Acórdão nº 49/22.2T8ALJ.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2022

Data24 Outubro 2022

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO 1.

Decisão recorrida Mediante decisão datada de 28.12.2021, o INSTITUTO DOS MERCADOS PÚBLICOS DO IMOBILIÁRIO E DA CONSTRUÇÃO, I.P.

condenou a sociedade arguida “X,S.A.” na coima de € 2 500,00, pela prática negligente de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 37.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, al. f), e 6, da Lei n.º 41/2005, de 03-06, e 455.º, n.º 1, 457.º, al. a), do Código dos Contratos Públicos.

A sociedade arguida apresentou impugnação judicial desta decisão, a qual veio a ser julgada totalmente improcedente por sentença proferida em 21.06.2022 no âmbito do processo n.º 49/22.2T8ALJ que corre os seus termos no Juízo de Competência Genérica de Alijó.

  1. Recurso Inconformado com a referida sentença, a referida sociedade arguida recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): (…) 2. Após ter sido notificada para apresentar defesa, a recorrente usou desse direito, apresentando a defesa e arrolando testemunhas.

  2. Contudo, os factos invocados na defesa não fazem parte do acervo da matéria de facto, nem foram considerados provados, nem foram considerados não provados, 4. Note-se que não se trata de acolher ou deixar de acolher a versão da recorrente… não é pelo facto da recorrente invocar determinado facto que a autoridade administrativa terá de dar o mesmo por assente… 5. No entanto, a autoridade administrativa deverá pronunciar-se de forma fundamentada sobre a razão de não dar acolhimento à versão da recorrente.

  3. O que omitiu totalmente, não se pronunciando sobre os motivos de não acolher os factos invocados, sem levá-los à matéria de facto provada ou não provada.

  4. Deste modo, no caso sub judice, formalmente foi dada a possibilidade à arguida de se pronunciar sobre a contra-ordenação, mas materialmente não lhe foi dada essa possibilidade, já que o seu direito de defesa foi completamente desconsiderado.

  5. Nestes termos, a douta decisão, bem como a decisão administrativa anterior, violaram ou deram errada interpretação ao disposto nos artigos 2º e 32º n.º 10 da CRP e o estatuído no artigo 50º do RGCO, devendo a decisão ser anulada.

  6. Por outro lado, dada a natureza (sancionatória) do processo de contra-ordenação, os fundamentos da decisão, que aplicam uma coima (ou outra sanção prevista na lei para uma contra-ordenação), aproximam-se da decisão condenatória, mais do que da decisão da Administração que contenha um acto administrativo.

  7. Uma vez que o RGCO não prevê a consequência processual da falta de requisitos da decisão, deverão aplicar-se os preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no artigo 41º, nº 1 e 2, do RGCO.

  8. É que, a fundamentação da decisão tem a função de legitimação-interna –para permitir aos interessados conhecer, mais do que reconstituir, os motivos da decisão e o procedimento lógico que determinou a decisão em vista da formulação de um juízo sobre a oportunidade e a viabilidade, e os motivos para uma eventual impugnação – e de legitimação-externa – para possibilitar o controlo sobre as razões da decisão.

  9. Deste modo, a indicação precisa e discriminada dos elementos indicados constitui elemento fundamental para garantia do direito de defesa do arguido, que só poderá ser efectivo com o adequado conhecimento dos factos imputados, das normas que integrem e das consequências sancionatórias que determinem.

  10. Ora, no caso concreto, a decisão administrativa sub judice não contém uma narração criteriosa, individualizada e concreta dos factos integrativos do tipo de ilícito contra- ordenacional.

  11. Verifica-se, desde logo, que daquela enumeração dos factos considerados provados não se vislumbra descrita factualidade suficiente quanto ao elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional, que é imputado à arguida, faltando, em absoluto, o nexo psicológico, nomeadamente volitivo, de ligação dos factos descritos ao agente.

  12. De todo o exposto, resulta que uma imputação de factos, assim, imprecisa, genérica e conclusiva não logrará, por menos exigente, sumário e expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, preencher as exigências previstas no artigo 58º do RGCO, designadamente da descrição dos factos imputados, sob pena de violação das garantias mínimas relacionadas, desde logo, com o direito de defesa, as mesmas estendidas a este tipo de processos nos termos do artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa.

  13. Saliente-se que, dos factos terão de se extrair, para além dos elementos do tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional em causa, as circunstâncias alusivas à vontade de praticar o acto e à consciência da sua ilicitude, de modo a apreender-se se o agente agiu com dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades.

  14. Em suma, a decisão da autoridade administrativa é nula, na medida em que nela não se indicam os factos integrantes dos elementos objecto e subjectivo do ilícito contra-ordenacional.

  15. Mais, a determinação da medida da coima deve obedecer aos critérios estabelecidos no art.º 18º, n.º 1 do citado DL n.º 433/82.

  16. Também, a douta decisão administrativa não explicita todos esses elementos, mormente no que respeita à gravidade da contra-ordenação e à culpa, violando o princípio da legalidade disposto no art. 43.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

  17. Em face de todo o exposto, a douta decisão recorrida ao não ter reconhecido a nulidade da decisão administrativa por falta de preenchimentos dos elementos do tipo do ilícito contra-ordenacional, violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 18º, 43º, e 58º, nº 1, al. b), do RGCO, e 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal ex vi 41º do RGCO, é nula, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

    Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outro, que absolva a arguida, assim se fazendo A ACOSTUMADA JUSTIÇA! (…)”.

  18. Respostas ao recurso Após a admissão do referido recurso, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso interposto pela sociedade arguida, concluindo (transcrição): (…) Daqui resulta com evidente clareza que em nenhum momento foi postergado, - formal ou materialmente -, o direito de defesa da arguida, nada mais sendo de exigir da autoridade administrativa, que não obstante ter atendido à versão da daquela, não a acolheu tendo fundamentado a sua decisão.

    Ademais e contrariamente ao que propugna a arguida – de que o seu direito de defesa foi violado – a entidade administrativa, precisamente por ter avaliado a prova oferecida pela recorrente, considerando-a e sopesando-a no seu processo decisório, acabando mesmo por concluir por uma conduta meramente negligente, ao contrário da imputação dolosa originária constante da notificação enviada para o predito exercício do direito de audição.

    (…) Nestes termos, e por tudo o exposto, o recurso interposto pela arguida não merece provimento, devendo improceder.

    (…)”.

  19. Tramitação subsequente Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu parecer e pugnando a final pela improcedência do recurso, alegando para tanto (transcrição): (…) A recorrente afirma que a prova por si indicada, após produção, não foi vertida no que toca aos seus resultados em factos dados como provados ou não.

    Não creio que lhe assista razão neste ponto. A entidade administrativa, na sequência da realização das diligências de instrução do processo, produziu e recolheu a prova tida por necessária e fazendo uma avaliação crítica da mesma selecionou o factualismo relevante a ter em conta para a decisão que tinha de tomar. No desenvolvimento desse processo de avaliação desconsiderou a argumentação da recorrente, quer no seu segmento escrito quer no que respeita ao teor das declarações das testemunhas por aquela indicadas. Não estamos perante qualquer violação do dever de audição e defesa mas sim em pleno processo decisório e de avaliação da questão em análise sendo que a conclusão encontrada, a decisão tomada, se mostrou desfavorável à arguida recorrente.

    Invoca a recorrente a existência de diversas situações determinantes da nulidade da decisão administrativa, por violação do art. 58º, nº 1 do R.G.C.O., como sejam: - falta de indicação como provados ou não de factos alegados pela defesa.

    - falta de consideração como provados dos elementos subjectivos do tipo contraordenacional em avaliação - falta de indicação de elementos objectivos do tipo contraordenacional violados.

    - falta de enunciação das circunstâncias consideradas para a graduação da coima.

    Acompanhamos aqui a decisão objecto de recurso e concluímos que, na realidade, não se mostra existente qualquer dos vícios alegados pela recorrente.

    Entendo que a inexistência de descrição dos factos dados como não provados na decisão administrativa não inquina a validade desta. A concretização dos factos imputados, essa sim imprescindível, permite realizar um juízo sobre aquilo que a entidade administrativa considerou como essencial e necessário para obter uma decisão sendo que tudo o que não concretizou como imputado e provado tem que se ter como não provado e irrelevante para a decisão tomada. Tenha-se em consideração que o próprio art. 58º, nº 1do RGCO não exige que tal concretização dos factos dado como não provados conste da decisão, bastando-se com a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas. Lendo a decisão administrativa, no seu ponto n.º 8 dos factos provados, encontra-se identificada a componente subjectiva da conduta imputada á recorrente como constituindo a prática de uma contra-ordenação. Aliado á descrição efectuada, na fundamentação da decisão aborda-se ainda o lado da conduta daquela na perspectiva do que deveria ter feito, no que lhe era exigível fazer e não fez...

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