Acórdão nº 121/13.0TELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO GUERRA
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº. 121/13.0TELSB.L1.S1 Recurso Penal Acordam em conferência na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório: 1.

Por despacho de acusação de 14.7.2017, contra vários arguidos, o Ministério Público imputou ao o arguido, ora recorrente AA, a autoria de um crime de corrupção activa com prejuízo do comércio internacional previsto e punido pelo artigo 7.º da Lei 20/2008, de 21 de Abril, um crime de falsificação de documentos na forma continuada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 255.º, alínea a), e 256.º n.º 1, alíneas a) e d), e 32.º, n.º 2, do Código Penal (CP) ), um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 a 3, do CP.

  1. Por decisão instrutória de 23.4.2018, pelo Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferido despacho de não-pronúncia do arguido (e dos demais arguidos nos autos), concluindo, depois de elencar os factos que considerou não indiciados, decidiu nos seguintes termos: “Nesta conformidade, conclui-se pela não verificação de indícios suficientes nos autos para submeter os arguidos a julgamento pelos factos que lhes foram imputados na acusação, razão pela qual se profere despacho de não pronúncia e consequente arquivamento dos autos quanto aos arguidos AA (…)”.

  2. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo nos seguintes termos: “Por todo o exposto, a decisão instrutória adequada seria a pronúncia quase nos precisos termos da acusação, pelos factos que são indicados expressamente nas presentes alegações de recurso, tal como a imputação jurídica e a prova indiciária que sustenta os factos.

    Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja a decisão instrutória de fls. 5108 a 5306 revogada, proferindo-se em sua substituição uma nova decisão instrutória (art. 307º nº 1 do CPP) de sentido oposto – decisão de pronúncia de todos os arguidos – nos precisos termos em que se alude nas presentes alegações de recurso, nomeadamente considerando-se os factos e a prova acima evocados”.

  3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 9.7.2020, concedeu provimento ao recurso do Ministério Público, decidindo nos seguintes termos: “Portanto, temos que revogar a decisão recorrida e pronunciar os arguidos pelos factos e crimes imputados na acusação, embora com essa alteração de qualificação jurídica.

    1. Por decaírem totalmente no recurso, os arguidos devem suportar as custas do processo, com a taxa de justiça fixada em 6 UCs, tendo em conta a complexidade do caso e os limites fixados na tabela III, nos termos dos artigos 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e 513.º, n.º 1, do CPP.

    2. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade, a) Julgar procedente o recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO; b) Revogar a decisão recorrida; e c) Pronunciar os arguidos pelos factos imputados na acusação, sendo i. AA como autor de um crime de corrupção activa com prejuízo do comércio internacional previsto e punido pelo artigo 7.º da Lei 20/2008, de 21 de Abril, um crime de falsificação de documentos na forma continuada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 255.º, alínea a), e 256.º n.º 1, alíneas a) e d), e 32.º, n.º 2, do Código Penal (CP), e um crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 a 3, do CP, (…)”.

  4. Inconformado com este acórdão reagiu o recorrente pela seguinte forma: “O ora requerente apresentou a 31.8.2020”, perante o Tribunal da Relação “um pedido de aclaração sobre o Acórdão proferido, mormente no intuito de esclarecer se o pronuncia nos termos da Acusação pública ou nos termos do Recurso do Ministério Público interposto da decisão de não-pronúncia do Tribunal de Primeira Instância”.

    Cautelarmente, em 7.9.2020, o ora recorrente “arguiu perante o mesmo Tribunal as invalidades respeitantes à sua pronúncia, seja nos termos da Acusação ou do Recurso”.

    Por conseguinte, “sem prejuízo daquela aclaração e da apreciação das invalidades serem pedidos prejudiciais e de apreciação metodologicamente anterior”, o ora requerente, “também por cautela de patrocínio”, apresentou recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em 28.9.2020, “salvaguardando-se, no entanto, o direito de vir a apresentar novo Recurso” para este Tribunal, caso o Tribunal da Relação viesse a aclarar ou promover “novas alterações relevantes ao Acórdão agora em causa”.

  5. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 1.10.2020, pronunciou-se sobre as questões que o recorrente pretendeu ver aclaradas e rejeitou as nulidades arguidas, mantendo a sua decisão do acórdão anterior pela seguinte forma: “III. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade, indeferir os requerimentos apresentados por AA, (…)”.

  6. Inconformado com este acórdão reagiu o recorrente interpondo recurso para este Tribunal porquanto, salvaguardou expressamente a possibilidade de vir a apresentar novo recurso na eventualidade de vir, entretanto, a ser decidido o pedido de aclaração que apresentara a 31.08.2020, do acórdão de 9.7.2020. E uma vez que, nessa sequência, foi proferido o acórdão 1.10.2020, sobre aquele pedido de aclaração, o que “permitiu melhor esclarecer os termos em que fora pronunciado, vem agora apresentar novo recurso sobre essa decisão de pronúncia do Tribunal da Relação de Lisboa, delimitado já aos thema decidendum entretanto aclarados”.

  7. Por despacho de 13.11.2020, do Juiz Desembargador relator, não foram admitidos os recursos interpostos, nos seguintes termos: “Porque os acórdãos do Tribunal da Relação de que os requerentes pretendem recorrer não conheceram, a final, do objecto do processo, e, por isso, não admitem recurso para o STJ, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea d), e 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, não admito os recursos que os arguidos AA e BB pretendem interpor para o Supremo Tribunal de Justiça – o primeiro através dos requerimentos de 30.09.2020 e de 06.11.2020 e o segundo através do requerimento de 09.11.2020”.

  8. Deste despacho veio o arguido reclamar, nos termos do artº.405º do CPP, o que fez, em síntese, nos seguintes termos: “Em suma, deve o presente Recurso ser admitido, primeiramente, em razão da violação do caso julgado pelo Acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, e dos artigos 399.°, 400.°, n.° 1, a contrario, e 432.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

    11 A este propósito, sempre deverá considerar-se materialmente inconstitucional a norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 577.°, alínea d), 621.° e 629.°, n.° 2, alínea a), do CPC, aplicáveis com as devidas adaptações ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, e nos artigos 399.°, 400.°, 402.°, 403.°, n.° 1, e 432.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal, no sentido de que não constitui fundamento válido de recurso a violação de caso julgado em decisão de pronúncia proferida em sede de recurso de decisão instrutória de não pronúncia, por violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, dos princípios ne bis in idem, do caso julgado e do acusatório e do contraditório, nos termos do disposto nos artigos 1.°, 2.°, 18.°, n.° 2,20.°, n.° 1,29.°. n.° 5, e 32.°, n.os 1,2 e 5, da CRP, o que desde já se deixa arguido cautelarmente para os devidos efeitos legais.

    Mas não só: 6) Da recorribilidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento na pronúncia por factos diversos dos contantes da Acusação pública 12. No Recurso que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, o ora Arguido reservou um outro capítulo prévio (cfr. Capítulo B.2 do Recurso) no qual procurou demonstrar que a recorribilidade resultava adicionalmente da constatação de que foi pronunciado por factos diferentes dos da Acusação e que essa pronúncia se baseava em factos que tanto o Julgador, em Primeira Instância, como o Acusador, em sede de Recurso da decisão de não-pronúncia, haviam convergido no sentido da sua irrelevância indiciária.

    O despacho ora reclamado, porém, também não analisou este fundamento — o que, novamente, o levou a rejeitar indevidamente o Recurso interposto”.

  9. Conhecida esta reclamação foi a mesma deferida apenas relativamente ao caso julgado nos seguintes termos: “10. Nestes termos, por ser questão de fundamento material a decidir pela jurisdição e não nos limites objectivos de cognição do artigo 405.º do CPP, defere-se a reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso, apenas no respeitante ao caso julgado” – sublinhado nosso.

    … e com os seguintes fundamentos: “No entanto, o reclamante invoca como fundamento da admissibilidade a ocorrência de caso julgado, referindo a decisão proferida no processo n.º 6421/17..., onde se entendeu: «A violação do caso julgado, como fundamento do recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), fine, do CPC, constitui um motivo específico de admissibilidade de recurso fora de todos os pressupostos típicos e comuns de recorribilidade; com esta natureza, constitui solução que responde a um princípio geral – respeito pelo caso julgado, sendo, por isso, compatível com a disciplina e o regime do processo penal.

    Deve, assim, considerar-se aplicável ao processo penal nos termos do artigo 4.º do CPP.

    O fundamento de recurso previsto no 629.º, n.º 2, alínea a), fine, do CPC (ofensa de caso julgado), foi invocado expressamente no requerimento de interposição de recurso e na reclamação.

    Invocada a violação do caso julgado como fundamento do recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP, a questão sobre a existência ou não de caso julgado releva já do julgamento sobre um fundamento material do recurso e menos da apreciação prévia sobre a verificação dos pressupostos objectivos de admissibilidade».

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