Acórdão nº 4239/20.4T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1.

A.E.L.S.

, jogador de futebol profissional, de nacionalidade portuguesa e com residência indicada em Sesimbra, distrito de Setúbal, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Eletronic Arts Inc., com sede em 209, Redwood Shores Parkway, Redwood City, Califórnia, 94065, EUA, pedindo a condenação da R.

a pagar ao A.: - A título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 324.000,00 (trezentos e vinte e quatro mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 97.630,68 (noventa e sete mil e seiscentos e trinta Euros e sessenta e oito cêntimos), tudo no total de € 421.630,68 (quatrocentos e vinte e um mil e seiscentos e trinta Euros e sessenta e oito cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei; e - Montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.559,45 (dois mil, quinhentos e cinquenta e nove Euros e quarenta e cinco cêntimos), tudo no total de € 7.559,45 (sete mil, quinhentos e cinquenta e nove Euros e quarenta e cinco cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.

  1. Para tanto, invocou, em síntese, que a R., sociedade norte-americana, no exercício da sua actividade comercial de desenvolvimento e fornecimento de jogos, utiliza a imagem e o nome do A., cidadão português, jogador de futebol, para desenvolver e fornecer os jogos Fifa, Fifa Manager, Fifa Ultimate Team-Fut e Fifa Mobile, contando a R. com várias subsidiárias, entre as quais a EA Swiss Sarl, com sede em Genebra, Suíça, que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, sem ter solicitado autorização para o efeito.

  2. Citada, a R. contestou a acção, defendendo-se por excepção e impugnação, tendo, posteriormente, apresentado requerimento arguindo a excepção da incompetência absoluta, por falta de competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente acção, por não se verificar nenhum dos factores de atribuição de competência, nos termos dos artigos 59º, 62º e 63º do Código de Processo Civil, pugnando pela sua absolvição da instância (cf. artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 98.º, 1.ª parte, e 278.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil).

    O A., por seu lado, apresentou requerimento de resposta, defendendo a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da acção, invocando, em suma, que é cidadão português, reside e tem toda a sua vida organizada em Portugal, os jogos podem ser adquiridos em todo o mundo, e que, não se admitindo o exercício do direito perante os tribunais portugueses, está ameaçado o mesmo na sua praticabilidade e exercício.

  3. Apreciada a referida excepção, veio o Tribunal recorrido a seguinte decisão (ref.ª 93208812): «Pelo exposto, declara-se a incompetência absoluta deste tribunal por infracção das regras de competência internacional dos tribunais portugueses, absolvendo-se a ré da instância».

  4. Inconformado interpôs o A. o presente recurso, que motivou, concluindo do seguinte modo: a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

    b) Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

    c) O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a sua incompetência internacional, já que não restam dúvidas da competência internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litígio.

    d) A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.

    e) Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.

    f) O Autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere - substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e não patrimoniais), por acção da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564, n.º 1, 565.º, 566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Civil e ainda artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

    g) Ao contrário do que a decisão recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais características do Autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal.

    h) Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 16.º, 19.º, 103.º e 197.º, da petição inicial e reiterado nos artigos 23.º e seguintes do articulado de Resposta às Excepções de fls. ___.

    i) É, pois, absolutamente evidente que são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente acção.

    j) A obrigação de reparação, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. (negrito e sublinhado nossos).

    k) A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisão recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente! l) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do factor de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir).

    m) Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposição, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25-10-2005.

    n) Para além disso, o Autor é cidadão português, tem aqui o seu domicílio e os seus familiares mais próximos, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal.

    o) Sendo irrelevante o facto da distribuição dos jogos ser feita na prática por uma subsidiária da ré, pois é esta a proprietária dos jogos e é só ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercialização.

    p) O que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do Autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente.

    q) Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.

    r) Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.

    s) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil, não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.

    t) Tanto mais que, nos autos é arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), cfr. alegado nos artigos 41.º e seguintes da Resposta à Excepção de Incompetência Internacional de fls. ___.

    u) Ora, a necessidade de efectiva tutela jurídica, ao abrigo do princípio da necessidade contido no artigo 62.º, alínea c), do Código de Processo Civil, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício.

    v) Ora, in casu, essa praticabilidade e exercício está irremediavelmente comprometida, com a decisão agora proferida e de que se recorre.

    w) O princípio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excepcional da competência internacional dos Tribunais portugueses.

    x) Por outro lado, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

    y) Ora, o Autor toda a sua vida organizada e estabilizada em Portugal, pelo que não tem qualquer nexo estreito com outro país, muito menos com...

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