Acórdão nº 875/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 875/2022

Processo n.º 365/22

2.ª Secção

Relator: Conselheira: Assunção Raimundo

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A., SA (A., SA) interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) de 13 de janeiro de 2022, alegando, em síntese,

« (…) [a] inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC (anterior artigo 129.º, n.º 6, do mesmo Código), na aceção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC e, consequente, para elisão da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, por violação:

i) do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP; ii) do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º, da CRP; iii) do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP; iv) do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; v) do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2, e no artigo 13.º, todos da CRP.»

2. Durante o exercício de 2011, a recorrente vendeu os imóveis identificados nos autos, pelos preços respetivamente indicados. Todos por preço abaixo do respetivo valor patrimonial tributário (VPT), impondo por isso a necessidade de ajustamentos à matéria coletável na respetiva declaração modelo 22 do exercício.

A., SA apresentou então requerimento junto da AT em 18 de fevereiro de 2011, iniciando procedimento administrativo ao abrigo dos artigos 139.º, n.ºs 1 a 3 do Código do Imposto sobre Rendimentos das pessoas Coletivas (CIRC) e dos artigos 91.º, 92.º e 84.º, n.º 3, todos da Lei Geral Tributária (LGT), para prova do preço efetivo das transmissões, por essa forma procurando evitar a introdução de ajustamentos à liquidação de IRC.

Este requerimento foi indeferido pelo chefe de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto por não vir acompanhado de autorização para consulta dos registos bancários dos administradores da sociedade bancária requerente, em observância do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do CIRC.

3. A., SA propôs então ação administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao abrigo do artigo 46.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 97.º, n.º 1, alínea p) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) contra Ministério das Finanças e da Administração Pública, pedindo a anulação do ato administrativo que indeferiu o requerimento para prova do preço efetivo apresentado pela demandante e, ainda, pedindo a condenação da AT na admissão do mesmo (ato administrativo que entende devido).

A., SA., pediu ainda, na mesma ação, a condenação da entidade administrativa em ato devido, traduzido na admissão do requerimento de prova apresentado pela demandante no procedimento de avaliação dos imóveis, com a sua tramitação subsequente.

4. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação totalmente improcedente e, inconformada, a recorrente interpôs recurso para o TCA Norte, que igualmente lhe negou provimento, confirmando integralmente a decisão em 1.ª instância.

5. O A., SA interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

« A., S.A., Recorrente nos autos à margem identificados, notificado do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2022, proferido no processo à margem referenciado, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da mesma Lei, com as redações que lhe foram dadas pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.º

Nos presentes autos controverte-se o despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, Exmo. Sr. Dr. B., datado de 11.03.2011, exarado na Informação n.º 11/2011 daquele SACR da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 16036/0208, datado de 11.03.2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente, em 18.02.2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), com referência à alienação dos seguintes imóveis: (i) prédio urbano sito na freguesia de Boim, concelho da Lousada, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1103-E, (ii) prédio urbano sito na freguesia de Marvila, concelho de Santarém, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1632-E, (iii) prédio urbano sito na freguesia de Rio de Galinhas, concelho de Marco de Canavezes, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1011 -A, e (iv) prédio urbano sito na freguesia de Paranhos, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 10003-H.

2.º

Com efeito, não se conformando com a referida decisão, o Recorrente apresentou ação administrativa especial de anulação de ato administrativo e, cumulativamente, de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição, do ato praticado.

3.º

Em 17.12.2020 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou a ação administrativa especial improcedente.

4.º

Daquela decisão o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por Acórdão de 13.01.2022, negou provimento ao mesmo.

5.º

Nas várias peças processuais apresentadas no âmbito do processo em epígrafe, o Recorrente alegou a inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC (anterior artigo 129.º, n.º 6, do mesmo Código), na aceção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC e, consequente, para elisão da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, por violação:

i) do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;

ii) do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º, da CRP;

iii) do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

iv) do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP;

v) do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2, e no artigo 13.º, todos da CRP.

6.º

A alegada violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada prende-se com o facto de a interpretação segundo a qual o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC (anterior artigo 129.º, n.º 6, do mesmo Código), exige a junção dos documentos de autorização bancária do sujeito passivo e, em especial no que ora releva, dos seus administradores, para que o pedido de prova do preço efetivo seja deferido afastando-se a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC (que configura uma presunção) - rectius, seja, aliás, objeto de decisão de mérito -, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo e a terceiros, sem que tenham à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário.

7.º

Efetivamente, a respeito do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva refira-se que, no essencial, o que está em causa é o sujeito passivo ser confrontado com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e se vê refém da obtenção das autorizações de terceiros igualmente relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, sendo tributado sobre um rendimento inexistente, ou seja, verifica-se um efetivo condicionamento do exercício daquele direito e das legítimas expetativas do sujeito passivo de comprovar, perante a administração tributária, ao abrigo do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC que o preço efetivamente praticado na alienação de um determinado imóvel foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT entretanto liquidado.

8.º

No que respeita ao princípio da proporcionalidade, é patente a sua violação na interpretação propugnada pela administração tributária e validada pelos Tribunais nos presentes autos na medida em que toda e qualquer atuação da administração tributária que colida com outros direitos dos sujeitos passivos e de terceiros, nomeadamente, o direito à reserva da vida privada no que tange à derrogação do sigilo bancário como decorre e é permitido pelo n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, revela-se manifestamente desproporcional.

9.º

Por fim, salvo melhor opinião, é flagrante a violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e o princípio da igualdade tributária, na medida em que, por um lado, está a...

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