Acórdão nº 1642/15.5T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

AA, contribuinte fiscal n.º …., residente em …, instaurou acção judicial contra a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.

, pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º 500…80, com sede em …, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização de 507.465€, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, e ainda todas as despesas e indemnizações ainda não totalmente apuradas e as que se venham a demonstrar necessárias ao que acrescerão os valores que vierem a ser apurados.

Alegou para o efeito que no dia … .12.2010 quando conduzia o seu ciclomotor em ……., ….., parou a sua marcha num semáforo em obediência ao sinal vermelho e quando o sinal passou a verde, reiniciou-a, após o que foi embatido por um veículo ligeiro de mercadorias, segurado na ré, que ao chegar ao local onde seguia o autor guinou repentinamente à esquerda colidindo com a perna do autor e provocando a sua queda. Em consequência desse acidente sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais dos quais pretende agora ser ressarcido.

  1. A ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., contestou, declarando aceitar a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, bem como a obrigação de indemnizar o autor, mas impugnando os danos alegados pelo autor.

    Alegou ainda que o acidente foi, em simultaneamente, de viação e de serviço e o autor é funcionário da Câmara Municipal …, encontrando-se a ser ressarcido pela Câmara Municipal … e pela Caixa Geral de Aposentações, uma vez que é subscritor desta última instituição, razão pela qual requereu a intervenção principal das duas entidades – que foi admitida.

  2. A interveniente Caixa Geral de Aposentações pediu a condenação da ré no pagamento da importância a liquidar em execução de sentença, necessária para suportar o pagamento da pensão.

  3. O interveniente Município … pediu a condenação da ré no pagamento do montante de € 8.298,58, bem como de todas as quantias que vierem a ser liquidadas a partir de … .03.2016.

  4. Na audiência de julgamento a ré e o interveniente Município …. celebraram transacção que, não tendo merecido qualquer oposição das demais partes, foi homologada por sentença.

  5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar ao autor determinada indemnização.

    Na mesma sentença julgou-se totalmente improcedente o pedido da interveniente Caixa Geral de Aposentações e absolveu-se a ré do mesmo.

  6. No prazo de recurso da sentença o autor e a ré juntaram aos autos requerimento anunciando terem transigido entre si sobre o objecto da lide nos termos constante do acordo junto.

  7. Foi então proferida sentença a homologar esta transacção, condenando e absolvendo a ré nos seus precisos termos.

  8. A seguir, veio a Caixa Geral de Aposentações interpor recurso de apelação da “sentença proferida pelo tribunal a quo em 2020-01-….

    ” e da “decisão (…) que homologou o acordo celebrado entre o autor e a ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”.

  9. Em … .07.2020, proferiu o Tribunal da Relação … um Acórdão, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, pese embora com diferente fundamentação, confirmam a sentença recorrida na parte que é objecto do recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações”.

  10. Continuando inconformada, vem a Caixa Geral de Aposentações interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 3, a contrario, e do artigo 672.º, n.º 1, al.

    a), do CPC.

    Termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões: “1.ª A Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA) considera que a presente Revista, interposta com fundamento no art.º 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, deverá ser aceite, não só porque a decisão recorrida parece contrariar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas também porque se afigura indispensável a intervenção deste Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito, numa matéria que, reconhece-se, reveste significativa complexidade.

    1. Como resulta da jurisprudência do STJ (Acórdão de 2016-07-14, proc.º n.º 1270/13.0TBALQ.L1.S1, disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt), o prazo de prescrição relativo ao direito de regresso previsto no art.º 46.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 509/99, de 20 de novembro, é de três anos e conta-se desde a data da fixação do direito às prestações.

    2. A decisão recorrida considerou, como Factos Assentes (cfr. páginas 13 e 14 da decisão recorrida), (…) 85. Por resolução da Direcção da “CGA” proferida em … .10.2019, foi fixado ao sinistrado, a título de reparação total do acidente de trabalho de que foi vítima em … 12.2010, uma pensão anual vitalícia de 9.065,27 €, a que corresponde uma pensão mensal de 647,52 € (9.065,27 €/14).” e ainda que (…) “87. A “CGA” promoveu o cálculo actuarial para apurar o capital necessário para suportar os encargos com a referida pensão, o qual se cifrou em 116.268,68 €.” 4.ª Aplicando a referida jurisprudência do STJ ao caso concreto, o direito previsto no art.º 46.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 509/99 terá que ser exercido pela CGA dentro dos três anos posteriores a 2019-10-…, data em que foi proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações, sob pena de, não o fazendo, ver o terceiro responsável recusar a satisfação de tal montante, invocando que tal direito se encontra já prescrito.

    3. Como se procurou explicar no pedido de reembolso deduzido nos autos, a decisão definitiva sobre o direito às prestações foi proferida em 2019-10-… (cfr. 85. dos Factos Assentes), mas só poderá ser paga quando a entidade patronal esclareça se o sinistrado já foi objeto de reconversão profissional. Não por isso depender de «autorização» da CGA (como considerou o Tribunal), mas por força da Lei, que não admite a acumulação das prestações periódicas por incapacidade permanente (…) a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente…“ (cfr. alínea a) do art.º 4.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro).

    4. No entanto, segundo a decisão recorrida (cfr. pág. 23 do Acórdão recorrido): - “…não nos parece que a lei possa consentir que a CGA obtenha a condenação da ré a pagar-lhe um capital que ela pode nunca vir a ter de despender a favor do seu subscritor.” - “…nos termos do artigo 621.º do Código de Processo Civil, o caso julgado formado pela decisão não impedirá a CGA de formular novo pedido de reembolso quando essa condição se verifique – logo que estiver ultrapassado o impasse motivado pela entidade patronal do trabalhador e cesse a sustação do pagamento pela CGA” 7.ª Sobre o primeiro ponto – segundo o qual o pedido de reembolso apenas pode ter lugar a partir do momento que as quantias se encontrem efetivamente pagas –, tal contraria a jurisprudência que vem sendo proferida pelos Tribunais nesta matéria, de que são exemplos, o Acórdão do STJ de 2006-09-12, proferido no proc.º n.º 06A2213, o Acórdão, também do STJ, proferido em 2011-05-19 no proc.º n.º 1029/06.0TBTNV.C1.S1, ou o Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 2019-09-26 no proc.º n.º 763/17.4T8SNT.L1.L1-6 – todos disponíveis na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt e cujas súmulas constam transcritas supra em Alegações.

    5. Sobre o segundo ponto – de que nos termos do artigo 621.º do CPC, o caso julgado nesta ação não impedirá a CGA de formular novo pedido de reembolso mais tarde – considera a CGA que tal entendimento do Tribunal a quo não é conjugável com a jurisprudência do STJ de 2016-07-14 (proc.º n.º 1270/13.0TBALQ.L1.S1, já referido), que fixa em três anos, contados da data em que foi proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações, o prazo para o exercício do direito previsto no art.º 46.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 509/99.

    6. Pelo que é fundamental a intervenção deste Supremo Tribunal, para uma melhor aplicação do direito e para esclarecer em que momento pode a CGA, afinal, deduzir o pedido de reembolso ao terceiro responsável nos casos em que foi já proferida decisão definitiva fixando o montante correspondente à reparação do acidente, mas não foi ainda pago o respetivo montante”.

  11. A ré Fidelidade apresentou contra-alegações, concluindo pela inadmissibilidade do recurso excepcional interposto pela autora.

  12. Em … .10.2020, proferiu o Exmo. Desembargador Relator do Tribunal da Relação … um despacho com o seguinte teor: “Vindo o recurso interposto como de revista excepcional e sem prejuízo da apreciação sobre o preenchimento dos requisitos do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil que compete ao Supremo Tribunal de Justiça através da formação prevista no n.º 3 do mesmo preceito, uma vez que o recurso é tempestivo, a recorrente tem legitimidade e o valor da acção e do decaimento o permitem, admito o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

    O recurso sobe nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

    Notifique”.

    * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se a recorrente Caixa Geral de Aposentações tem direito de reembolso contra a seguradora.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1. Cerca das 22:45 horas do dia … de Dezembro de 2010, o autor conduzia o seu ciclomotor de duas rodas, matrícula …-FP-…, na Rua …, sentido este/oeste, tendo parado a sua marcha em obediência ao sinal vertical luminoso (semáforo) que se apresentava na cor vermelha, atento o seu sentido de trânsito.

  13. Após o referido sinal ter passado para a cor verde, o autor reiniciou a sua marcha, sempre dentro da sua hemi-faixa de rodagem, lado direito, atento o respectivo sentido de...

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