Acórdão nº 948/20.6T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução12 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Tribunal da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – Juiz ...

I – RELATÓRIO Na fase contenciosa dos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é Autor AA e Rés. C..., S.A. e G..., S.A., veio o sinistrado apresentar petição inicial, uma vez que na fase conciliatória dos autos não foi possível obter o acordo em face da discordância quanto à identidade/responsabilidade do empregador pela reparação do acidente, quer quanto ao facto da Seguradora não aceitar proceder à reparação do acidente de acordo com a lei portuguesa, uma vez que o contrato de seguro em causa foi celebrado de acordo com a lei Angolana.

O Autor vem peticionar a condenação solidária das Rés no pagamento de €185.878,12, a título de danos patrimoniais, acrescido de uma pensão anual e vitalícia, por IPP, com efeitos a partir da concessão da alta definitiva em 8.05.2020 no valor anual de €11.656,36, tudo acrescido dos respectivos juros de mora legais, desde a data do seu vencimento e até à data em que se efective o pagamento integral, com as legais consequências, mormente em matéria de custas e encargos, ou caso assim não se entenda, recaía tal condenação sobre a 1.ª Ré ou sobre a 2.ª Ré Seguradora.

As Rés contestaram a presente acção.

A Ré empregadora, suscitou a intervenção principal de E... - E.... Nega ter tido qualquer relação de trabalho com o sinistrado, não aceitando assim a responsabilidade pelo sinistro dos autos e indica como entidade empregadora do Autor a E..., LDA.

A Ré Seguradora defende-se por excepção suscitando a incompetência internacional do juízo do trabalho para o julgamento da presente acção, por violação das regras de competência internacional, suscita a sua ilegitimidade passiva, por o autor não ter demandado a tomadora do seguro, in casu, a E..., LDA., impugna a factualidade alegada pelo autor e por fim deduz pedido reconvencional pedindo a condenação do Autor e da Chamada a restituírem-lhe a quantia de €31.714,43, por si paga na convicção errada que correspondiam ao cumprimento de uma obrigação jurídica.

Foi admitida a intervenção principal da Chamada, que veio apresentar contestação, na qual suscitou a exceção da incompetência absoluta do Juízo do Trabalho, por violação das regras de competência internacional, impugnou parcialmente os factos alegados pelo autor e deduziu pedido reconvencional contra a Ré Seguradora pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €85.640,28, acrescida de juros de mora desde a citação, quantia esta por si adiantada ao autor para fazer face ao pagamento de despesas médicas, medicamentosas, estadia no hospital e indemnização por ITA, ou subsidiariamente, caso este pedido não seja julgado procedente, que se condene o Autor no pagamento da referida quantia.

Seguidamente veio a ser proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi apreciada a exceção da competência internacional, da ilegitimidade passiva da Ré G... e da admissibilidade dos pedidos reconvencionais, tendo o Tribunal a quo concluído da seguinte forma: “Nestes termos, perante o exposto, julgo internacionalmente competente este tribunal para apreciação do presente processo.

(…) Pelo exposto, julgo improcedente a alegada exceção de ilegitimidade passiva.

(…) Assim sendo, consideramos inadmissíveis os pedidos reconvencionais deduzidos pela chamada e pela ré seguradora.

Razão pela qual se decide rejeitá-los.” Custas nesta parte a cargo do autor.” Inconformadas com tal despacho interlocutório vieram a Ré Seguradora e a Chamada interpor, os respectivos recursos de apelação em separado.

A Ré Seguradora, no recurso por si interposto, formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever: “1. Decidindo-se, de forma definitiva no despacho saneador, questões que integram o objecto da acção é, nos termos do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável à fundamentação do despacho saneador a mesma exigência legal de fundamentação postulada para as sentenças finais.

  1. A falta de fundamentação – ou a sua ininteligibilidade – é causa de nulidade da sentença, conforme estatuído pelo artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, norma subsidiariamente aplicável ao processo de trabalho.

  2. A fundamentação expendida do despacho saneador, no que concerne à (i) incompetência internacional do tribunal, à (ii) ilegitimidade passiva da Apelante G... e à (iii) inadmissibilidade do pedido reconvencional deduzido pela Apelante, é contraditória, obscura, ininteligível e descontextualizada dos concretos factos carreados para os autos.

  3. A ininteligibilidade e obscuridade equivalem, na prática, à falta de fundamentação, que inquina de nulidade o despacho saneador recorrido.

  4. Os tribunais portugueses não têm competência internacional para julgar o presente litígio, pelo menos no que respeita à Apelante, G....

  5. A Apelante, G..., é uma sociedade comercial anónima de direito angolano, que desenvolve as actividades integradas no seu objecto social exclusivamente em território angolano, mediante a celebração de contratos de seguro sujeitos à legislação angolana e à jurisdição dos tribunais angolanos (ambas impostas ex lege).

  6. A Apelante G... (não está sujeita às “convenções internacionais”, nem aos “regulamentos europeus.” 8. A República de Angola não integra a União Europeia e definiu as suas próprias normas legais em matéria de competência internacional dos seus tribunais.

  7. Não estando sujeita a “convenções internacionais” ou a “regulamentos comunitários”, a ordem jurídica angolana reivindica competência internacional para os seus tribunais em matéria de julgamento de acidentes de trabalho ocorridos em território angolano.

  8. Nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do CPC-AO, os tribunais angolanos têm competência internacional quando a acção deva ser proposta em Angola, segundo as regras de competência territorial estabelecidas pela lei angolana.

  9. O artigo 74.º, n.º 1, do CPC-AO estabelece que “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações ou a indemnização pelo não cumprimento será proposta no tribunal do lugar em que, por lei ou convenção escrita, a respectiva obrigação devia ser cumprida”.

  10. Ex vi do artigo 86.º, n.º 2, do CPC-AO, “se o réu for [...] uma sociedade, será demandado no tribunal da sede da administração principal [...]”.

  11. A Apelante G..., tem a sua sede e administração principal em ..., República de Angola, pelo que deve ser demandada em ..., no Tribunal da Comarca ....

  12. Por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do CPCAO, o tribunal angolano tem competência internacional se tiver sido praticado em território angolano o facto que serve de causa de pedir na acção.

  13. O acidente de trabalho que vitimou o autor ocorreu em território angolano, numa altura em que o autor, segundo sua versão dos factos, narrada na p. i., também residia em Angola.

  14. Por força do disposto na cláusula 29.ª das Condições Gerais, sob a epígrafe “Foro”, a Apelante G..., e a E..., Limitada estipularam o seguinte: “O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente da interpretação e aplicação deste contrato é o Tribunal Provincial de ...” 17. Ao ter decidido que “o pacto de jurisdição outorgado na cláusula 29.ª das Condições Gerais do contrato de seguro não é aplicável ao autor, dado que não é parte contratual no contrato de seguro celebrado.”, o tribunal fez uma errada interpretação e incorrecto enquadramento legal do contrato de seguro.

  15. Nem o autor, nem o tribunal a quo, podem alterar os termos e condições predefinidas pelos contratantes, não tendo a prerrogativa de clamar para si a aplicação de um regime diverso em relação àqueles termos e condições contratuais preexistentes.

  16. Contrariamente ao doutamente decidido a Apelante não é parte legitima na acção.

  17. A legitimidade afere-se pela titularidade da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor - artigo 30.º, n.º 3, do CPC.

  18. O autor referiu, de forma clara e cristalina, nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da sua douta p. i., que celebrou, em Portugal, um contrato de trabalho com a sociedade comercial anónima de direito português denominada C..., S. A..

  19. Consequencialmente, o autor deveria ter demandado, nestes autos, não a Apelante G..., mas a companhia seguradora para quem a C..., S. A. eventualmente, tivesse transferido a responsabilidade pelo risco de um acidente de trabalho que pudesse vir a vitimar o autor.

  20. A Apelante não celebrou qualquer contrato de seguro com a C..., S. A.

  21. Os inquestionáveis poderes de jurisdição que tribunal a quo possa ter, não têm a virtualidade de estender a cobertura de tal contrato ao autor que, expressis verbis, afirmou peremptoriamente (i) ter sido contratado C..., S. A., e (ii) desconhecer a existência da E....

  22. A ilegitimidade é uma excepção dilatória cuja verificação importa a absolvição do réu da instância (art.º 288º nº.1 alínea d), 493.º, n.ºs 1 e 2 e 494.º, alínea e) do Código de Processo Civil).

  23. Ainda que o autor, em sede de julgamento venha sustentar tese diversa da que sempre sustentou, ou seja, que afinal passou, a certa altura, a ser trabalhador da E..., Limitada, subsiste toda uma realidade anterior à celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...58 que foi omitida à Apelante.

  24. A verificar-se, terem sido omitidos importantíssimos deveres de informação sobre a exacta situação jurídico-laboral do autor à Apelante, tem esta o direito à anulação da apólice n.º ...58 e, consequentemente, à devolução das quantias por si pagas indevidamente ao autor e à E..., obrigação que sobre ambos recai, solidariamente.

  25. A não admissão do pedido reconvencional, consubstanciado no pedido de anulabilidade do contrato de seguro e na condenação do autor e da E..., solidariamente, a devolver as quantias recebidas, caso se revele que foram indevidamente pagas pela seguradora, ora Apelante revela-se uma decisão prematura.

  26. O actual estado dos autos, com o devido respeito por opinião contrária...

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