Acórdão nº 679/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 679/2022

Processo n.º 1220/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A., SA (A., SA) interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) de 11 de março de 2021, pedindo a fiscalização das seguintes normas e apelando aos seguintes fundamentos:

- Artigo 139.º, n.º 6, do CIRC, na interpretação normativa de que “se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.ºs 1 a 3, do CIRC e, consequente[mente], para a elisão [ilisão] da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2, do Código do IRC” por violação dos princípios da reserva da intimidade privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), do acesso a tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa), da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e da igualdade tributária (artigos 104.º, n.ºs 1 e 2 e 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa);

2. Durante o exercício de 2011, a recorrente vendeu 142 imóveis, todos por preço abaixo do respetivo valor patrimonial tributário (VPT), impondo por isso a necessidade de ajustamentos à matéria coletável na respetiva declaração modelo 22 do exercício.

A., SA apresentou então requerimento junto da AT em 30 de janeiro de 2012, iniciando procedimento administrativo ao abrigo dos artigos 139.º, n.ºs 1 a 3 do Código do Imposto sobre Rendimentos das pessoas Coletivas (CIRC) e dos artigos 91.º, 92.º e 84.º, n.º 3, todos da Lei Geral Tributária (LGT), para prova do preço efetivo das transmissões, por essa forma procurando evitar a introdução de ajustamentos à liquidação de IRC.

Este requerimento foi indeferido pelo chefe de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto por não vir acompanhado de autorização para consulta dos registos bancários dos administradores da sociedade bancária requerente, em observância do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do CIRC.

3. A., SA propôs então ação administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao abrigo do artigo 46.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 97.º, n.º 1, alínea p) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) contra Ministério das Finanças e da Administração Pública, pedindo a anulação do ato administrativo que indeferiu o requerimento para prova do preço efetivo apresentado pela demandante e, ainda, pedindo a condenação da AT na admissão do mesmo (ato administrativo que entende devido).

A., SA pediu ainda, na mesma ação, a condenação da entidade administrativa em ato devido, traduzido na admissão do requerimento de prova apresentado pela demandante no procedimento de avaliação dos imóveis, com a sua tramitação subsequente.

4. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação totalmente improcedente e, inconformada, a recorrente interpôs recurso para o TCA Norte, que igualmente lhe negou provimento, confirmando integralmente a decisão em 1.ª instância.

A demandante interpôs recurso para revista extraordinária (artigos 150.º do CPTA e 285.º do CPPT) para o Supremo Tribunal Administrativo, que foi rejeitado por não-verificação dos seus específicos pressupostos e, por inerência, em irrecorribilidade do acórdão recorrido.

5. A., SA interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e no artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da mesma Lei, com as redações que lhe foram dadas pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13- A/98, de 26 de fevereiro, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.º

Nos presentes autos controverte-se o despacho, proferido por delegação, do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Senhor Dr. B., datado de 28.02.2012, exarado na Informação n.º 13/2012 daquele SACR da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 13044/0208, datado de 28.02.2012, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Recorrente, em 30.01.2012, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), com referência à alienação de 142 imóveis sitos em várias freguesias.

2.º

Com efeito, não se conformando com a referida decisão, o Recorrente apresentou ação administrativa especial de anulação de ato administrativo e, cumulativamente, de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição, do ato praticado.

3.º

Em 31.05.2017 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou a ação administrativa especial improcedente.

4.º

Daquela decisão o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por Acórdão de 11.03.2021, negou provimento ao mesmo.

5.º

Nas várias peças processuais apresentadas no âmbito do processo em epígrafe, o Recorrente alegou a inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC (anterior artigo 129.º, n.º 6, do mesmo Código), na acepção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC e, consequente, para elisão da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, por violação:

i) do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;

ii) do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º, da CRP;

iii) do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

iv) do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP;

v) do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2, e no artigo 13.º, todos da CRP.

6.º

A alegada violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada prende-se com o facto de a interpretação segundo a qual o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC (anterior artigo 129.º, n.º 6, do mesmo Código), exige a junção dos documentos de autorização bancária do sujeito passivo e, em especial no que ora releva, dos seus administradores, para que o pedido de provado preço efetivo seja deferido afastando-se a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC (que configura uma presunção) - rectius, seja, aliás, objeto de decisão de mérito determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo e a terceiros, sem que tenham à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário.

7. º

Efetivamente, a respeito do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva refira-se que, no essencial, o que está em causa é o sujeito passivo ser confrontado com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e se vê refém da obtenção das autorizações de terceiros igualmente relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, sendo tributado sobre um rendimento inexistente, ou seja, verifica-se um efetivo condicionamento do exercício daquele direito e das legítimas expetativas do sujeito passivo de comprovar, perante a administração tributária, ao abrigo do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC que o preço efetivamente praticado na alienação de um determinado imóvel foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT entretanto liquidado.

8.º

No que respeita ao princípio da proporcionalidade, é patente a sua violação na interpretação propugnada pela administração tributária e validada pelos Tribunais nos presentes autos na medida em que toda e qualquer atuação da administração tributária que colida com outros direitos dos sujeitos passivos e de terceiros, nomeadamente, o direito à reserva da vida privada no que tange à derrogação do sigilo bancário como decorre e é permitido pelo n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, revela-se manifestamente desproporcional.

9. º

Por fim, salvo melhor opinião, é flagrante a violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e o princípio da igualdade tributária, na medida em que, por um lado, está a privilegiar-se rendimento presumido em detrimento do rendimento real e, por outro lado, a interpretação no sentido de que os documentos de autorização de acesso tanto à sua informação bancária como dos seus administradores ou gerentes constituem condição sine qua non para a admissão e apreciação do pedido de demonstração de prova do...

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