Acórdão nº 3902/19.7T8FNC-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 3902/19.7T8FNC.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

AA e BB, residentes na Rua ..., em ..., Portugal, instauraram em 30 de Julho de 2019 no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, acção declarativa, com processo comum, contra Sinco Investments Fifty Three (Proprietary), Limited, com sede na República da Namíbia.

Alegaram essencialmente: As AA. são herdeiras de CC, sua tia, falecida em .../.../2017, em ..., na República da Namíbia, com última residência habitual em ... ..., no estado de viúva, sem descendentes nem ascendentes.

CC instituiu herdeira sua irmã, DD, por testamento público outorgado em 9 de Agosto de 2006.

À data do óbito da CC, DD já havia falecido em .../.../2014, deixando como únicos herdeiros as AA., EE, e FF.

Após o óbito da tia, as AA. e os irmãos deslocaram-se à Madeira para apurarem o património da tia, e vieram a constatar que os bens imóveis ali situados de que era proprietária estavam todos registados a favor da R. desde Outubro de 2013.

Em Outubro de 2013, a falecida CC viu-se confrontada com a possibilidade do BCP avançar com uma acção contra si, com vista ao pagamento da quantia total de €4.083.523,27.

Perante o risco de perder todo o seu património, constituiu, em 28 de Janeiro de 2013, a R., com sede na Namíbia, onde tinha a sua residência, com o objeto social de compra e venda de imóveis, pretendendo simular a transferência de todo o seu património situado na Madeira para a sociedade, de forma a enganar o Banco e evitar que este o pudesse penhorar.

Em 21 de Outubro de 2013, mediante escritura pública celebrada no Cartório Notarial de GG, a falecida vendeu todos os seus imóveis situados na Madeira à R. Sinco Investments Fifty Three (Proprietary), Limited.

Até 2015 a falecida vinha com regularidade à Madeira para se pôr a par da situação dos imóveis, e sempre teve procuradores que a representavam na sua ausência.

Os seus familiares sabiam que tinha simulado a venda, e a falecida manteve-se sempre na posse pública, ininterrupta e pacífica dos imóveis, pagando todas as suas despesas, utilizando contas bancárias de que dispunha na Madeira.

A falecida nunca pretendeu vender os imóveis, o valor de compra declarado na escritura é substancialmente inferior ao valor de mercado, e aquela não o recebeu.

A R. Sinco Investments Fifty Three (Proprietary), Limited nunca exerceu qualquer actividade, apenas praticou aquele acto isolado, nunca obteve rendimentos, e só após a morte da CC apresentou declarações anuais de rendimento.

Em 29 de Novembro de 2018, o mandatário dos herdeiros da CC constituído na Namíbia, comunicou ao Supremo Tribunal de ... que os imóveis localizados em Portugal que pertenciam àquela tinham sido transferidos para a R. e que essa transferência estava reflectida na contabilidade desta.

Os AA. vieram a ter conhecimento que, após a morte da CC, a gerente da sociedade indicada por esta, HH, transferiu a quota única da R. para seu nome, o que nunca foi autorizado pela falecida.

Aproveitando a morte da CC, a referida HH está a tentar dissipar os referidos imóveis pertencentes ao acervo hereditário, tendo-os colocado à venda na imobiliária ERA por valores bem superiores ao que consta da escritura.

Concluíram pedindo que: a) se declare nula, por simulada, a escritura de compra e venda de 21 de Outubro de 2013; b) se declare inexistente o direito de propriedade da Ré sobre os imóveis constantes da escritura celebrada em 21 de Outubro de 2013; c) seja ordenado o cancelamento dos registos de aquisição efetuados a favor da R. na sequência da escritura de compra e venda celebrada em 21 de Outubro de 2013, e de quaisquer registos subsequentes que tenham sido realizados sobre esses imóveis após essa data.

Regularmente citada, a R. contestou, por exceção, invocando, no que ora importa, a incompetência absoluta do tribunal para conhecer da acção, e a ilegitimidade das AA.

Convidadas a pronunciarem-se sobre as exceções deduzidas, responderam as AA. pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as invocadas excepções de incompetência absoluta, e de ilegitimidade activa.

Apresentou a Ré recurso de apelação que veio a ser julgado, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 31 de Maio de 2022, parcialmente procedente a apelação, nos seguintes termos: “a) mantém-se a decisão recorrida quanto à competência internacional do tribunal para conhecer da ação; b) revoga-se a decisão recorrida que julgou as AA. parte legítima, devendo o tribunal recorrido proferir despacho a convidá-las a suprir a verificada preterição de litisconsórcio necessário activo”.

Veio a Ré interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: I - No dia 9 de Agosto de 2006, no Cartório Notarial ..., CC declarou: “Que institui herdeiro universal dos seus bens seu marido II também conhecido por II consigo residente; E, em caso de morte simultânea ou de predecesso deste, asua irmã DD (…)” – cfr. documento de fls. 17 verso a 18); II - Posteriormente, por escritura lavrada no dia vinte e um de Outubro do ano de dois mil e treze, exarada a folhas cento e trinta e dois e seguintes do cartório notarial da Doutora GG, sito no Largo ..., em ..., concelho ..., a falecida CC vendeu à recorrente, os seis imóveis aí identificados, todos situados na Ilha da Madeira, de onde aquela era natural, continuando a ser dona dos imóveis que ficavam situados na Namíbia e na África do Sul; III - No dia 10 de Outubro de 2015, mediante testamento escrito celebrado em 10 de Outubro de 2015, em ..., República da Namíbia, CC declarou revogar todas as vontades anteriormente efetuadas por si, em relação ao seu património Namibiano, bem como que esta era a sua ultima vontade e testamento; IV - CC nasceu em .../.../1937, na freguesia ..., concelho ..., na ... e faleceu no dia .../.../2017, com 80 anosde idade, no estado de viúva de II, em ..., na República da Namíbia, onde teve a sua última residência habitual em ... ... (cfr. documento de fls. 20 verso e 21).

V - No dia nove de Maio do ano de 2018, com base no testamento acima referido, feito no dia nove de Agosto de dois mil e seis, mediante escritura pública de “Habilitação” lavrada em 9 de Maio de 2018 no Cartório Notarial ..., sito na Rua -A, ..., ..., JJ, KK e LL declararam que “têm perfeito conhecimento de que aos doze dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e sete, em ..., República da Namíbia, onde teve a sua última residência em ... ..., faleceu, sem descendentes ou ascendentes vivos, CC, natural da freguesia ..., concelho ..., no estado de viúva de II.

Que, a falecida deixou testamento público, lavrado aos nove dias do mês de agosto do ano de dois mil e seis, iniciado a folhas dez do competente livro de notas número três – A, do extinto Cartório Notarial ... sito no ..., a cargo do Notário MM, atualmente incorporado no arquivo do Cartório Notarial ... a cargo da Notária NN, pelo qual instituiu como herdeiro universal, a irmã DD.

Que a falecida não fez outro testamento ou qualquer outra disposição de...

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