Acórdão nº 3853/20.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório D. A.

, residente na Rua …, Esposende intenta a presente ação de processo comum contra X INSC., com sede em Califórnia, EUA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €36.000,00 de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de €10.902,58, tudo no total de €46.902,58 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, e quantia nunca inferior a €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida também dos juros vencidos, no montante de €2.147,95, tudo no total de €7.147,95 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

Alega, para o efeito e em síntese, que a Ré utiliza indevidamente e sem a sua autorização a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais em diversos jogos, sua propriedade, denominados FIFA e FIFA MANAGER, que são produzidos e comercializados pela Ré nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, jogos igualmente vendidos a consumidores não residentes nestes países através subsidiárias, destacando-se na Europa a Y que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, e que dessa atuação resultando os danos que computa nos acima quantificados.

A Ré apresentou nos autos requerimento suscitando a questão da incompetência internacional por não se verificar nenhum dos fatores de conexão elencados no artigo 62º do Código de Processo Civil (de ora em diante designado apenas por CPC), requerendo o conhecimento dessa questão e a sua absolvição da instância.

Notificado, veio o Autor pronunciar-se no sentido da competência dos tribunais portugueses, alegando a aplicabilidade do critério de competência territorial constante do artigo 71º n.º 2 do CPC em articulação com a alínea a) do artigo 62º, mais alegando, a dificuldade séria e apreciável da propositura da ação nos Estados Unidos da América o que constitui também um fator de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses e invocando ainda a inconstitucionalidade do artigo 38º n.º 4 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional Foi proferida decisão que julgou o tribunal incompetente internacionalmente para apreciação e decisão da presente ação e absolveu a Ré da instância.

Não se conformando com a decisão proferida veio o Autor recorrer concluindo as suas alegações da seguinte forma: “

  1. A decisão recorrida é salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

  2. Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

  3. O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a sua incompetência internacional, já que não restam dúvidas da competência internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litígio.

  4. A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.

  5. Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.

  6. O Autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere - substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e não patrimoniais), por ação da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564, n.º 1, 565.º, 566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Civil e ainda artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

  7. Ao contrário do que a decisão recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais caraterísticas do Autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal.

  8. Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 15.º, 18.º, 102.º e 171.º, da petição inicial e reiterado nos artigos 23.º e seguintes do articulado de Resposta às Exceções de fls. ___.

  9. É, pois, absolutamente evidente que são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente ação.

  10. A obrigação de reparação, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. (negrito e sublinhado nossos).

  11. A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisão recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente! l) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do fator de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir).

  12. Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposição, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25-10-2005.

  13. Para além disso, o Autor é cidadão português, tem aqui o seu domicílio e os seus familiares mais próximos, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal.

  14. Sendo irrelevante o facto da distribuição dos jogos ser feita na prática por uma subsidiária da ré, pois é esta a proprietária dos jogos e é só ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercialização.

  15. O que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do Autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente.

  16. Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.

  17. Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.

  18. E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e proteção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil, não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.

  19. Tanto mais que, nos autos é arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), cfr. alegado nos artigos 41.º e seguintes da Resposta às Exceções de fls. ___.

  20. Ora, a necessidade de efetiva tutela jurídica, ao abrigo do princípio da necessidade contido no artigo 62.º, alínea c), do Código de Processo Civil, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja atuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício.

  21. Ora, in casu, essa praticabilidade e exercício está irremediavelmente comprometida, com a decisão agora proferida e de que se recorre.

  22. O princípio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excecional da competência internacional dos Tribunais portugueses.

  23. Por outro lado, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

  24. Ora, o Autor toda a sua vida organizada e estabilizada em Portugal, pelo que não tem qualquer nexo estreito com outro país, muito menos com os Estados Unidos da América.

  25. Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua ação, nos jogos de que é proprietária com vista à sua distribuição mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.

    a

  26. Sem necessidade de mais considerações, estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da ação.

    bb) Teria, assim, de improceder a deduzida exceção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão constantes das alíneas a), b) e...

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