Acórdão nº 374/17.4T8FAR.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. Radical Red Holdings, LLC e AA (AA) intentaram a presente ação declarativa, sob a forma do processo comum, contra BB (R), pedindo: - seja declarada a caducidade da providência decretada no processo n.° 789/16…, que correu termos na Comarca ... - ... - Instância Local – Secção Cível- J…; - seja ordenado o levantamento da suspensão da obra decretada na providência cautelar e, consequentemente, a não proceder à reconstrução das paredes e do telhado nos precisos termos em que se encontravam antes do início dos trabalhos de demolição; - o não reconhecimento da ré como dona e legítima proprietária do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de morada de um pavimento com três divisões assoalhadas, cozinha e casa de banho, com a área total de 517m2, correspondendo a 126m2 à área coberta e 390,90m2 à área descoberta, confrontando do Norte com lote …, do Sul com lotes .. e …, Nascente com CC e do Poente com rua, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ….67 (anteriormente inscrito sob o artigo ….11, da freguesia de ..., concelho de ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° …22, adquirido por usucapião, no que se refere à configuração e limites; - se reconheça que a autora é dona e única proprietária e possuidora, com exclusão de outrem dos bens imóveis adquiridos nos termos do disposto no art.° 874.° e seguintes do Código Civil: - Prédio urbano, lote de terreno destinado a construção urbana, sito em ..., ..., denominado lote …, freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo …,17 descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° …93, da freguesia ..., Alvará de Loteamento de 30 de agosto de 2000; - Prédio urbano, lote de terreno destinado a construção urbana, sito em ..., ..., denominado lote …, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo …18, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° …94, da freguesia ..., Alvará de Loteamento de 30 de agosto de 2000; e que - a ré seja condenada a abster-se de praticar quaisquer atos contra as propriedades da A supra descritas, com as devidas consequências legais.

Alegam, para tanto e em síntese, que no âmbito do referido procedimento cautelar foi reconhecido o direito de propriedade da ré sobre o prédio urbano descrito sob o n.° …, determinando-se a suspensão imediata da obra que levavam a efeito nos prédios que adquiriram no âmbito de processo de insolvência, bem como a reconstrução das paredes e telhado nos termos em que se encontravam antes dos trabalhos de demolição, decretando-se a inversão do contencioso, não pretendendo os autores que a decisão proferida se consolide como composição definitiva do litígio, na medida em que entendem não existir o direito de propriedade da ré sobre o identificado prédio urbano.

  1. A ré contestou, alegando a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o referido prédio urbano e concluindo pela manutenção da providência decretada.

  2. Na sua resposta, os autores pugnaram pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

  3. Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi declarada a inexistência de pedido reconvencional, considerando-se não escrita a resposta dos autores, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido objeto de reclamação.

  4. Foram habilitados como adquirentes do direito de propriedade da autora DD e EE.

  5. Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a R do pedido.

  6. Inconformados com a sentença, os autores dela apelaram, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão que anulou a sentença e parcialmente o julgamento, ordenando que fosse completada a perícia para suprimento e apuramento de elementos, proferindo-se nova sentença.

  7. Após a realização da perícia, vieram DD e EE com articulado autónomo pronunciar-se sobre a perícia, invocar a incompetência absoluta em razão da matéria e a ilegitimidade passiva dos requeridos no procedimento cautelar e autores nestes autos.

  8. A ré respondeu, pugnando pelo indeferimento do requerido.

  9. Em audiência final foi proferido o seguinte despacho: "Requerimentos de fls. 657 e seguintes:- Toda a defesa deverá ser deduzida na Contestação - Art. 573° n° 1 do c.r.c: Apenas pode ser deduzida excepção superveniente, nos termos do disposto no Art. 573, n° 2 do CPC; ou quando a lei expressamente o admite, ou o Tribunal deva conhecer oficiosamente.- O tribunal já declarou a sua competência material para a apreciação do litígio, o que mantém, mormente porque se discute a propriedade de determinados prédios, vindo a ser intentada esta acção na sequência do procedimento Cautelar, intentado pela aqui Ré, e no qual o Tribunal da Relação de Évora decidiu pela inversão do contencioso.- Por outro lado, as Partes são legítimas, como também o Tribunal já apreciou, atento o pedido e a causa de pedir dos presentes autos, sendo apenas quanto a estes que haverá que apreciar e decidir tal pressuposto processual, e não já do procedimento Cautelar que anteriormente foi interposto.- Por último, a questão suscitada pelos Requerentes/Autores prende-se com o mérito da causa, que será apreciado em sede de Sentença. Notifique." 11. Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré dos pedidos.

  10. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão proferido em 29.04.2021, julgou improcedente o recurso de apelação interposto e manteve a sentença recorrida.

  11. Inconformados com este acórdão, os autores dele interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I. Não se conformam os Recorrentes com o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Relação, que considera competente o tribunal judicial comum para apreciação da causa, ao abrigo do disposto no art.º 64.º do CPC e art.º 4.º do ETAF.

    1. A competência do tribunal, em razão da matéria, afere-se em função do objeto do processo, delimitado pela causa de pedir e pelo pedido, nos termos conformados pelo autor.

    2. Para aferir a competência material, importa considerar os termos em que foi proposta a ação, nomeadamente, a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária e o facto ou ato donde resulta esse direito.

    3. Em sede de audiência prévia foi definido o seguinte objeto do litígio “discute-se na acção aferir da existência do direito de propriedade da ré acautelado no âmbito do procedimento cautelar nº 789/16… que correu termos no … juízo local cível do Tribunal da Comarca …..” V. Como fundamento do seu pedido, alegam os ora Recorrentes, na Petição Inicial, que a propriedade dos dois lotes em causa, denominados lote … e lote …, têm origem no Alvará de Loteamento 5… datado de30-08-2000, emitido pela Câmara Municipal ....

    4. Alegou a Recorrida no Procedimento Cautelar e nos presentes autos, que por lapso ou má-fé, o seu imóvel foi indevidamente englobado na área do loteamento aprovado pelo alvará n.º 5… de 30-08-2000.

    5. No mesmo sentido, no Relatório de Perícia, a senhora perita conclui que o prédio da Recorrida está inserido nos Lotes … e … do Alvará de Loteamento 5..., emitido pela Câmara Municipal …..., em 30 de agosto de 2020.

    6. Face à identificação do objeto do litígio, à relação jurídica e situação factual descrita na petição inicial e às conclusões da senhora perita constantes dos Relatórios de Perícia e de Esclarecimentos de Perícia, conclui-se forçosamente que o ato que alegadamente põe em causa o direito da mesma é um ato administrativo.

    7. Discordando os Recorrentes do entendimento defendido pelo Venerando Tribunal, de acordo com o qual, o alvará de licença de loteamento não tem a virtualidade de criar ou suprimir direitos, uma vez que, foi através do referido alvará que forma criados os lotes adquiridos pelos Recorrentes, nos quais, de acordo com o alegado pela Recorrida, se encontra englobado o prédio cuja propriedade a mesma reclama nos presentes autos.

    8. Os prédios adquiridos pelos Recorrentes encontram-se inseridos num loteamento urbano titulado pelo alvará n.º 5..., emitido pela Câmara Municipal ......

    9. A constituição destes lotes e os correspondentes direitos sobre os mesmos adquiridos só poderiam ser anulados por meio de prévia revogação do alvará de loteamento ou pela anulação de tal ato administrativo.

    10. Na eventualidade de se considerar que o ato de licenciamento se encontrava eivado de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, o mesmo estaria sujeito ao regime da revogação previsto no n.° 1 do artigo 141.° do Código do Procedimento Administrativo então em vigor, aprovado pelo Decrelo-Lei n.° 442/91, de 15 de novembro, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 6/96, de 31 de janeiro.

    11. O ato pretensamente lesivo dos interesses da Recorrida é um ato administrativo e, consequentemente, deveria ter sido impugnado judicialmente, dentro do prazo legal, no Tribunal Administrativo competente, nos termos do disposto no art.º 4.º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

    12. Sendo que a Recorrida nunca intentou qualquer ação nos tribunais administrativos para anulação do alvará de loteamento nem o poderá ora fazer, atento o prazo de caducidade já decorrido.

    13. Na ordem jurídica interna, diz-nos o art. 60.º, n.º 2, do CPC, que a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, a hierarquia judiciária, o valor da causa, e o território.

    14. Nos termos do disposto nos artigos 96.º n.º 1 do CPC, os tribunais judiciais são totalmente incompetentes em razão de matéria do foro administrativo.

    15. Constituindo a incompetência absoluta do Tribunal em função da matéria uma...

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