Acórdão nº 20526/18.9T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. Urbivárzea – Empreendimentos Imobiliários, S.A, e AA intentaram ação contra BB, CC e Octupus – Participações e Investimentos, S.A.

, pedindo que os Réus fossem condenados a pagar à 1ª Autora a quantia de € 109.194,63, correspondente ao valor de 490.000,00 Reais da quota que a mesma detinha no capital social da sociedade Novo Horizonte – Investimentos Imobiliários e Participações, Lda., e a pagar a ambos os Autores a quantia de € 900.000,00, a título de indemnização pela perda de terrenos que integram o património desta sociedade.

  1. Fundamentam o seu pedido na responsabilidade civil por atos ilícitos, praticados pelos Réus, que causaram danos aos Autores (ou à 1ª Autora, conforme alegado).

  2. Citados, os Réus contestaram, invocando a incompetência dos Tribunais Portugueses para conhecer deste litígio. Referiram que, tal como alegado pelos Autores, os factos terão sido todos praticados no ….., respeitam a empresas de direito …. e os danos alegados terão também ocorrido naquele território. Mencionam ainda que o facto de os Réus terem domicílio em Portugal, assim como os Autores, não é critério para atribuir competência aos Tribunais Portugueses e que viola o disposto nos arts. 71.º, n.º 2, e 62º, do CPC.

  3. Os Autores foram convidados a responder e, fazendo-o, alegaram que os “ilícitos foram orquestrados pelos RR em Portugal, onde todos residem e fazem a sua vida e que as citações e notificações, bem como a inquirição de testemunhas em Portugal tornariam o processo intentado num tribunal …. interminável”.

  4. Foi realizada audiência prévia, em que se deu oportunidade às partes para debater esta e outras exceções suscitadas nos autos, e que estas aproveitaram.

  5. O Tribunal de 1.ª Instância, por sentença de 4 de outubro de 2019, decidiu o seguinte: “Em face de tudo o exposto, julgo verificada a excepção de incompetência absoluta dos Tribunais Portuguesas (art.96º do CPC) e, consequentemente, absolvo os RR da instância (art.99º do CPC).

    Custas pelos AA. Registe. Notifique.

    ” 7.

    Não conformados, Urbivarzea – Empreendimentos Imobiliários, S.A., e AA, interpuseram recurso de apelação.

  6. O Tribunal da Relação ….., por acórdão de 7 de fevereiro de 2020, confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância.

  7. De novo irresignados, Urbivarzea – Empreendimentos Imobiliários, S.A., e AA interpuseram recurso de revista, nos termos dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), 671.º, n.º 2, al. a), e 674.º. n.º 1, als. b) e c), do CPC, apresentando as seguintes Conclusões: “I. É manifesta a admissibilidade e a tempestividade do presente recurso de acordo com as normas invocadas do CPC na fundamentação do mesmo, uma vez que de acordo com os acórdãos anteriormente transcritos do STJ, é claro que as decisões que limitam competência internacional aos tribunais portugueses são sempre recorridas para o STJ, mediante revista.

    1. Resulta inequívoco que na leitura da decisão proferida em primeira instância, que esta não fixou nenhuma matéria de facto, aliás, o acórdão ora recorrido fixou apenas 5 pontos da matéria de facto, todos eles relacionados com domicílio das partes, III. Assim, no entendimento dos ora Recorridos, o acórdão recorrido é nulo, é nulo pois fixou matéria de facto de forma oficiosa quando a norma do art.º 662.º do CPC, não o permite.

    2. Ou seja, de acordo com o art.º 662.º do CPC, caso as partes não tenham requerido nos termos do disposto no art.º 640.º do CPC, alteração da matéria de facto, não pode a Relação fixar oficiosamente sem intervenção das partes, matéria nova, uma vez que se tal sucedesse, ocorreria a fixação da matéria de facto sem intervenção das partes.

    3. Ora, ocorrendo fixação da matéria de facto sem intervenção das partes, estaríamos na presença de uma violação do princípio do contraditório, princípio este basilar do Estado de direito.

    4. Com efeito, o art.º 20.º da CRP, estabelece e determina o princípio do contraditório, pelo que, não poderia o acórdão recorrido fixar de novo sem a intervenção das partes a matéria de facto, sendo, pois, a violação das normas do processo um dos fundamentos da revista, nos termos constantes do art.º 674.º do CPC.

    5. Em consequência, o acórdão recorrido é nulo, mesmo que assim não se entenda depressa verificaremos atenta a matéria de facto assente no acórdão recorrido, que esta é omissa quanto ao local de realização do ilício, ou da produção do dano, VIII. Sendo que nesta eventualidade, caberia ao acórdão recorrido dar cumprimento ao ora exposto no art.º 607.º do CPC, ou seja, decidir a matéria de direito de acordo com os factos assentes.

    6. Ora, o acórdão recorrido apenas dá por assentes de forma inequívoca nos domicílios das partes, ou seja, fatores de conexão todos eles atributivos de competência aos tribunais portugueses.

    7. Ora, ao invocar como fator de desconsideração da competência dos tribunais portugueses, um alegado local de produção do dano, ou de realização do ilícito, que não consta da matéria assente, a decisão padece de manifesta nulidade, nos termos do disposto do art.º 615.º do CPC.

    8. Por outro lado, os presentes autos são muito simples, uma sociedade portuguesa detinha uma quota numa sociedade de direito …..

    9. Outra sociedade portuguesa fez sua a referida quota mediante documento falso beneficiando economicamente deste “negocio” nada pagando, fazendo seu sem nada prestar, ou dar em contrapartida, como aliás reconhecem.

    10. Assim, uma sociedade portuguesa, através de ato ilícito fez sua coisa de outra sociedade portuguesa, sendo que todas elas tem os seus administradores em Portugal, são dirigidas em Portugal e os beneficiários económicos destes factos são todos portugueses.

    11. Sucede que de acordo com a matéria assente ,nos termos do art.º662.ºdo CPC os tribunais portugueses, seriam inequivocamente os tribunais portugueses, XV. O acórdão recorrido nega a competência aos tribunais portugueses para conhecer esta matéria, remetendo para os tribunais do estado do …. no …., com fundamento num alegado local de realização do ilícito, local este que não consta da matéria assente, e ignora que o dano produzido ocorreu numa sociedade portuguesa.

    12. Sociedade esta Autora, a qual empobreceu e a sociedade Ré enriqueceu pois nada pagou por aquilo que fez seu através de ilícito.

    13. Claro é que o local de produção do dano foi em Portugal, pois a sociedade empobrecida é portuguesa, e o dano correspondeu ao empobrecimento, pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 71.º do CPC, o local de produção do dano é inequívoco, sendo que de acordo com a PI, o ilícito foi planeado e executado a partir de Portugal, não podendo apurar-se com exatidão onde foi realizado, pois não houve lugar a audiência de discussão e julgamento.

    14. Aqui chegados verificamos que o acórdão recorrido não aplicou devidamente a matéria de facto que ele próprio deu por assente, e não conheceu que existia fatores de conexão relevantíssimos como seja o domicílio ou o local de produção do dano.

    15. Por último, de modo a afastar a disposição do al. c) do art.º 62.º do CPC, invocou-se que não constitui uma dificuldade apreciável para sociedades portuguesas, todas com residência em ….. ou domicílio, irem litigar na ……, quando todos residem em …..

    16. Assim, para o acórdão recorrido os custos de deslocação, de hospedagem de contato com ordem jurídica diversa, não constituem uma dificuldade de apreciar, dizendo-se mais que até parece ser simples no estado do …….. do ….., cidadãos portugueses e empresas portuguesas dirimirem litígios de natureza patrimonial, invocando-se, note-se, a excelência do ordenamento do sistema judicial …..

    17. Sucede, contudo, que a questão é da excelência dos tribunais do estado do ….., nordeste do ….., o que determinou o legislador invoca é que havendo dificuldade apreciável devem os tribunais portugueses, e devem apreciar estas matérias.

    18. Assim, entendem os Recorrentes que litigar no estado do …., constitui uma dificuldade apreciável, pelos custos, pelos encargos, e pelo desconhecimento do sistema legal …., quer processual, quer substantivo.

    19. Por último, esta decisão veta o acesso a efetiva tutela jurisdicional, porquanto, num litígio em que todas as partes são portuguesas, as testemunhas também o são, a decisão recorrida ocorreu no ….., que é manifestamente falso.

    20. O dano ocorreu em Portugal, pois o dano correspondeu a uma perda patrimonial da sociedade Autora, e tendo esta sede em ….., o dano produziu-se na sua esfera jurídica, pelo que deverão ser os tribunais portugueses declarados competentes para conhecer esta matéria, porque assim determina a lei.

    ” 10. BB, CC e Octupus – Participações e Investimentos, S.A., contra-alegaram, expondo as seguintes Conclusões: “1.° O Tribunal da Relação ….. confirmou e muito bem a verificada excepção de incompetência absoluta dos Tribunais Portuguesas (art.96º do CPC) pelo Tribunal de primeira instância e, consequentemente, absolveu de forma reiterada os RR. /recorridos da instância (art.99º do CPC) 2.° De facto e de direito, a competência do tribunal, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos que aduz e que consubstanciam a causa de pedir que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurado pelo autor; 3.° Mais, a competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou vários elementos de conexão com um ou vários ordenamentos jurídicos distintos do ordenamento do foro; 4° O novo Código de Processo Cível veio no art. 62.º consagrar um regime mais específico no âmbito da atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses do que aquele que era consagrado no anterior diploma; 5.° Efectivamente e à luz do art. 65.º n.º 1 alínea a) do antigo CPC, era conferida...

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