Acórdão nº 806/21.7T9PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2022
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 17 de Março de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO Por decisão de 20 de Julho de 2019 [por competência delegada do Presidente da ANSR], da Chefe de Divisão de Processamento de Contra-Ordenações e Apoio ao Cidadão, da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, do Ministério da Administração Interna, o arguido AA, com os demais sinais nos autos, foi condenado, pela prática de uma contra-ordenação rodoviária muito grave, p. e p. pelos arts. 27º, nºs 1 e 2, a), 3, 136º, 138º, e 146º, i) e 147º, todos do C. da Estrada, na sanção acessória, especialmente atenuada, de inibição de conduzir, pelo período de trinta dias. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial que, por despacho de 8 de Novembro de 2021 [proferido pela Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal de Pombal – Juiz 2], foi julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão administrativa impugnada.
* De novo inconformado com a decisão, recorreu o arguido para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: a. O presente procedimento contraordenacional encontra-se prescrito, conforme demonstrado nos pontos 21. a 55. das Alegações.
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Nos termos que se logrou demonstrar nos pontos referenciados no parágrafo precedente, o presente processo contraordenacional prescreveu em 07 de outubro de 2021.
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É assim, pois, contrariamente ao considerado pelo Tribunal “a quo”, não se aplica qualquer das causas da suspensão da prescrição previstas no art.º 27.º-A do RGCO.
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Não se pode aceitar, como considerado pelo Tribunal “a quo”, que se tenha verificado a causa de suspensão prevista na al. c) do art.º 27-A.º do RGCO, uma vez que, aquando da apresentação da impugnação judicial da decisão administrativa perante o Tribunal “a quo”, havia já decorrido o prazo ordinário de prescrição (2 anos) – 188.º, nº 1 do CE – acrescido de metade (1 ano) – art.º 28.º, nº 3 do RGCO.
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Esclareça-se, os factos em causa nos presentes autos suscetíveis de integrar a prática de contraordenação, ocorreram em 07 de outubro de 2018, sendo dessa data que se deve contar o prazo de prescrição e não a data da notificação da decisão administrativa ao arguido – 19.08.2019 – como parece considerar a decisão “a quo”.
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Não tem lugar, nos presentes autos, a aplicação de qualquer outra causa de suspensão do prazo de prescrição.
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Não têm, in casu, aplicação os prazos de suspensão previstos pela legislação especial atinente ao impacto do Covid 19, prevista no art.º 7.º, nº 3 e 9 al. b) da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, como pretendido pelo Tribunal “a quo”.
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Esta solução é a que resulta dos elementares princípios da segurança e confiança jurídicas ínsitos ao Princípio de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da CRP, que impede a aplicação retroativa de novas causas de suspensão da prescrição, que implicam alargamento do prazo prescricional.
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Ao que acresce a circunstância de a proibição da aplicação retroativa de novas causas de suspensão da prescrição violaria também o princípio da proibição da aplicação retroativa menos favorável da lei sancionatória ou punitiva, uma vez que, o facto de a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, estabelecer uma nova causa de suspensão dos prazos de prescrição em curso revela-se desfavorável ao arguido, na medida em que este vê aumentados os prazos de prescrição do facto ilícito que praticou em momento anterior ao início da sua vigência.
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Esta regra da proibição da aplicação retroativa da lei desfavorável ao arguido, é transponível e aplicável ao processo contraordenacional.
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Assim, o regime estabelecido pelo artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, está limitado pelo princípio da não aplicação retroativa da lei desfavorável ao arguido em processo contraordenacional, previsto no artigo 3.º, n.º 1, do RGCO.
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A proibição da aplicação retroativa da lei contraordenacional não está associada a razões ou problemas de saúde pública ou dificuldades de investigação e estas razões não podem ser usadas para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei em matéria contraordenacional.
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No caso dos processos contraordenacionais iniciados antes da vigência da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, a suspensão da prescrição não pode ser justificada por maiores ou menores dificuldades de investigação ou realização de atos processuais, na medida em que tal é indiferente ao juízo de censurabilidade e de punibilidade que deve ser exercido sobre a conduta do agente.
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Mais se diga que, a ratio da norma estabelecida no art.º 7.º, nº 3 da Lei 1-A/2020, sempre foi a de permitir ao cidadão comum a prática dos atos sem que a situação pandémica vivenciada o impossibilitasse de tal, atentas as restrições de circulação e acesso aos serviços, tendo, portanto, como destinatários, os cidadãos comuns e não os órgãos da justiça ou entidades administrativas com poder sancionatório, pois, esses sempre dispuseram de meios para a tramitação dos respetivos processos, prova do mesmo é a circunstância de sempre terem sido proferidas decisões por tais órgãos.
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Por todo o exposto, e, como demonstrado, não é aplicável no caso dos presentes autos qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição.
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Devendo em consequência, ser declarada a prescrição e arquivados os presentes autos de contraordenação.
(…) * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
* * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [doravante, RGCOC], atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A prescrição do procedimento por contra-ordenação; (…) * Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão recorrida. Assim:
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Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).
2.1.1. No dia 07 de outubro de 2018, pelas 11h07m, na ..., sentido ..., ao KM 145 em ..., ..., o arguido AA seguia aos comandos do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (…) a uma velocidade de, pelo menos, 183 Km/h (deduzido o erro máximo admissível que no caso é de 10 Km/h), num local que tinha como limite de velocidade 120 Km/h.
2.1.2. Revelando o arguido desatenção e uma irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, no que concerne aos limites de velocidade, ao exercer aquela condução nos apontados termos, com manifesta falta de cuidado e de prudência, ainda que não se haja conformado com o resultado, sabendo que se tratava de um comportamento que lhe estava legalmente vedado.
2.1.3. O registo daquela velocidade foi obtido através do Radar Fotográfico Multanova MUVR-6FD n.º 2627, aprovado pela ANSR através do Despacho n.º 1863/2014 de 02.01, e certificado pelo IPQ através do despacho de provação n.º 111.20.12.309 de 31 de maio de 2012.
2.1.4. Equipamento que havia sido sujeito a verificação ordinária pelo IPQ a 26.06.2018.
2.1.5. Tendo o certificado operador daquele radar o GP n.º 2020581.
2.1.6.O arguido liquidou a quantia de 300,00 € a título de depósito.
2.1.7. O arguido não tem averbado no seu RIC qualquer condenação conhecida à data.
(…)”.
B) Dela consta a seguinte fundamentação quanto à prescrição do procedimento: “(…).
Veio o arguido invocar após a distribuição do processo (15.10.2021) que o procedimento contraordenacional se mostrava prescrito pelo decurso de mais de dois anos sobre a prática dos factos (07.10.2018) aqui sancionados, acrescido de um ano a que alude o art. 28.º n.º 3 do RGCO, por remissão do art. 188.º n.º 2 do Código da Estrada. Vejamos! O arguido foi condenado por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária datada de 20 de julho de 2019 pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo artigo 27.º n.º 1, 2 al. a), e 3 do Decreto-lei n.º 22-A/98, de 01.10 – doravante Código da Estrada – e 136.º, 138.º, e 146.º al. i) e 147º, do mesmo diploma legal, além do mais, numa sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente atenuada, pelo período de 30 dias.
Considerando a natureza do ato e infração imputada ao arguido trata-se de um facto ilícito [infração estradal] e censurável [atuação negligente] que preenche um tipo legal correspondente à violação de uma disposição legal relativa à circulação automóvel [citada contraordenação prevista e punida pelo artigo 27.º n.º 1, 2 al. a), e 3; 136.º, 138.º, e 146.º al. i) e 147º, do Código da Estrada], que será regulada pelo disposto nessa mesma Lei [Código da estrada] e subsidiariamente pelo (RGCO) regime geral das contraordenações [cfr. art. 132.º do RGCO e 188.º n.º 2 do CE].
Ora, o prazo de prescrição convocável neste caso é de dois anos [de acordo com o art. 188.º n.º 1 do CE] o que bastaria para que, em abstrato, os factos imputados ao arguido e praticados a 07.10.2018 se mostrassem prescritos (cfr. auto de noticia onde assenta decisão administrativa impugnada). Mas tal ocorreria só à míngua da desconsideração de eventuais causas de interrupção ou de suspensão da contagem de um tal prazo de prescrição do procedimento.
Deve, de seguida, analisar-se as ocorrências de causas suspensões ou interrupções do prazo de prescrição previstas nos artigos 27º-A e 28º do...
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