*1.3.

Inconformado com o decidido, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «

  1. A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

  2. Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

  3. O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a sua incompetência internacional, já que não restam dúvidas da competência internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litígio.

  4. A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de video contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.

  5. Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.

  6. O Autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere - substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e não patrimoniais), por acção da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564, n.º 1, 565.º, 566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Civil e ainda artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

  7. Ao contrário do que a decisão recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais características do Autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal.

  8. Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 15.º, 18.º, 102.º e 183.º, da petição inicial.

  9. É, pois, absolutamente evidente que são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente acção.

  10. A obrigação de reparação, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. (negrito e sublinhado nossos).

  11. A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisão recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente! l) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do factor de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir).

  12. Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposição, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25-10-2005.

  13. Sendo que, ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, tem aplicação o regime previsto no Regulamento (EU) n.º 1215/2012, por se verificarem os elementos de conexão especiais previstos nas suas Secções 2 a 7, designadamente, no artigo 7.º, n.º 2, uma vez que o dano sofrido pelo Autor é, pois, um dano inicial e não consecutivo: resulta diretamente do evento causal (a utilização da sua imagem pela Ré nos seus jogos).

  14. Para além disso, o Autor tem aqui o seu domicílio e os seus familiares mais próximos, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal.

  15. Sendo irrelevante o facto de a distribuição dos jogos ser feita na prática por uma subsidiária da ré, pois é esta a proprietária dos jogos e é só ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercialização.

  16. O que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do Autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente.

  17. Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.

  18. Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.

  19. E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil, não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.

  20. Tanto mais que, nos autos é arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

  21. Ora, a necessidade de efectiva tutela jurídica, ao abrigo do princípio da necessidade contido no artigo 62.º, alínea c), do Código de Processo Civil, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício.

  22. Ora, in casu, essa praticabilidade e exercício está irremediavelmente comprometida, com a decisão agora proferida e de que se recorre.

  23. O princípio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excepcional da competência internacional dos Tribunais portugueses.

  24. Por outro lado, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

  25. Ora, o Autor toda a sua vida organizada e estabilizada em Portugal, pelo que não tem qualquer nexo estreito com outro país, muito menos com os Estados Unidos da América.

    a

  26. Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das...

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