Acórdão nº 798/21 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução21 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 798/2021

Processo n.º 164/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, no pleno da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora recorrente) impugnou, junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, uma decisão do Banco de Portugal que o condenou no pagamento de coimas pela prática de contraordenações previstas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Aquele tribunal procedeu ao cúmulo jurídico das coimas parcelares e condenou o recorrente na coima única de €75.000,00.

1.1. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa.

1.1.1. Na pendência do processo no Tribunal da Relação, o arguido apresentou nos autos um requerimento no qual invocou a prescrição de uma das contraordenações integradas no cúmulo jurídico, pedindo a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para declaração da prescrição (parcial) e realização de novo cúmulo jurídico dela decorrente.

1.1.1. Por decisão singular da Senhora Juíza Desembargadora relatora, foi tal requerimento indeferido, conhecendo-se da questão da prescrição no sentido de a mesma não se ter verificado.

1.1.2. Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência. Por acórdão de 04/12/2020, foi a reclamação indeferida. Consta da fundamentação desta decisão, designadamente, o seguinte:

“[…]

Alega o Recorrente que não cabia ao Tribunal da Relação ou à Relatora a apreciação da questão suscitada no indicado requerimento, antes entendendo que tal competência teria de ser deferida ao Tribunal da Primeira Instância.

Mas não lhe assiste razão.

Como se esclareceu na decisão reclamada, tratando-se de questão de conhecimento oficioso que pode ser invocada a todo o tempo, nos termos do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, al. c), do Código de Processo Penal, e 652.º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Civil, deve a mesma ser conhecida pelo Tribunal perante o qual é invocada e na fase em que se encontra.

Tendo a questão sido invocada em sede de recurso, outra solução não restava a este Tribunal, que conhecer da mesma, inserindo-se a competência para da mesma conhecer, nas que o artigo 417.º, n.º 6, al. c) defere ao Relator, pois que se trata de questão que, na versão apresentada pelo Recorrente, extinguia o procedimento contraordenacional relativamente ao ilícito em causa.

De todo o modo, ainda que se entendesse que a competência cabe à conferência, a mesma mostra-se assegurada com a prolação da presente decisão.

E não se diga que a decisão por este Tribunal suprime um grau de recurso, pois trata-se de questão que não se prende com a da competência, e sim com a da ponderação da admissibilidade de recurso em um grau da decisão que aprecie a prescrição, que é reconhecidamente diversa.

[…]

No que à concreta questão da invocada prescrição respeita, importa desde logo referir que não vem posta em crise a circunstância de o prazo de prescrição em causa no que à concreta contraordenação a que o requerimento se refere, ser de oito anos, pois considerando as vicissitudes processuais a que o processo esteve sujeito, o prazo normal de cinco anos […] iniciou-se na data dos factos, ou seja, 26.10.2012, tendo-se interrompido por diversas vezes nas circunstâncias referidas no n.º 1 do artigo 28.º do RGCO e suspendeu-se nas circunstâncias previstas no artigo 27.º-A, n.º 1, als. b) e c), pelo prazo máximo de seis meses.

Assim, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO a prescrição teria lugar decorrido o prazo normal, acrescido de metade (sete anos e meio) e ressalvado o tempo de suspensão (seis meses), o que efetivamente perfaria oito anos.

Como é sabido, a situação de crise de saúde pública originada pelo coronavírus SARS-COV2 que a Organização Mundial de Saúde (‘OMS’) qualificou em 30 de janeiro de 2020 como de emergência sanitária a nível internacional, assumiu com grande rapidez, uma acentuada gravidade a nível mundial, que levou aquela Organização a confirmar, em 11 de março, que o surto de COVID-19 se havia convertido numa pandemia, constituindo uma calamidade pública.

[…]

Ora, foi precisamente neste quadro, em que foram impostas medidas excecionais, designadamente de limitação e condicionamento de acesso, circulação ou permanência de pessoas, de limitação e condicionamento de certas atividades económicas e de fixação de normas de organização do trabalho e de estabelecimentos em funcionamento, que foi aprovada a Lei n.º 1-A/2020, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, que no seu artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, determinou a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, desde 9 de março de 2020.

A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, revogou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, pondo termo à suspensão dos aludidos prazos de prescrição e caducidade (cf. artigo 8.º da Lei n.º 16/2020).

Assim, no dia 3 de junho de 2020, data em que tal diploma entrou em vigor, os prazos de prescrição e caducidade que haviam ficado suspensos por força da Lei n.º 1-A/2020, retomaram a respetiva contagem, esclarecendo o artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, que os prazos de prescrição e caducidade que “deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas por tal lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão”.

De resto, em consonância com a solução que o preceito aditado pelo mesmo diploma à Lei n.º 1-A/2020 – artigo 6.º-A –, e mais precisamente pelo respetivo n.º 8, estabeleceu para os processos que permaneceram suspensos (todos aqueles referidos no n.º 6 do mencionado artigo 6-º-A).

Criou-se desta forma uma causa de suspensão da prescrição do procedimento contraordenacional, a par das indicadas nos citados artigos do RGCO, fundada na necessidade de acautelar a impossibilidade de prosseguimento dos processos, consequente ao confinamento, quer de todos os que exercem funções nas Entidades Administrativas e nos Tribunais que os processam, quer dos demais Intervenientes, como as Partes, seus Representantes e Mandatários.

[…]

De tal conjunto de normas decorre, pois, que, no caso dos autos, ao aludido prazo de oito anos, acresce o prazo em que foi determinada a respetiva suspensão com fundamento na situação de emergência nacional e de calamidade determinada pela pandemia causada pelo “Covid19”, que é de 86 dias.

[…]

Conclui-se desta forma pela inexistência da invocada inconstitucionalidade, e pela aplicação da causa de suspensão em apreço aos presentes autos, sendo que os oitenta e seis dias que acrescem aos oito anos supramencionados não decorreram ainda relativamente a qualquer das contraordenações em causa nos autos.

Torna-se, consequentemente, inútil a apreciação da invocada necessidade da remessa dos autos à primeira instância para reformulação do cúmulo de coimas.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. O recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.ºda LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade relativo às seguintes normas:

“[…]

a) O artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março de 2020 (na sua redação original), interpretado e aplicado no sentido de que é aplicável a processos criminais e contraordenacionais pendentes no início da vigência desta Lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 9, 13 ou 19 de março de 2020, […].

b) O artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março de 2020 (na sua redação original), interpretado e aplicado no sentido de que a suspensão da prescrição é aplicável aos processos penais e contraordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor desta Lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 9, 13 ou 19 de março de 2020 […].

c) A al. e) do n.º 6 do artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020, na redação da Lei n.º 16/2020, interpretada no sentido de que a suspensão da prescrição é aplicável aos processos penais e contraordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor desta Lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 9, 13 ou 19 de março de 2020 […].

d) A al. e) do n.º 6 do artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020, na redação da Lei n.º 16/2020, interpretada no sentido de que a suspensão da prescrição é aplicável aos processos penais e contraordenacionais pendentes aquando da entrada em vigor desta Lei, em que estejam em causa ou discussão alegados factos ilícitos imputados ao arguido praticados antes de 9, 13 ou 19 de março de 2020 […].

e) Os artigos 19.º, 73.º e 75.º do RGCO, interpretados no sentido de que o Tribunal da Relação pode apreciar a questão e prescrição suscitada pelo recorrente e redefinir a coima única, em cúmulo jurídico, aplicável a concurso de contraordenações em face da prescrição de uma das infrações verificada após a decisão sobre o recurso da decisão final original da 1.ª Instância, sem que a 1.ª Instância tenha decidido a prescrição e a redefinição da coima única após a prescrição […].

[…]”.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa, com efeito devolutivo.

1.2.2. Já no Tribunal Constitucional, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 148/2021, no sentido do não conhecimento do objeto do recurso. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

2.1. Relativamente às primeiras quatro questões – indicadas sob as alíneas a), b), c) e d) do requerimento de interposição do recurso, transcritas no item 1.2., supra –, o recurso é manifestamente inútil.

É-o...

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