Acórdão nº 1167/20.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO.

L. M.

, residente na Rua ..., Peso da Régua, e A. C., residente na Rua …., em Vila Real, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade Agrícola ..., Lda., com sede no Lugar …, Peso da Régua, pedindo que seja declarada nula a assembleia geral da Ré de 16 de maio de 2020 e, consequentemente, todas as deliberações aí tomadas ou, se assim não se entender, que seja declarada a anulabilidade, pelo menos, das deliberações tomadas nessa mesma assembleia, relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos.

Para tanto alegam, em síntese, que a convocatória expedida para assembleia geral em causa não respeitou a antecedência mínima a que alude o art. 377º n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais (doravante denominado CSC); é omissa quanto ao lugar em que se realizaria a assembleia; a primeira autora viu-se impedida de participar nas deliberações tomadas, por não estar familiarizada com os meios eletrónicos e não possuir internet em casa; a assembleia omitiu a gravação da verificação das presenças, identidade dos participantes, regularidade de mandatos, falta de visibilidade dos participantes e corte de som do sócio que estava a falar; as deliberações reportadas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos são nulas por não terem na sua base nenhuma proposta fundamentada ou justificação da necessidade de venda dos vinhos, fundando a sua pretensão nos arts. 53º 56º n.º 1 al. a) e n.º 2 e 58º n.º 1 als. a), b) e c) do CSC.

A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invoca a exceção da caducidade do direito que a Autora vem exercer nos autos, alegando que a assembleia geral a que se reportam as deliberações impugnadas foi encerrada em 16/05/2020 e o prazo para a interposição da ação de anulação de deliberações sociais é de 30 dias, pelo que terminou em 15/06/2020, e daí que, quando a presente ação deu entrada em juízo, em 02/07/2020, o direito das Autoras a obterem a anulação daquelas deliberações, já se encontrava extinto, por caducidade; Invoca a exceção da confirmação, sustentando que a deliberação constante do ponto dois da ordem de trabalhos, obteve o voto favorável da Autora A. C. e já foi executada, tendo a Ré procedido à distribuição de lucros do exercício de 2019 aos sócios, incluindo a cada uma das Autoras; nessa assembleia visualizou-se e corrigiu-se o texto da respetiva ata, em que todos os presentes tiveram oportunidade de verificar, e verificaram, e concordaram com o teor dessa ata, e verificaram e concordaram que as votações se tinham verificado corretamente; assim, conclui a apelante, se se verificasse alguma invalidade daquelas deliberações, os comportamentos acima referidos teriam de ser considerados como uma confirmação tácita daquelas deliberações; Mais invoca a exceção dilatória da ilegitimidade ativa das Autoras para instaurarem a presente ação, alegando que a Autora A. C. votou a deliberação do ponto dois da ordem de trabalhos, no sentido que fez vencimento, pelo que não dispõe de legitimidade para arguir a invalidade dessa deliberação; as Autoras aprovaram tacitamente a deliberação constante dos pontos um e dois da ordem de trabalhos, e a deliberação do ponto dois pressupõe necessária, implícita e tacitamente, a aprovação da deliberação constante do ponto um, pelo que as Autoras não dispõem de legitimidade para arguir a invalidade dessas deliberações, nem das demais deliberações constantes da assembleia geral, no que respeita aos vícios que apontam como vícios que afetam a assembleia geral na sua totalidade; Invoca a exceção da impossibilidade ou da inutilidade da lide, sustentando que as deliberações constantes dos pontos um, dois e sete da ordem de trabalhos já foram executadas, porquanto, o vinho em causa já foi vendido, o que determina a impossibilidade/inutilidade da lide quanto à invalidação das referidas deliberações, pois não é possível, neste momento, extrair qualquer efeito útil da invalidação das mesmas; Suscita a exceção perentória do abuso de direito, alegando que as Autoras são irmãs gémeas, vivem em litígio com todos, incluindo com a Ré, sendo inadmissível que sendo titulares de 1% do capital social, possam perturbar o normal funcionamento da última; Invoca a exceção da colisão de direitos, sustentando que, caso existisse algum direito às Autoras, este teria de ceder face ao da Ré, por ser manifestamente superior, dado que as Autoras são sócios detentoras de 1% do capital social cada uma, quando as consequências negativas/prejuízos que resultariam para a Ré da anulação das deliberações, seja qual o critério que se siga nessa avaliação, seria manifestamente superior ao da manutenção de tais deliberações; Impugnou parte da facticidade alegada pelas Autores, sustentando que a assembleia geral e as deliberações nela tomadas e impugnadas pelas Autoras não padecem de nenhum dos vícios que estas lhes imputam, sustentando que a assembleia geral foi convocada por meio de carta registada expedida em 27/04/2015 e, portanto, com a antecedência legal sobre a data designada para a realização dessa assembleia geral; por mail de 04/05/2020, a Autora A. C. solicitou a inclusão de assuntos na ordem do dia e, na sequência desse pedido, foi enviada nova comunicação aos sócios por carta expedida em 05/05/2020; na convocatória constava que a assembleia geral seria realizada por meios telemáticos; a gerência da Ré arrendou um espaço (que identifica), com disponibilização de uma pessoa com conhecimento na área dos meios telemáticos, e comunicou aos sócios, por mail de 12/05/2020, referindo expressamente que estes podiam participar na assembleia geral por meios telemáticos, a partir das suas casas, ou nesse local arrendado; a sociedade e os sócios comunicam frequentemente por mail e todos os presentes na assembleia geral, incluindo o representante da Autora A. C., não demonstraram qualquer dificuldade na utilização de meios telemáticos; a assembleia geral terminou com a leitura e visualização da ata por todos os participantes, incluindo, pelo representante da Autora A. C., que aprovaram o respetivo texto, e assinaram essa ata, a qual apenas não foi enviada às Autoras, por motivo exclusivamente imputável à Autora A. C., cujo representante ainda não assinou a ata; acresce que à data da convocação da assembleia geral estava em vigor o Decreto n.º 2-C/2020, de 17/04, e, à data da realização dessa assembleia geral encontrava-se em vigor a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30/04, que impedia reuniões com mais de 10 pessoas, o que era o caso da assembleia geral da Ré, atento o capital social desta; quanto às deliberações dos pontos quatro e sete, alegou tratar-se de assuntos da competência da gerência e existem deliberações anteriores em que a assembleia geral permitiu à gerência proceder à venda do vinho em causa, e a gerência, ao submeter esses assuntos à assembleia geral, fê-lo por uma questão de transparência; o negócio da venda do vinho aprovado pela assembleia geral e executado foi vantajoso para a Ré, posto que esta vendeu o vinho pelo dobro do preço das anteriores vendas que realizou.

Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e que as Autoras sejam condenadas como litigantes de má fé em multa e em indemnização devida àquela, de valor não inferior a 50.000,00 euros.

Por despacho proferido em 28/04/2021, a 1ª Instância notificou as Autora para, em dez dias, exercerem o contraditório quanto às exceções invocadas pela Ré na contestação.

Aderindo a essa notificação, por requerimento entrado em juízo em 13/05/2021, as Autoras pronunciaram-se quanto a essas exceções e, bem assim quanto ao pedido de condenação daquelas como litigantes de má fé, concluindo pela improcedência dessas exceções e pedido.

Quanto à exceção da caducidade, as Autoras advogam que o prazo de caducidade a que alude o art. 59º, n.º 2 do CSC, esteve suspenso, por via da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, de 09/03/2020 até 03/06/2020, não se verificando a exceção em causa; No que respeita à exceção da confirmação, alegam que esta figura não se aplica às deliberações nulas; que a possibilidade de sanar a nulidade pelos vícios procedimentais do art. 56º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, só pode ter lugar em momento posterior à realização da assembleia geral em que foram aprovadas essas deliberações, com o assentimento de todos os sócios ausentes e não representados, e essa confirmação tem de se verificar de forma expressa e por escrito, o que não é o caso; que no caso de se entender que as deliberações relativas aos pontos 4 e 7 são meramente anuláveis, que a confirmação dessas deliberações dependia de um comportamento concludente das Autoras, no sentido de consolidarem o negócio, o que também não é o caso dos autos; Já no que tange à exceção da ilegitimidade ativa, sustentam que o art. 57º do CSC, não afasta o regime geral previsto no art. 286º do CC; a primeira Autora não esteve presente na assembleia geral, e apesar da 2ª Autora ter nela estado presente através de representante, este votou em sentido contrário ao vencimento de dois pontos, pelo que nenhuma das Autoras votou no sentido em que fez vencimento, nem expressou qualquer aprovação relativamente a tais deliberações, mas antes, pelo contrário; Quanto à exceção da impossibilidade/inutilidade da lide, sustentam que da execução de deliberações nulas ou anuláveis não resulta a sua sanação; que o contrato invocado pela Ré não é um contrato de compra e venda, mas um contrato promessa de compra e venda de vinho, e que, em todo o caso, instauraram procedimento cautelar de suspensão daquelas deliberações e informaram a gerência da Ré da instauração desse procedimento cautelar, por mail de 03/07/2020; A propósito da exceção perentória do abuso de direito, alegam que um sócio com 1% de capital social tem o mesmo direito de impugnar uma assembleia eivada de nulidade que um sócio com 30%, ou mais, do capital; que no caso, uma das...

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