Acórdão nº 55/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 55/2022

Processo n.º 711/20

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1.1.A., SA” (doravante também abreviadamente designada por A., SA) requereu a constituição de Tribunal arbitral coletivo e formulou pedido de pronúncia ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, sobre a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao exercício de 2013 (no valor de € 729.607,80), na sequência de improcedência da reclamação graciosa que apresentou desse mesmo ato tributário.

O Tribunal arbitral decidiu nos seguintes termos, para o que aqui nos interessa:

“De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal arbitral em: (…)

(b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios relativos ao exercício de 2013, no valor global de € 729.607,80, e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os confirmaram, anulando-os;

(c) Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de uma indemnização à requerente por prejuízos decorrentes da prestação de garantia indevida, até ao respetivo levantamento, a liquidar em execução da presente decisão, com o limite do quantum indemnizatório estatuído no artigo 53.º, n.º 3, da LGT,

Tudo com as legais consequências.”

1.2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional do sobredito acórdão arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea a), ambos da Lei n.º 28/82 de 15.09 (LTC), nos seguintes termos:

O Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Central Administrativo - Sul vem, nos autos supra - identificados e ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, a), e 72.º n.º 1, a), e 3, 75.º, n.º 1, e 75.º-A, n.º 1, todos da Lei n.º 28/82, de 15 Novembro, (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - LOTC), atualizada, mormente pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 Setembro, todos por referência ao disposto no artigo 280.º, n.ºs, 1, a), e 3, da Constituição, interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional da decisão arbitral supra - referida, proferida em sede do Centro de Arbitragem Administrativa - Arbitragem Tributária.

Efetivamente, consta da fundamentação de tal decisão, na parte respeitante à desaplicação da norma constante do artigo 52.º, n.º 2, do Código do IRC:

«Neste caso, não há um fundamento material para a tributação de rendimento meramente potencial, ilíquido, com impacto definitivo e em dissonância com a real capacidade contributiva, por afastamento do modelo da realização somado ao afastamento da solidariedade de exercícios. A limitação da norma é inconstitucional quando resulta na restrição da dedução de prejuízos derivados de perdas latentes em relação a lucros provenientes de ganhos latentes, todos originados em flutuações de justo valor, com a agravante de, neste caso, estarmos perante os mesmos ativos financeiros (que não foram transacionados, nem se perspetiva que sejam, e cuja mera detenção suscitaria o pagamento de IRC sem que efetivamente se tivessem valorizado no período compreendido entre 2010 e 2013, isto é, dentro do prazo de caducidade, pois das flutuações de valor ocorridas nesse quadro temporal resulta que a: revalorização ocorrida em 2013 ainda não foi suficiente para compensar as desvalorizações anteriores). Mesmo que existisse tal fundamento, a restrição seria desproporcionada, conforme referido. Assim, com fundamento preceitos constitucionais, deve desaplicar-se o disposto no artigo 52.º, n.º 2, do Código do IRC com a consequente anulação do ato tributário nesta parte, por vício de violação de lei.»

Mais consta da decisão em apreço, no segmento respeitante á aplicação do artigo 116.º, n.º 2, da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2102:

« A alteração que se traduz em deixar de permitir a dedução das "perdas" com os referidos ativos, cuja mensuração ao justo valorem resultados é legalmente imposta, viola expectativas legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, depreendendo-se do acolhimento parcial do modelo de justo valor uma intenção do legislador tributário de conferir um tratamento simétrico àqueles ganhos e gastos, como amplamente demonstrado. Poderia o contribuinte ter optado pela transmissão / desinvestimento nos referidos ativos não fora a perspetiva legítima de continuidade do modelo recentemente consagrado, sem entorses no confronto entre perdas e ganhos. Tudo razões que levam a que a retrospetividade expressamente introduzida pela norma transitória - artigo 116.º, n.º 2, da citada Lei do Orçamento do Estado para 2012, no segmento normativo em que impõe a aplicação da nova redação do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC a prejuízos apurados no passado, incluindo prejuízos resultantes de mensurações ao justo valor - seja inconstitucional por violação da tutela da confiança. Também por este motivo se impõe a anulação do ato tributário nesta parte.»

Assim,

Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie da eventual contrariedade da norma constante do artigo 52.º, n.º 2, do Código do IRC, com o disposto nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, e bem assim da norma constante do artigo 116.º, n.º 2, dá já mencionada Lei do Orçamento do Estado para 2012, no segmento normativo em que impõe a aplicação da nova redação do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC a prejuízos apurados no passado, incluindo prejuízos resultantes de mensurações ao justo valor, com o disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

Apesar do disposto no artigo 25.º, n.ºs. 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 janeiro, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, o Tribunal Constitucional tem entendido que, por força do disposto no artigo 76.º, n.º 1 da citada Lei n.° 28/82, de 15 novembro, atualizada, o recurso deve ser interposto no Tribunal Arbitral. — Neste sentido referem-se, a título exemplificativo, os Acórdãos n.ºs 775/2014 e 71/2015.

A decisão arbitral produzida no processo acima identificado, datada de 17 junho 2020, foi notificada ao Ministério Público, via e-mail, e recebida neste TCA Sul em 23 junho 2020, sendo, assim, o recurso tempestivo.

Requer-se, assim, seja admitido o presente recurso, ao abrigo do disposto nas normas já anteriormente referidas.”

1.3. O Tribunal arbitral admitiu o recurso (fls. 56), enquadrando as questões de inconstitucionalidade da seguinte forma:

Afigura-se ser o recurso admissível quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas, referentes à desaplicação:

(a) Da norma constante do artigo 52.º, n.º 2 do Código do IRC, por contrariedade com o disposto nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da Constituição;

(b) Do artigo 116.º, n.º 2 da Lei de Orçamento do Estado para o ano de 2012, na parte em que impõe a nova redacção do artigo 52.º, n.º 2 do Código do IRC a prejuízos apurados em exercícios passados, incluindo os resultantes de mensurações ao justo valor, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição;

1.4. O recurso foi recebido no Tribunal Constitucional. O Ministério Público apresentou alegações, defendendo, na procedência do recurso interposto, o juízo de conformidade constitucional do quadro legal desaplicado e enunciando as seguintes conclusões:

52. (sic) Interpôs o Ministério Público, em 26 de Junho de 2020, a fls. 54 v.º a 55 v.º dos autos supra-epigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor do douto acórdão de fls. 3 a 50 v.º, proferido pelo Centro de Arbitragem Administrativa - Processo n.º 184/2019-T, “(…) ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1, a), e 72º nº 1, a), e 3, 75º, nº 1, e 75º-A, nº 1, todos da Lei nº 28/82, de 15 Novembro, (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - LOTC), actualizada, mormente pela Lei Orgânica nº4/2019, de 13 Setembro, todos por referência ao disposto no artigo 280º, nºs. 1, a), e 3, da Constituição (…)”.

53. Este recurso é interposto, por um lado, da parte da decisão impugnada “(…) respeitante à desaplicação da norma constante do artigo 52º, nº.2, do Código do IRC (…)” e, por outro, do “segmento respeitante à aplicação do artigo 116º, nº2, da Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2102”.

54. Os parâmetros de constitucionalidade cuja violação é invocada são “(…) o disposto nos artigos 2º e 18º, nº 2, da Constituição” no que concerne à norma ínsita no artigo 52º, n.º 2, do Código do IRC e o contido no “artigo 103º, nº3, da Constituição” no que concerne ao artigo 116.º, n.º 2, da Lei do Orçamento do Estado para 2012, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

55. Conforme acabamos de observar, das duas questões de constitucionalidade que constituem o objecto do presente recurso, radica a primeira não só na alegada desconformidade constitucional do conteúdo do disposto no artigo 52.º, n.º 2, do Código do IRC, conforme o formalmente decidido mas, mais exactamente, no resultado normativo da aplicação conjugada do disposto neste preceito com o previsto no artigo 18.°, n.º 9, alínea a), do mesmo complexo legal, interpretado no sentido de que tal aplicação “resulta num tratamento diferenciado injustificado de contribuintes que se encontrem em situações materialmente idênticas, por evidenciarem igual capacidade contributiva”, na medida em que se revela susceptível de conduzir a que meras valorizações provisórias de acções se possam converter, indevidamente, em matéria colectável.

56. Afigura-se-nos, todavia, que tal conclusão se baseia, por um lado, no equívoco entre uma certa noção naturalística do conceito de matéria colectável e a sua realidade normativa e convencional e, por outro, no equívoco entre vinculação constitucional do legislador...

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