Acórdão nº 1/20.2F1PDL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GONÇALVES (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução27 de Agosto de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda: I. RELATÓRIO: a) a condenação: No Juízo Central Cível e Criminal ..... - Juiz .., mediante acusação do Ministério Publico, imputando-lhe a coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos arts. 21º n.º 1 e 24º al.ªs b) e c) do DL n.º 15/93 de 22/01, com referência às tabelas I -A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal, foi a arguida (e outros): - AA, de 34 anos e os demais sinais dos autos, julgada e, por acórdão de 29 de janeiro de 2021: - absolvida do crime de tráfico agravado; - condenada pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL n.º 15/93, de 22 janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão, O Tribunal coletivo decretou a perda em favor do Estado do numerário, da mala de porão, da mala pessoal e dos telemóveis, bem como a perda e destruição dos estupefacientes apreendidos.

  1. o recurso: A arguida, inconformada, recorre perante o Supremo Tribunal de Justiça.

    Remata a alegação com as seguintes conclusões: 1.

    Nulidade de excesso de pronúncia: foi cometida no recorrido acórdão a nulidade, tipificada no art. 379.º n.º 1 alínea c) do CPP.

  2. em várias passagens, especificadas na motivação a pág. 2 a 5, a decisão recorrida enumera situações que se não relacionam com os factos provados, fazendo conjetura sobre provável viagem efetuada pela arguida a 9/09/2019, fazendo alusão à natureza de um determinado bilhete de avião “possivelmente relacionado com o regresso”, viagem não efetuada pela arguida, 3. Aludindo ao facto de a arguida se encontrar profissional e familiarmente desinserida, que “a relação de tipo conjugal com o companheiro não se mostrou suficientemente forte para mantê-la afastada do mundo da droga”, que a colaboração da arguida foi cirúrgica, omitindo deliberadamente factos (que o acórdão não concretiza), e que não alcançou qualquer resultado prático expressivo para além daquele que “a arguida poderá ter equacionado como vantajoso”, o que traduz mera conjetura.

  3. Nulidade da busca efetuada ao telemóvel da arguida: – meio de prova enganoso art.º 126.º n.º 2 alínea a) “in fine” do CPP – Violação do art.º 174.º n.º 6 do CPP – Violação do art.º 16.º n.º 4 da Lei 109/2009. Não foi cumprida a obrigação da validação da busca feita ao telemóvel da arguida, uma vez que validada não foi pelo Juiz de Instrução, como manda o disposto no art.º 174.º n.º 6 do CPP.

  4. Que seria exigível atento o constante do art.º 16.º n.º 4 na Lei 109/2009. Foi por isso cometida a nulidade insanável e insuprível, - por violação do citado art.º 174.º n.º 6 do CPP e ainda por cair no capítulo das chamadas “provas proibidas” (elencadas no art.º 126.º CPP) escapando ao “catálogo” das predeterminadas nulidades expressamente previstas nos art.º 119.º e 120.º do mesmo diploma legal.

  5. Ao efetuar a busca ao telemóvel da arguida e ao não comunicá-la ao JIC, o OPC atuou de modo enganoso, “esquecendo” uma obrigação tendente à validação da busca o que constitui prova proibida prevista no art.º 126.º n.º 2 a) “in fine” do CPP.

  6. Sendo declarada nula a apontada busca, as provas através desta obtidas não têm qualquer valor (art.º 122.º n.º 1 do CPP).

  7. O douto acórdão deveria ter interpretado a norma constante do mencionado art.º 174.º n.º 6 do CPP em conjunção com o disposto no art.º 16.º n.º 4 da Lei 109/2009 no sentido de não aceitar tal prova desse modo obtida por ser, também ela, nula.

  8. Da medida da pena - Violação do art.º 40.º n.º 2 e art.º 71.º 1 e 2 do CP: A pena aplicada à recorrente mostra-se, pelas razões especificadas na Motivação e os considerandos “supra” aduzidos, excessiva e desconforme ultrapassando a medida da culpa – em violação do disposto no art.º 40.º n.º 2 do Código Penal, limite inultrapassável para qualquer condenação em matéria criminal, pelo que a instância violou, por erro interpretativo, o disposto nos arts.º 40.º n.º 2 e 71.º n.º 1 e 2 do CP.

  9. Violação do art.º 31.º do DL 15/93 de 22 janeiro O comportamento processual da recorrente – “maxime” a sua postura no decurso dos autos, com especial relevância para a confissão abrangente (a ponto de outras pessoas virem a ser detidas, constituídas arguidos e alvo de prisão preventiva), aliada ao sincero arrependimento manifestado nas declarações lidas em audiência – imporia considerar-se como “arrependida” capaz de beneficiar da norma do art.º 31.º da Lei da Droga.

  10. este preceito prevê comportamentos semelhantes aos mantidos pela recorrente.

  11. A sua vontade de colaborar com a Justiça traduziu-se na revelação de nomes, identidades concretas e reais, situações e, até, reconhecimento de residências.

  12. auxiliou as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis” precisamente uma das exigências contidas no referido art.º 31.º da Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

  13. Ao não incluir a colaboração da arguida na invocada previsão, o acórdão violou, por erro de interpretação, o citado normativo.

  14. Deveria o douto acórdão considerar a colaboração como reunindo os pressupostos de aplicação do citado art.º 31.º da Lei da Droga, condenando-se a arguida em pena de prisão especialmente atenuada e não excedendo 3 anos de prisão.

  15. num caso da dimensão humana deste jaez, mesmo que não existisse a norma do art.º 31.º Da Lei da Droga, ainda assim a arguida deveria beneficiar do regime de atenuação especial da pena, nos termos do disposto no art.º 72.º n.º 1 do CP.

  16. Da suspensão da pena de prisão: na determinação/gradação da medida da pena, deve o Tribunal atender à conduta anterior do agente. No caso concreto, a arguida, apesar de consumidora de drogas duras, sempre se manteve fiel ao Direito, até ao cometimento do apontado tráfico, sendo isenta de condenações criminais anteriores.

  17. o instituto de suspensão se perfila como “um poder/dever” do julgador, de indagar da possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável para o futuro daquele que delinquiu.

  18. Como entende a Jurisprudência, a suspensão da execução da pena de prisão não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e reeducativa, com vista à realização das finalidades da punição, isto é, da proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º n.º 1 do Código Penal).

  19. A arguida não tem antecedente penais ou processuais criminais pendentes. O que deve significar que este terá sido um acto esporádico no seu percurso de vida.

  20. “In casu”, a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro da arguida resulta da sua conduta anterior e as provações porque tem passado. A censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão se mostrariam suficientes para afastá-la da criminalidade.

  21. “a capacidade de do arguido se ressocializar em liberdade” é quase um pressuposto na filosofia do nosso Direito Penal, onde a matriz cristã impera e onde a reintegração do agente na sociedade é ela própria, elemento preponderante dos fins das penas.

  22. Ao condenar a recorrente em pesada pena de prisão, o recorrido acórdão violou, por erro de interpretação, quer o disposto no art.º 40.º n.º 2 e 71º n.º 1 e 2 do CP, quer o disposto no art.º 31.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, quer ainda o disposto no art.º 50.º n.º 1 e 53.º (Regime de Prova) – do Código Penal.

    Peticiona a redução da pena, pretendendo ser condenada em 3 anos de prisão com execução suspensa.

  23. resposta do Ministério Público: O Procurador da República no tribunal recorrido respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso e a confirmação da condenação.

  24. parecer do Ministério Público: O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pronuncia-se, doutamente, pela improcedência do recurso, argumentando (em síntese): A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, ocorre quando o tribunal se debruça sobre questão de que não podia conhecer («ne procedat judex ex officio»).

    O tribunal, deve emitir pronúncia sobre todos as questões relevantes, compreendidas no objecto do processo, que constem da acusação/pronúncia, contestação, e bem assim resultantes da discussão contraditória da causa.

    A leitura do narrado no ponto 9, da acusação pública, permite verificar qua aí se indicam pelo menos doze viagens efectuadas pela recorrente AA, desde data não apurada do ano de 2017 a 1 de Fevereiro de 2020, realizadas entre ….. e ............, pelo que, a não pronúncia sobre as mesmas é que constituiria um vício da sentença, o de omissão de pronúncia, com assento no art.º 379º, n º 1, alínea c) primeira parte, do Código de Processo Penal.

    Como resulta do acórdão, foram apreendidos à recorrente à chegada em 2 de Fevereiro de 2020, ao aeroporto …, em ......., três telemóveis. Como a própria reconhece na motivação, as pesquisas de que resultaram as apreensões (prova digital) foram antecedidas do seu consentimento voluntário, prestado à PJ (de resto, quer nos documentos referidos no despacho de aplicação de medida de coacção, datado de 3 de Fevereiro de 2020, onde consta a referência a «termos de consentimento de fls.7e 9», quer na acusação pública, na indicação da prova, sob E) - prova documental.

    Temos assim, que é ponto assente que pesquisa e apreensão de dados informáticos dos telemóveis da recorrente, foi feita com o consentimento voluntário e expresso, reduzido a escrito, daquela que era a titular do seu conteúdo.

    Acresce que nos termos do n º 3, alínea a), do art.º 15º, n º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), era lícito à Polícia Judiciária, independentemente, de prévia autorização de autoridade judiciária, para tal, proceder à pesquisa de dados informáticos.

    In casu tais dados eram constituídos por (vídeos, fotografias, chat no Facebook e SMS) inscritos e operando através de sistema informático, pertencentes à arguida/recorrente.

    No domínio da prova digital, a coexistência do CPP, da Lei n º 32/2008, de 17 de Julho, e da Lei n º 109/2009, de 15 de Setembro, com origem na transposição da...

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