Acórdão nº 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Instaurou Florasanto - Agricultura e Silvicultura, Lda., acção declarativa contra a Massa Insolvente da Santiago – Empresa Agro-Pecuária do Santo da Serra, pedindo a declaração de nulidade da resolução em benefício da massa insolvente realizada, por carta datada de 4 de Maio de 2016, sobre o contrato de arrendamento que identifica, celebrado entre a A. e a Santiago – Empresa Agro-Pecuária do Santo da Serra, ou subsidiariamente a condenação em indemnização pela resolução ilícita do referido contrato e o eventual exercício do direito de restituição do bem imóvel por abuso de direito, ao abrigo do disposto no artigo 334º do Código Civil.

A Ré contestou, alegando, entre outros fundamentos, a caducidade do direito a instaurar a presente acção.

Por despacho proferido em 21 de Junho de 2020 foi designada a realização de audiência prévia para o dia 9 de Setembro de 2020, pelas 14 horas, para os fins enunciados no artigo 591º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e), f) e g), do Código de Processo Civil, tendo por despacho proferido em 2 de Setembro de 2020 sido esclarecido que a diligência seria realizada presencialmente.

Em 15 de Setembro de 2020 foi designada a audência prévia, com as mesmas finalidades para o dia 20 de Outubro de 2020, pelas 14 horas.

Vieram as partes, actuando em conjunto através de requerimento entrado em juízo em 20 de Outubro de 2020, requerer a suspensão da instância por um período mínimo de 30 dias por se encontrarem na eminência de transacção.

Por despacho proferido em 20 de Outubro de 2020 foi decidido suspender a instância por trinta dias, desconvocando-se a audiência prévia designada.

Vieram as partes, através de requerimento conjunto entrado em juízo em 13 de Novembro de 2020, solicitar a prorrogação da suspensão por mais trinta dias, o que foi deferido por despacho proferido em 16 de Novembro de 2020.

Entretanto vieram de novo as partes, por requerimento conjunto de 22 de Dezembro de 2020, solicitar nova prorrogação da suspensão da instância por mais trinta dias.

Em 19 de Janeiro de 2021, sem qualquer outro tipo de diligência ou pronunciamento, foi proferido o seguinte despacho: “Fls.

159 e seguintes: Considerando que a MASSA INSOLVENTE comunicou aos autos, mediante requerimento datado de 23 de Dezembro de 2020, que após consultar a COMISSÃO DE CREDORES, decidiu não chegar a um acordo com a Autora, o Tribunal decide levantar a suspensão da presente instância.

I- DA FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA O Tribunal fixa à presente acção o valor de 250.000,00€, nos termos dos artigos 297.°, nºs 1, parte, e 2, 1ª parte, 301.°, n.° 1, e 306.°, n.os 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil.

II- DESPACHO SANEADOR (cfr.

artigos 591.°, n.° 1, alínea d), e 595.°, n.° 1, ambos do CPC) O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

A petição inicial não enferma de ineptidão e o processo é o próprio.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.

Atento o respectivo interesse na causa, as partes são legítimas.

As partes encontram-se regularmente patrocinadas.

Não há outras excepções, nulidades processuais ou questões prévias que importe conhecer.

Tendo em conta que o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzidos, o Tribunal decide conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos dos artigos 591.°, n.° 1, alínea d) e 595.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 17.°, n.° 1, do CIRE”.

Após o que o tribunal passou, de imediato, a proferir sentença, com o seguinte segmento dispositivo: “Termos em que, o Tribunal decide: 1.

Declarar a excepção peremptória de caducidade do direito de acção invocada pela R. MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE SANTAGRO - EMPRESA AGRO-PECUARIA DO SANTO DA SERRA, LDA.

procedente e, por conseguinte, declarar a resolução em benefício da massa insolvente do "contrato de arrendamento rural” celebrado no dia 14 de Agosto de 2014, eficaz; 2.

Absolver a R.

MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE SANTAGRO – EMPRESA AGRO-PECUARIA DO SANTO DA SERRA, LDA.

do demais peticionado pela A. FLORASANTO - AGRICULTURA E SILVICULTURA, LDA.” .

Veio a A. interpôr recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa apresentando as seguintes conclusões: “I.O presente recuso vem interposto do despacho saneador-sentença proferido nos autos, que julgou a acção improcedente, conhecendo do mérito da causa logo na fase de saneamento dos autos, por entender que "o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzidos”.

II.

A decisão recorrida incorre em frontal violação do regime processual aplicável, incorrendo na sanção de nulidade, por vários fundamentos, dir-se-ia, concorrentes.

III.

O artigo 591.° n.° 1, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 17.° do CIRE, estatui que, sempre que o Tribunal pretenda conhecer imediatamente do mérito da causa em sede de fase de saneamento, é obrigado a convocar audiência prévia, especificamente destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito da causa – conclusão que é corroborada pacificamente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.

IV.

O disposto no artigo 593.° n.° 1 do CPC, em conjugação com a norma anterior, estabelece que uma eventual decisão de dispensa da audiência prévia só é admissível dentro de certos condicionalismos, e apenas naqueles casos em que a acção deva prosseguir para além da fase de saneamento, o que é dizer: para a fase de julgamento.

V.

No caso sub judice, o Tribunal a quo pretendeu decidir de imediato do mérito da causa, em sede de despacho saneador-sentença, nos termos do artigo 595.° n.° 1 do CPC, mas não realizou a audiência prévia, como se impunha que fizesse, nos termos do artigo 591.° n.° 1, alínea b), do CPC.

VI.

A falta da realização da devida audiência prévia traduz-se na omissão de um formalismo legalmente imposto, susceptível de influir sobre a decisão da causa, originando uma nulidade, nos termos do artigo 195° n.° 1 do CPC, a qual desde já se invoca, para todos os efeitos.

VII.

A apontada nulidade por omissão, torna também nula a sentença recorrida por entre ambas existir uma relação de mútua dependência no plano processual, nos termos do disposto no artigo 195° n.° 2 do CPC - nulidade que igualmente se invoca desde já, para todos os efeitos.

VIII.

Pelas razões já expostas, acresce que a decisão recorrida acabou por se pronunciar sobre matéria que não podia conhecer, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.° n.° 1, alínea d), do CPC - o que igualmente se invoca, subsidiariamente.

IX.

Concebendo-se por mera hipótese, e por cautelar de patrocínio, que a dispensa de audiência prévia em casos em que o Tribunal entenda proferir despacho saneador-sentença possa ser admissível ao abrigo dos respectivos poderes de gestão processual, tão pouco a decisão recorrida seria válida, mesmo à luz desse entendimento.

X.

Primeiro, porque não foi proferida nos autos qualquer decisão cujo objecto fosse, especificamente, a dispensa da audiência prévia - sendo certo que essa putativa decisão não resulta do mero considerando feito no início do despacho recorrido, no sentido de que "o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, a apreciação total dos pedidos deduzido”.

XI.

Segundo, porque uma eventual decisão de dispensa de audiência prévia, em processos em que haja que ser proferido despacho saneador-sentença, sempre deveria ser precedida de contraditório das partes em juízo, nos termos expressamente impostos pelos artigos 3.° n.° 3 e 6.° n.° 1 do CPC.

XII.

E, no caso sub judice, não foi conferida às partes a possibilidade de exercerem o contraditório quanto a qualquer decisão de dispensa de audiência prévia - decisão que, repita-se, em rigor, nunca foi proferida.

XIII.

De resto, tão pouco as partes, em especial a Recorrente, manifestaram, em momento algum, intenção de prescindir da audiência prévia.

XIV.

Acresce que o Tribunal a quo agendou efectivamente a audiência prévia nos autos, pro três vezes sucessivas - que vieram sempre a ser adiadas, por razões atinentes ao Tribunal ou às partes - e em todas as respectivas convocatórias fez constar que a audiência se destinada aos “fins enunciados no artigo 591.°, n.° 1, alíneas a), b), c), d), e), f) e g), do Código de Processo Civil’ - onde se inclui a discussão da matéria de facto e de Direito relevante para a causa.

XV.

Verifica-se, assim, que o Tribunal já reputou, por três vezes sucessivas, necessária a realização de audiência prévia para os aludidos fins - tanto que a convocou! - o que torna a decisão recorrida, além de uma surpresa, também contraditória com actos antecedentes do Tribunal a quo.

XVI.

Por conseguinte, o despacho recorrido sempre seria nulo, por constituir uma decisão- surpresa, em violação do direito da Recorrente ao contraditório, nos termos do disposto no artigo 615.° n.° 1, alínea d), do CPC.

XVII.

A procedência das nulidades invocadas supra determina a devolução dos autos à 1ª instância, para que tenha aí lugar a prática das formalidades ilegalmente omitidas pelo Tribunal a quo, seja a realização da audiência prévia, seja a concessão do contraditório quanto à eventual dispensa da audiência prévia, o que igualmente se requer desde já.

Nestes termos, requer-se a V.a Ex.a se digne admitir o presente recurso, julgando-o inteiramente procedente, e, consequentemente: i) declare a nulidade da decisão recorrida, por preterição ilícita de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 195.° n.° 1 e n.° 2 do CPC, e, concorrentemente, do artigo 615.° n.° 1, alínea d), do CPC; ou, caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese e sem conceder; ii) declare a nulidade da decisão recorrida, por traduzir uma putativa dispensa da audiência prévia com preterição ilícita do direito do Recorrente ao contraditório; iii) em qualquer dos casos, na...

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