Acórdão nº 982/20.6T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARROCA PENHA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO J. M.

e mulher M. L.

intentaram a presente ação declarativa comum contra Quinta X, S.A.

e Y Construções, S.A.

, pedindo: “a) serem as RR. condenadas a reconhecer o direito de preferência que assiste aos AA. na transmissão do prédio rústico, denominado Bouça, sito no Lugar …, freguesia e concelho de …., com a área de 5.415,8 m2, descrito na CRP de … sob o nº ...

/...

e inscrito na matriz predial rústica com o artº ...

º, nos termos e condições constantes da escritura pública outorgada no dia 21/05/2016, no Cartório Notarial de Viseu; b) Ser a 1ª Ré substituída pelos AA. na posição que aquela detinha na transmissão do prédio melhor descrito em a) formalizada pela escritura pública outorgada no dia 21/05/2016, no Cartório Notarial de Viseu; c) Ordenar-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que tenham sido efectuados em virtude da transmissão/alienação operada pela já aludida escritura pública de 21/05/2016 e relativo ao supra identificado prédio em a) do presente petitório, nomeadamente, o registo efectuado a favor da 1ª Ré constante da Ap. 3581 de 2016/04/19 (…)” Para tanto, alegam, em síntese, que são proprietários do prédio rústico sito na freguesia de ...

, concelho de ...

, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

e inscrito na matriz predial sob o artigo ...

.º, e que esse imóvel confina com o prédio rústico sito na mesma freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

e inscrito na matriz predial sob o artigo ...

.º, possuindo os dois imóveis área inferior à unidade de cultura.

Sucede que este último prédio foi vendido em 21.05.2016 pela ré Y Construções S.A. à ré Quinta X, S.A., pelo montante de € 1.231,60, sem que tivesse sido previamente comunicada tal alienação aos autores, motivo pelo qual se mostra violado o direito de preferência conferido pelo n.º 1 do artigo 1380.º, do C. Civil.

As sociedades rés apresentaram contestação, na qual refutaram que estejam verificados os pressupostos positivos e negativos de que depende o reconhecimento do direito de preferência invocado.

A ré Quinta X, S.A. deduziu pedido reconvencional, de forma subsidiária, pretendendo a condenação dos autores no pagamento do montante de € 16.000,00, correspondente ao valor das benfeitorias que terá realizado no imóvel, sustentando ainda que tal direito de crédito goza de direito de retenção. Por outro lado, foi pedida a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Os autores replicaram, na qual reiteraram a posição sufragada na petição inicial e impugnaram a alegação das rés atinente à instância reconvencional subsidiária. Por outro lado, também peticionam a condenação da parte contrária como litigante de má fé.

Na sequência, uma vez dispensada a realização da audiência prévia e admitido o pedido reconvencional formulado, foi proferida sentença, na qual se pode ler, na sua parte decisória, o seguinte: “Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa, sob a forma de processo comum, decide-se:

  1. Julgar improcedentes os pedidos formulados pelos autores J. M. e M. L. contra as rés QUINTA X, S.A. e Y CONSTRUÇÕES, S.A., os quais se absolve em conformidade de tais pretensões; b) Absolver os autores J. M. e M. L. do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelas rés QUINTA X, S.A. e Y CONSTRUÇÕES, S.A.; c) Absolver as rés QUINTA X, S.A. e Y CONSTRUÇÕES, S.A. do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelos autores J. M. e M. L.; d) Condenar os autores J. M. e M. L. no pagamento das custas processuais – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

  2. Condenar os autores J. M. e M. L. nas custas do incidente de litigância de má fé que desencadearam, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C. – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P.

  3. Condenar as rés QUINTA X, S.A. e Y CONSTRUÇÕES, S.A. nas custas do incidente de litigância de má fé que desencadearam, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C. – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P.

” Inconformados com o assim decidido, vieram os autores interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES A. Os AA. Recorrentes tomaram conhecimento no mês de Março de 2020 de que o prédio confrontante com o seu e que pertencia à 1ª Ré/Recorrida tinha sido transmitido à 2ª Ré, sem que para tal lhe tivesse sido comunicado o projeto de venda e, em conformidade, permitido exercer o direito de preferência, tendo tido necessidade de, para fazer valer este seu direito previsto no artigo 1380.º n.º 1 do Código Civil, recorrer à via judicial.

  1. A Recorrida Y Construções, S.A. em 21/05/2016, transmitiu a favor da Recorrida Quinta X, S.A., a propriedade do prédio rústico, sito na Freguesia de ...

    , Concelho de ...

    , descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

    e inscrito na matriz predial sob o artigo ...

    .º, o qual, é confinante com o prédio rústico sito naquela freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

    e inscrito na matriz predial sob o artigo ...

    .º, propriedade dos aqui Recorrentes.

  2. Considerou o tribunal recorrido que, o exercício do direito de preferência a exercer pelos AA., exige que “o prédio sujeito à prelação tenha sido transmitido por venda ou dação em pagamento,” o que, não sucedeu in casu, uma vez que, a propriedade de tal prédio, objeto de preferência, foi transmitido através de uma entrada em espécie.”.

  3. Ora, é com este raciocínio que os recorrentes não concordam e que pretendem superiormente sindicar por este venerando Tribunal.

  4. A situação relatada nos autos é suscetível de poder ser enquadrada e juridicamente entendida como uma verdadeira dação em pagamento e até como uma compra e venda.

  5. A 1ª Ré Y Construções, SA para comprar ações de uma outra sociedade, a 2ª Ré Quinta X, …, transmitiu a esta, entre outros, um prédio rústico que foi avaliado pelo preço de € 1.231,60 melhor identificado no ponto 4 da matéria de facto dada como provada.

  6. Ao invés de entregar em numerário o valor das ações que pretendia subscrever do capital da 2ª Ré/Recorrida, a 1ª Ré/Recorrida fez avaliar vários prédios que lhe pertenciam e pelo valor correspondente da respetiva avaliação subscreveu ações no mesmo valor da sociedade 2ª Ré.

  7. Ora, a propriedade do prédio aqui em apreço melhor identificado no ponto 4 da matéria de faco dada como provada, foi transmitida a favor da 2ª Ré Quinta X, SA por contrapartida da obrigação de realização do valor do capital determinado e verdadeiramente em dação em pagamento pelo valor das ações ou do capital social subscrito.

    I. A dação em pagamento ou dação em cumprimento é uma causa de extinção das obrigações para além do cumprimento que ocorre quando o devedor realiza uma prestação diferente daquela que ficou acordada, com o assentimento do credor.

  8. O que ocorreu no caso concreto é que para subscrever um determinado valor de capital da Ré Quinta X, S.A., no caso sub iudice e no que respeita ao prédio invocado na p.i., do montante de € 1.231,60, a 1ª Ré transmitiu a favor da 2ª Ré a propriedade de um prédio que lhe pertencia, cumprindo desta forma a extinção da sua obrigação e com a aceitação da credora, manifestada na assembleia de 30-03-2016 em que deliberou proceder ao aumento do capital social no montante de 16.700€ mediante a emissão de 16.000 ações no valor nominal de 1,00€ por entrada em espécie, corroborada posteriormente com a celebração da escritura pública.

  9. É inegável que no caso sub iudice, entre a 1ª e a 2ª RR., aqui recorridas, o que ocorreu foi uma verdadeira dação em cumprimento em que ao invés de efetuar a sua subscrição de capital em numerário, a 1º Ré fez extinguir esta sua obrigação com a dação em cumprimento (datio in solutum) a favor da 2ª Ré com a transmissão, entre outros, do prédio confinante com o prédio dos AA./Recorrentes, situação esta perfeitamente admissível do ponto de vista legal (art.º 837 do C.C.) e que o credor aceitou ao efetuar a deliberação e 30-03-2016 e ao celebrar a respetiva escritura pública.

    L. Tendo a 1ª Ré transmitido a propriedade do seu prédio a favor da 2ª Ré através da dação em cumprimento, é manifesto que os AA., na qualidade de proprietários confinantes, gozam do direito de preferência legalmente consagrado no art.º 1830, nº 1, do Código Civil.

  10. Acresce que, e sem prescindir, é entendimento dos Recorrentes que a situação em apreço nos autos cabe perfeitamente e da mesma forma num conceito não restritivo de compra e venda.

  11. A compra e venda vem definida pelo artigo 874.º do Código Civil como o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço.

  12. Segundo Agostinho Guedes e Vaz Serra, em “Obrigações de preferência”, no âmbito da venda, para efeitos de preferência, por via da interpretação extensiva, poderão também ser incluídos outros negócios jurídicos que consubstanciam a alienação de um bem mediante uma contrapartida em dinheiro, de forma direta ou indireta, independentemente da sua qualificação jurídica.

  13. A Recorrida Y Construções, S.A. com vista à subscrição de capital social de uma outra empresa, transmitiu-lhe a propriedade de um prédio rústico, outorgando a competente escritura pública em 21/05/2016.

  14. Pese embora a subscrição do capital tenha sido efetuada em espécie, a mesma traduziu-se num valor, necessariamente determinado por um ROC e ao qual correspondeu um determinado montante de capital social.

  15. O que ocorreu no caso sub iudice, foi que a Ré Y Construções, S.A., subscreveu um determinado valor de capital da Recorrida Quinta X, S.A., pelo montante total de € 16.700,00 (correspondente a 16.700 ações ao portador, no valor nominal de € 1,00) através da transmissão da propriedade de vários prédios para esta sociedade, entre os quais, o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...

    .º- cfr artigo 4º dos factos provados, o qual confina com um prédio dos Recorrentes.

  16. Segundo Vaz Serra, a entrada...

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