Acórdão nº 680/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 680/2022

Processo n.º 1223/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A., SA (A., SA) interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) de 11 de fevereiro de 2021, pedindo a fiscalização das seguintes normas e apelando aos seguintes fundamentos:

a) Artigo 129.º, n.º 6, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas CIRC), na redação conferida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro (atual artigo 139.º, n.º 6, do mesmo diploma), na interpretação normativa de que é “imediatamente aplicável a todos os factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor”, por violação da proibição de retroatividade da Lei Fiscal previsto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República e dos princípios da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé, consagrados no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa;

b) Artigo 129.º, n.º 6, do CIRC (atual artigo 139.º, n.º 6, do mesmo diploma), na interpretação normativa de que “se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 129.º, n.ºs 1 a 3, do CIRC (atual artigo 139.º) e, consequente[mente], para a elisão [ilisão] da presunção prevista no artigo 58.º-A, n.º 2, do Código do IRC (atual artigo 64.º do mesmo código)” por violação dos princípios da reserva da intimidade privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), do acesso a tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa), da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e da igualdade tributária (artigos 104.º, n.ºs 1 e 2 e 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa);

2. A administração tributária (AT) procedeu à atualização do valor patrimonial tributário (VPT) de dois imóveis vendidos por A., SA em 30 de novembro de 2004 (prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Nogueira sob os artigos 737 e 672), impondo a necessidade de ajustamentos à matéria coletável na respetiva declaração modelo 22 do exercício, já que o valor declarado nas vendas dos prédios se mostrava inferior ao VPT atualizado dos mesmos.

A., SA apresentou então requerimento junto da AT em 08 de janeiro de 2008, iniciando procedimento administrativo ao abrigo dos artigos 129.º, n.ºs 1 a 3 do CIRC e dos artigos 91.º, 92.º e 84.º, n.º 3, todos da Lei Geral Tributária (LGT), para prova do preço efetivo das transmissões, por essa forma procurando evitar a introdução de ajustamentos à liquidação de IRC.

Este requerimento foi indeferido pelo chefe de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de finanças do Porto por não vir acompanhado de autorização para consulta dos registos bancários dos administradores da sociedade bancária requerente, em observância do disposto no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, na redação em vigor à altura.

3. A., SA propôs então ação administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao abrigo do artigo 46.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 97.º, n.º 1, alínea p) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) contra Ministério das Finanças e da Administração Pública, pedindo a anulação do ato administrativo que indeferiu o requerimento para prova do preço efetivo apresentado pela demandante e, ainda, pedindo a condenação da AT na admissão do mesmo (ato administrativo que entende devido).

A., SA pediu ainda, na mesma ação, a condenação da entidade administrativa em ato devido, traduzido na admissão do requerimento de prova apresentado pela demandante no procedimento de avaliação dos imóveis, com a sua tramitação subsequente.

4. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação totalmente improcedente e, inconformada, a recorrente interpôs recurso para o TCA Norte, que igualmente lhe negou provimento, confirmando integralmente a decisão em 1.ª instância.

A demandante interpôs recurso para revista extraordinária (artigos 150.º do CPTA e 285.º do CPPT) para o Supremo Tribunal Administrativo, que foi rejeitado por não-verificação dos seus específicos pressupostos e, por inerência, em irrecorribilidade do acórdão recorrido.

5. A., SA interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e no artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da mesma Lei, com as redações que lhe foram dadas pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13- A/98, de 26 de fevereiro, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.º

Nos presentes autos controverte -se o despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direção de Finanças do Porto, datado de 20.10.2008, proferido por delegação de competências, exarado na Informação n.º 28/2008 do referido Serviço, notificado através do Ofício n.º 73945/0208, de 20.10.2008, o qual indeferiu o requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Recorrente, em 11.03.2008, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), com referência à alienação de dois prédios urbanos sitos na freguesia de Nogueira, concelho da Maia, inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos n.º 737 e 672.

2.º

Com efeito, não se conformando com a referida decisão, o Recorrente apresentou ação administrativa especial de anulação de ato administrativo e, cumulativamente, de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição, do ato praticado.

3.º

Em 30.05.2017 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou a ação administrativa especial improcedente.

4.º

Daquela decisão o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por Acórdão de 11.02.2021, negou provimento ao mesmo.

i) Da violação dos princípios da proibição da retroatividade da lei fiscal e da confiança e da boa-fé

5.º

No decurso do presente processo o Recorrente alegou a inconstitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (atual artigo 139.º, n.º 6, do mesmo Código), na acepção normativa de que a mesma é imediatamente aplicável a todos os factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal previsto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, e, bem assim, do princípio da confiança e da boa-fé, constitucionalmente consagrados no artigo 266.º da CRP.

6.º

De facto, a redação da norma anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro gerou nos contribuintes que realizaram transmissões em data anterior à sua entrada em vigor a confiança de que não seria necessária a apresentação de declaração de autorização de acesso à informação bancária relativamente a si próprios nem aos seus administradores.

7. º

No que concerne a estas inconstitucionalidades suscitadas pelo Recorrente, no que ora releva, por ser a decisão final proferida nos presentes autos, o Tribunal Central Administrativo Norte, decidiu em suma que "(...) não se mostra violado o princípio da retroatividade fiscal a que alude o art. 103º da CRP. Assim como não está violado o princípio da confiança e da boa-fé, consagrado no artigo 266ºda CRP, (...) " (cf. p. 22 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte).

ii) Da violação dos princípios da reserva da vida privada, do Estado de Direito, do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade, e da tributação do rendimento real e da igualdade tributária

8.º

Acresce que, nas várias peças processuais apresentadas no âmbito do processo em epígrafe, o Recorrente alegou também a inconstitucionalidade do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC (atual artigo 139.º, n.º 6, do mesmo Código), na acepção normativa de que se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 129,º, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC (atual artigo 139.º) e, consequente, para elisão da presunção prevista no artigo 58.º-A, n.º 2 do Código do IRC (atual artigo 64.º do mesmo Código), por violação:

i) do princípio da reserva à intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;

ii) do princípio do Estado de Direito, previsto no artigo 2.º, da CRP;

iii) do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

iv) do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP;

v) do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2, e no artigo 13.º, todos da CRP.

9.º

A alegada violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada prende-se com o facto de a interpretação segundo...

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