Acórdão nº 813/22.2JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJÚLIO PINTO
Data da Resolução15 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de Tribunal Coletivo, com o NUIPC 813/22...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Criminal – Juiz ..., o arguido AA estava acusado da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, alíneas b), e) e j) Cód. Penal1, e art. 86.º, n.º 3 e n.º 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (RJAM), e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 3.º, n.º 2, ab) e 86.º, n.º 1, d), do RJAM.

O Ministério Público requereu o arbitramento de indemnização a favor dos filhos de BB.

CC, DD e EE, na qualidade de filhos da vítima, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, por danos não patrimoniais, no valor de € 210.000,00.

*Realizado o julgamento, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: “(…) Pelo exposto, os juízes que compõem este tribunal colectivo julgam a acusação procedente por provada e, em consequência: - condenam o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2, b), Cód. Penal, e 86.º, n.º 3 e n.º 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, condenam o mesmo arguido na pena única e efectiva de 19 (dezanove) anos e 2 (dois) meses de prisão; - determinam a recolha de ADN do arguido AA, a fim de o seu perfil integrar a base de dados prevista na Lei n.º 5/2008, de 2 de Fevereiro; - mais condenam o arguido nas custas da parte crime, com 4 UC de taxa de justiça; - determinam o cumprimento do art. 186.º, n.º 3, Código de Processo Penal, nas pessoas dos demandantes, quanto ao telemóvel “...” apreendido nos autos; - julgam o pedido de indemnização civil parcialmente procedente por provado e, em consequência, condenam AA a pagar aos demandantes CC, DD e EE a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

As custas do pedido de indemnização civil ficarão a cargo de demandado e demandantes, na proporção do respectivo decaimento.

Nos termos do art. 213.º, n.º 1, b), Cód. Proc. Penal, por se mostrarem inalteráveis – e até reforçados pelo teor do presente acórdão – os pressupostos de facto e de direito que deram lugar à aplicação da medida de prisão preventiva ao arguido, determina-se, sem necessidade de audição deste, que o mesmo continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos a tal medida (art. 215.º, n.º 1, d), e n.º 2, Cód. Proc. Penal).

Recolha o arguido ao estabelecimento prisional.

Boletins à Identificação Criminal.

Notifique, deposite e, após trânsito, envie cópia à DGRSP.” *2.

Não se conformando com essa condenação, o arguido recorreu do acórdão, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: “(…) «CONCLUSÕES: DAS CONCLUSÕES: 1. O arguido vinha acusado, pelo Ministério Público, da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e) e j) do Código Penal (doravante designado por CP) e artigo 86º, n.º 3 e n.º 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e ainda, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 3º n.º 2 ab) e artigo 86º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

  1. O presente recurso tem por objeto o acórdão condenatório proferido em 04/01/2023, que o condenou pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do CP e artigo 86º, n.º 3 e n.º 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de (19) dezanove anos de prisão; e ainda, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, condenam o mesmo arguido na pena única e efetiva de 19 (dezanove) anos e 2 (dois) meses de prisão.

  2. Não se podendo conformar nem compadecer com tal Acórdão, é sobre este que recai o presente recurso, pois, com o devido respeito que é muito, entende o Arguido que, compulsados os autos, e face à análise de todos os factos e provas (ou ausência destas) constantes dos mesmos, o Digníssimo Tribunal a quo, deu como provados determinados factos, incorretamente, e não deu como provados outros, como se lhe impunha, bem como não interpretou e aplicou acertadamente o Direito.

  3. A decisão recorrida não se harmoniza com os factos apurados e o direito a estes aplicável.

  4. A prova correspondente às imagens de videovigilância que se encontram no DVD junto aos autos correspondentes ao auto de transcrição a fls. 268 a 275, e outras subsequentes a esta são prova inválida, proibida, e que o tribunal não podia ter tomado em consideração para o efeito de condenação.

  5. É prova que foi carreada para o processo como reprodução mecânica via armazenamento em cartão de memória.

  6. O artigo 167º do CPP, refere que: “1- As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas SE NÃO FOREM ILÍCITAS, nos termos da lei penal.

    2- Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título iii deste livro.” – sublinhado e negrito nosso.

  7. As provas que não obedecerem ao disposto no título III daquele livro, consideram-se ilícitas.

  8. À prova em causa é-lhe obrigatoriamente aplicável o disposto nos artigos 178º e seguintes do CPP, isto é, com referência às apreensões, na medida em que, para a referida prova ser carreada para os autos era necessário que fosse validamente obtida, neste caso, mediante a referida apreensão.

  9. O artigo 178º n.º 1 do CPP que: “1- São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e, bem assim todos os animais, coisas e os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova. (…) 3- As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária. (…)”.

  10. Os OPC devem elaborar um Auto de Apreensão que deve ser assinado pelo OPC e pelo detentor dos objetos apreendidos.

  11. No caso em concreto, o OPC solicitou ao possuidor que fizesse chegar ao processo os dados informáticos, o que o fez corporizados em reproduções mecânicas, através de um cartão de memória.

  12. Em sede de Inquérito, no dia 24-03-2022, foi inquirido DD, filho da vítima, enquanto testemunha no Processo, conforme fls. 222 e seguintes, e, após lhe ter sido solicitado, forneceu à Polícia Judiciária do Departamento de Investigação de ... um cartão de memória do sistema de videovigilância que estava instalado na porta de entrada da habitação de BB, na Rua ..., Lugar ... – Freguesia ... – ....

  13. Como consta do Auto de Inquirição a fls. 222 e ss., parágrafo 48: “Por lhe ter sido solicitado, o depoente entrega neste ato o cartão de memória do referido sistema de videovigilância, da marca ..., com capacidade para 32GB, pois pode conter informação relevante para o processo.” – negrito e sublinhado nosso.

  14. Aplica-se o regime geral da admissibilidade previsto nos artigos 164º e seguintes do CPP.

  15. A prova em causa foi carreada para o processo através de OPC, que interveio na recolha dessa prova, mediante a sua solicitação ao seu possuidor, pelo que, estava obrigado a proceder à respetiva apreensão, sob pena de invalidade processual da mesma, nos termos supramencionados.

  16. Falta-lhe o pressuposto da sua licitude, nos termos do n.º 2 do artigo 167º do CPP, à contrário.

  17. A prova em causa foi operada pela via da solicitação/injunção, não existiu voluntariamente uma disponibilização, mas sim, foi fornecida mediante uma ordem.

  18. Não tendo sido apreendida, a obtenção da referida prova por reprodução mecânica não cumpriu os requisitos de licitude exigidos pelo artigo 167º do CPP, e, em consequência, como a própria lei culmina, não podem ser valoradas como prova.

  19. O Acórdão recorrido conheceu de questões que não podia ter conhecido, em violação da al. c) do n.º 1 do artigo 379º do CPP.

  20. Não pode ser tida em consideração os pontos de facto dados como provados e a fundamentação que se baseou na referida prova: Pontos de facto: 6- Na parte em que refere “ (…) após deixar a bicicleta em sítio por forma a não ser captado pelo sistema de videovigilância (…)”; 10- Na parte em que refere “(…) enquanto aguardou, o arguido entrou na habitação de BB, tirou duas cervejas “...” do frigorífico da cozinha e bebeu-as, deixando as garrafas vazias em cima do depósito das botijas de gás junto à porta de entrada da habitação.” Fundamentação - “O período de tempo decorrido – de pelo menos 7 minutos, conforme registo de imagens (dois primeiros vídeos de fls. 268, que não permitem concluir pelos 20 minutos alegados no pedido de indemnização civil) – entre os primeiros gritos de BB, pedindo “socorro” (gritos que o arguido confirmou), e o momento em que esses gritos se deixam de ouvir (sinal de perda de consciência ou morte), período que, fosse outro o seu desígnio, permitiria ao arguido cessar a sua conduta, em vez de nela persistir”; - “a descontração, à-vontade e total desassombro demonstrados pelo arguido no comportamento imediatamente posterior aos factos (conforme supra referido em 10)., (…), afirmando até “então hoje decidi, vim cá matá-la eu” (fls 270) -, com a testemunha FF (que confirmou a existência da chamada, audível nos registos da câmara de vigilância de casa de BB e transcrita a fls. 270/271, onde o arguido se preocupa com o destino do seu gato e de ter cigarros na cadeia, se refere a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT