Acórdão nº 26069/18.3T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. Arpador–Arquitectos & Associados, Lda.

e AA, com sede e domicílio na Rua ......., ..., da cidade do ... intentaram ação, sob a forma de processo comum, contra Adriparte Gest, S.A.

, com sede na Avenida da Boavista, 3265, 2.3, Edifício Oceanus, da cidade do Porto e BB, residente na Rua ........–......, em ....

  1. Os Autores fundamentaram a sua pretensão na responsabilidade pré-contratual, alegando que a 1ª Ré e/ou o 2º Réu frustraram de forma culposa e ilegítima as expectativas neles criadas de que iriam formalizar um contrato de prestação de serviço de arquitetura relativamente a dois imóveis, rompendo as negociações que vinham mantendo com vista a essa formalização, provocando-lhe prejuízos, designadamente, no valor de € 121.247,00 a título de honorários não auferidos, de € 100.000,00, a título de perda de negócios futuros e de € 270.000,00, a título de perda de oportunidade na participação em projeto.

  2. Terminam pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhes, solidária ou subsidiariamente, a quantia global de € 457.804,00, acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às transações comerciais, calculados desde a data da citação.

  3. Citados, os Réus contestaram, impugnando de forma motivada os factos alegados, dizendo que apenas foi encomendado ao Autor um destes trabalhos, tendo sido liquidado o respetivo valor conforme recibo de quitação e, para o caso de assim não se entender, invocam ainda que os Autores agem com abuso do direito. Terminaram pugnando pela improcedência da ação.

  4. No exercício do contraditório, os Autores pediram a condenação dos Réus como litigantes de má fé.

  5. Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador e foram fixados os temas de prova.

  6. Procedeu-se, depois, ao julgamento.

  7. A final foi proferida decisão que julgou a ação totalmente improcedente por não provado com a consequente absolvição dos Réus do pedido.

  8. Não se conformando com a decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação.

  9. Os Réus apresentaram contra-alegações, preconizando o não provimento do recurso.

  10. Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação ....., de 8 de setembro de 2020: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provado procedente e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.

    Custas da apelação a cargo dos recorrentes (artigo 527.º do CPCivil)”.

  11. Não se conformando, os Autores interpuseram recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “I. Integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674.º, n.º 1, al. b), do NCPC, o acórdão em que a Relação se limita a tecer considerações de ordem genérica em torno das virtualidades de determinados princípios, como o da livre apreciação das provas, ou a enunciar as dificuldades inerentes à da tarefa de reapreciação dessas provas, para concluir pela manutenção da decisão da matéria de facto.

    1. Não tendo sido efectivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelos recorrentes relativamente aos pontos de facto impugnados, deve o processo ser remetido à Relação para o efeito.

    2. Os concretos pontos de facto contidos na previsão do art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC, podem ou não consistir na singularidade das proposições interrogativas isoladas que integram o «questionário» ou a base instrutória, mas devem, no entanto, traduzir-se em factos interligados, por um nexo espácio-temporal que lhes confira unidade, sobre os quais tenham sido admitidos e produzidos, essencialmente, os mesmos meios de prova, podendo corresponder ou não a um determinado tema de prova, quando os mesmos exprimam factos naqueles termos.

    3. A alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º não limita a forma de referenciação dos “concretos pontos de facto”, não impondo que os mesmos sejam referidos por referência aos artigos da petição ou da contestação.

    4. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação, matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada.

    5. A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição.

    6. O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o atual Código confirmou e reforçou VIII. Na reponderação da decisão sobre a matéria de facto, para garantir um duplo grau de jurisdição em tal âmbito, a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação da prova, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª instância, ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitada ação do princípio da imediação.

    7. A Relação, no âmbito do seu poder-dever de sindicar a resposta dada à matéria de facto pela primeira instância, deve procurar formar a sua própria convicção sobre os factos que o recorrente lhe assinala, considerando, de novo, e de forma independente e autónoma da fundamentação da sentença, todos os meios pertinentes sobre tais factos.

    8. Não pode, nesse exercício, aceitar como boas as conclusões e a respetiva fundamentação da sentença, apenas porque nelas não encontra incoerências intrínsecas, devendo antes fundamentar, por si própria, a formação da sua convicção factual, alinhando e sopesando a prova que considerou, em sede de recurso.

    9. Isto é, da fundamentação da resposta da Relação quanto à matéria de facto deve ser possível às partes retirar que a Relação efetivamente se debruçou sobre a prova, que a leu, ouviu ou visualizou, apenas depois contrapondo as suas próprias conclusões às expressas na sentença.

    10. Os factos instrumentais, mesmo que não constem da alegação das partes, podem ser tidos em consideração pelo julgador se resultarem da instrução da causa. Não se nos afigura rigorosa a afirmação de que os factos sindicados pelos Recorrentes – que foram por eles alegados na petição inicial e foram levados a debate em sede de instrução e julgamento – não devem ser objecto de julgamento em 2ª Instância, em sede de impugnação da matéria de facto, por serem instrumentais e o julgamento na 2ª Instância constituir um acto inútil.

    11. A consideração da inutilidade da reapreciação do julgamento da matéria de facto, quando a parte que recorre cumpriu o ónus de que depende a apreciação da sua pretensão, só pode/deve ser recusada em casos de patente desnecessidade.

    12. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.

    13. Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.

    14. Tendo os recorrentes cumprido os apontados ónus sem que o tribunal a quo tenha conhecido de determinados pontos de facto que foram impugnados por aquele, ignorando essa impugnação, incorreu o mesmo em omissão de pronúncia, sendo o acórdão recorrido nulo, nessa parte, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, aplicável por força do art. 666.º, n.º 1, do mesmo Código.

    15. Devem ser objecto de julgamento em 2ª Instância, em sede de impugnação da matéria de facto, os factos instrumentais, não podendo a Relação presumir a sua irrelevância para qualquer solução possível (que pode não considerar corretamente), exceto quando ela seja manifesta (o que não é o caso).

    16. Pelo exposto, se conclui que o acórdão recorrido ilicitamente omite a pronúncia sobre todos os factos identificados na Conclusão I da Apelação, devendo assim ser ordenada a baixa dos autos para reformulação do acórdão, para cabal exercício do poder-dever da Relação de formar a sua própria convicção sobre tais factos, que deverá fundamentar tendo em consideração as alegações dos Apelantes e dos Apelados.

      Sem prescindir, XIX. A fundamentação do acórdão recorrido, fora dos casos previstos no n.º 5 e 6 do art.º 663.º do Código de Processo Civil, não pode traduzir-se na mera remissão para os fundamentos da sentença ou na sua reprodução sem contraposição com os inovadores argumentos formulados em apelação.

    17. Tendo o Recorrido, ao longo de dois anos e mantendo a conduta reiterada ao longo de mais de 25 anos, solicitado ao Recorrente e por seu intermédio à Recorrente Sociedade de que este é gerente, que realizasse trabalhos de arquitetura, que contactasse mediadores imobiliários relativamente a dois concretos imóveis e que encetasse negociações com o inquilino residente num deles tendentes ao seu conluio no exercício de direito de preferência financiado pela Recorrida Sociedade, criou legítimas expectativas aos Recorrentes de que o seu trabalho e esforços pessoais seriam...

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