Acórdão nº 295/16.8T8VRS.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório Em acção declarativa, com processo comum, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz 2) AA, Lda.

, demanda BB, CC casado com DD e EE e esposa FF, peticionando: A - reconhecer-se à autora, o direito de preferência na compra do prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção AZ e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...,composto por cultura arvense, mato, oliveiras e figueiras e com uma área total de 41.280 m2, feita pelos terceiros réus aos primeiro e segundo réus, através da escritura pública de compra e venda referida no art 5º da petição, e assim o direito de a autora haver para si o referido prédio, passando esta a ocupar o lugar dos réus compradores; B - ordenar-se que na Conservatória do Registo Predial de ..., se proceda ao cancelamento da aquisição a favor dos terceiros réus compradores, averbando-se, posteriormente, a aquisição da autora, de modo a substituir na inscrição que ali consta a favor dos adquirentes, os ora terceiros réus.

Citados, os réus vieram contestar impugnando parcialmente os factos articulados pela autora, declinando, perante a legislação aplicável, que a autora tenha direito de preferência sobre o prédio alvo da venda, concluindo pela absolvição relativamente aos pedidos deduzidos pela autora.

Foi proferida sentença pela qual se julgou improcedente a acção e se absolverem os réus do pedido. Não se conformando com a sentença, foi interposto pela autora recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso improcedente confirmando integralmente a sentença de 1ª instância.

Deste acórdão veio a autora interpor recurso de revista excepcional, o qual veio a ser admitido pela Formação a que alude o nº 3 do artº 672,º do CPC, identificando como questão a decidir: “Estará em causa o condicionalismo de que depende o fator impeditivo do reconhecimento do direito de preferência, tendo em conta, por um lado, a matéria de facto apurada e, por outro, a interpretação que deve ser feita do normativo do art 1381º, al. a), do CC”.

A autora formulou as seguintes conclusões: “66 - O presente acórdão, que se pretende submeter à revista excecional, decidiu, por unanimidade, confirmando a sentença de 1ª Instância negando provimento à pretensão da autora (julgou a acção improcedente por não provada e absolveu os réus do pedido), e na parte que ora releva, que “a única questão que importa decidir consiste em saber se bem andou a Mª Juiz “a quo” ao decidir que no caso dos presentes autos se verificou a exceção peremptória prevista no artigo 1381º al. a) do CC que exclui o direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes quando o terreno adquirido se destine a fim que não seja a cultura”(sic).

67- Mantém a autora recorrente a convicção de que a razão lhe assiste e que a análise efetuada pela Relação, em sede de apelação, recorrendo a uma interpretação parcial do preceituado na al. a) do art. 1381º, não tomou em consideração a ratio da norma e as regras no que concerne ao princípio da repartição do ónus da prova.

  1. - Com o devido respeito e salvo melhor opinião, considera a autora recorrente que a prova produzida e que foi considerada não se revela, de todo, bastante, para que se lhe imponha a exceção da al. a) do 1381º do CC ao exercício, legítimo e reconhecido, do seu direito de preferência.

  2. - Em face da complexidade da questão, e das divergências doutrinais e/ou jurisprudenciais, a vexata quaestio extravasa a fronteira do processo em concreto em que é suscitada e as partes nele envolvidas para se tornar de “interessar à sociedade em geral ou a um grupo relevante desta, pois que, o escopo prosseguido pelo legislador foi o de só excecionalmente, em situações de reconhecida importância, em que “possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos”, facultar o acesso a um 3º grau de jurisdição. (ac. de 14/5/2015 – proc. 217/10.TBPRD.P1.S1)” 70º - Estamos em crer que, quer por via do disposto na alínea a), quer por via da alínea c), do artigo 672º do CPC, poderemos alcançar uma solução que assegure a melhor aplicação do direito em face de uma questão com relevo jurídico indiscutível. O caso em apreço é, indubitavelmente, um caso em que se verificam os pressupostos para a revista excecional.

  3. - No presente acórdão que se pretende recorrer, reconhece-se que, a ora autora recorrente, fez a prova de todos os pressupostos exigidos para o exercício do direito real de preferência que se ocupa o n. 1 do artigo 1380º do CC.

  4. - Por se tratar de um direito legal de aquisição que depende da verificação dos requisitos enunciados do citado artigo, incumbiu à ora autora recorrente o ónus da prova, por se tratarem de factos constitutivos do seu direito.

  5. - O julgador a quo considerou que, pese embora que se encontrem preenchidos os pressupostos, relativos ao prédio em questão, os pressupostos do exercício pela autora do exercido do direito de preferência em causa, acrescenta que ocorre a exceção a tal exercício a que alude o artigo 1381º alínea a) 2ª parte do CC com a consequente exclusão do direito de preferência da autora de preferência da autora sobre a alienação do referido prédio.

  6. - Este é o cerne da questão que, muito para além do interesse da ora autora recorrente, será fundamental esclarecer o que se afigura suficiente para que a exceção da alínea a) do artigo 1381º (2ª parte) do Código Civil opere e que não represente um mero expediente para afastar o direito real de preferência a que alude o n. 1 do artigo 1380º do código civil.

  7. - Entende o acórdão da relação recorrido que o proprietário do prédio confinante deixa de gozar do direito de preferência, sempre que o adquirente do prédio sobre o qual se quer exercer esse direito, o destine a algum fim que não seja a cultura. O fim que releva, para efeitos de aplicação da mencionada exceção da alínea a) do art. 1381º do CC não é aquele a que o terreno esteja afetado à data da alienação, mas antes a que o adquirente pretenda dar-lhe.

  8. - Por outro lado, este fim não tem de constar necessariamente de escritura de alienação, podendo ser demonstrado por qualquer meio de prova.

  9. - Ainda acrescenta que incumbe o ónus dela a quem pretenda aproveitar-se da exceção e, por consequência, feita a prova do destino a outro fim, que não o da cultura, incumbe ao titular do direito de preferência o ónus de provar que a mudança de destino não é legalmente possível, que o destino não pode ser diferente do de cultura.

  10. - Atendendo ao conteúdo da al. a) do artº 1381º que se apresenta, um tanto ou quanto lacónico e sucinto e aproveitando o caso vertido, vem-se sedimentando o entendimento sobre a relevância jurídica desta questão, apresentando-se como autónoma, pela controvérsia que tem gerado na doutrina e na jurisprudência.

  11. - É nosso entendimento, também partilhado pela jurisprudência dominante, que para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art. 1381º do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afetação ou um outro destino que não a cultura mas também que a projetada mudança de destino seja permitida por lei.

  12. - É necessário que – sob pena de se defraudar a intenção do legislador – o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois “se assim não fosse ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o...

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