Acórdão nº 3282/17.5T8STB.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC 3282/17.5 T8STB.E2.S1 6ª SECÇÃO ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I AA e BB, instauraram contra CC, DD, EE e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, acção declarativa constitutiva com vista a exercerem o seu direito a preferir na compra que a primeira Ré fez aos segundos tendo por objecto o prédio misto que identificaram e sobre o qual se mostra registada hipoteca a favor da terceira Ré.

Para tanto alegaram que são os donos do prédio denominado ..., sito na freguesia de ..., concelho ..., o qual confina do Nascente com o prédio vendido, um e outro com área inferior à unidade de cultura para a zona, o que lhes confere direito de preferência nos termos consagrados no art.º 1380.º do CC, disposição legal que expressamente convocaram.

Os Réus contestaram.

A Ré CGD impugnou que o prédio de que os Autores se arrogam titulares do direito de propriedade confine com o prédio vendido, donde não lhes assistir direito a preferir na venda; cautelarmente, e prevenindo a possibilidade de a acção vir a ser julgada procedente, ficando sem efeito a hipoteca que garante o crédito concedido aos RR adquirentes, formulou pedido reconvencional pedindo que o preço depositado lhe fosse entregue até ao valor que se encontrar em dívida à data da prolação da decisão.

Os restantes Réus ofereceram contestação conjunta, invocando a excepção dilatória da ilegitimidade activa, por se encontrarem os demandantes desacompanhados dos restantes comproprietários e demais herdeiros dos prédios denominados “...” e “...”, de que alegaram ser comproprietários e que seriam igualmente confinantes com o prédio alienado; em sede de impugnação, alegaram que entre o prédio vendido e aquele de que os Autores se dizem proprietários em exclusivo existe um caminho público, não sendo portanto confinantes, outro tanto sucedendo com aqueles de que se arrogam comproprietários e herdeiros. Acrescentaram que os demandantes exploram uma unidade agrícola formada pelos aludidos três prédios, perfazendo uma área superior à unidade de cultura fixada para a região pelo que, também com este fundamento, não lhes assiste o direito a preferir na venda efectuada.

Mais alegaram o facto de terem adquirido o prédio para nele implantarem um projecto de turismo rural, tendo já encetado diversas diligências tendo em vista tal diversa afectação, o que constitui impedimento ao exercício de eventual direito de preferência que, no caso vertente, sempre seria abusivo, abuso de direito que também excepcionaram. Invocaram finalmente a excepção da insuficiência do depósito efectuado, por não incluir a totalidade das despesas suportadas pelos adquirentes.

Prevenindo a eventualidade da acção vir a ser julgada procedente, deduziram os segundos Réus pedido reconvencional, pedindo a condenação dos Autores a pagar-lhes a quantia de €7.874,00, valor das despesas realizadas no prédio, e ainda na quantia que vierem a despender em manutenção e conservação do mesmo, a apurar em liquidação de sentença, mais pedindo o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel até integral e efectivo pagamento das quantias peticionadas.

Replicaram os Autores e, tendo-se pronunciado no sentido de não ser admissível o pedido formulado pela CGD, concluíram pela improcedência do mesmo, caso venha a ser admitido, outro tanto devendo suceder com o deduzido pelos reconvintes DD e mulher.

Notificados para se pronunciarem sobre a matéria das excepções, os Autores ofereceram réplica, na qual reafirmaram que o prédio alienado, não obstante a existência no local de um caminho rural, confina com o prédio de que são proprietários. Acrescentaram que, independentemente da qualificação que ao mesmo caminho caiba, não sendo impeditivo da exploração unitária dos dois prédios como se de apenas um se tratasse, não constitui obstáculo à preferência.

No tocante à excepção da ilegitimidade, esclareceram que fundam o direito que pretendem exercitar apenas na sua qualidade de donos em exclusivo do prédio confinante denominado ..., pelo que deve ser julgada improcedente, juízo de improcedência que entendem dever estender-se às demais excepções arguidas pelos contestantes. Dispensada a realização da audiência prévia foi proferido despacho a rejeitar o pedido reconvencional formulado pela CGD, tendo sido admitido o deduzido pelos Réus DD e mulher.

Em sede de saneamento do processo foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade activa e da insuficiência do depósito efectuado.

De seguida, foi proferida decisão a decretar a improcedência da acção, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos formulados, resultando prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.

Do assim decidido recorreram os Autores, vindo a ser proferido o Acórdão de 6 de Dezembro de 2018 (fls. 251-264) que, revogando o saneador sentença proferido, determinou o prosseguimento dos autos.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «a) julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu o direito dos AA a preferirem na compra do prédio misto denominado "...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... - freguesia de ..., sob o número n.º ... e inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art.º ... da Secção ... e na matriz urbana também da mesma freguesia sob o artigo ..., substituindo aos 2.º e 3.º Réus no contrato de compra e venda titulado no procedimento constante de fls. 15 a 17, ficando o prédio a pertencer-lhes, mediante a entrega do valor de 112.940,00 aos mencionados compradores, devendo estes entregarem o prédio aos AA. desocupado; b) determinou, relativamente ao mesmo prédio, o cancelamento da ap. ...53, de 21.02.2017 (14:54:57), a favor de DD e EE; c) determinou o cancelamento da Ap. ...83, de 21.02.2017 (15:09:42), a favor da Caixa Geral de Depósitos, absolvendo os RR do demais peticionado; d) julgou improcedente por não provado o pedido reconvencional formulado pelos aludidos RR, dele absolvendo os AA.

» Inconformados, apelaram os Réus, tendo o recurso sido julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida e a consequente absolvição do Réus do pedido contra eles formulado.

Irresignados recorrem agora os Autores, apresentando o seguinte acervo conclusivo: «[I –] O presente recurso de Revista é interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação ... que julgou o recurso de Apelação procedente, revogando a sentença recorrida, julgando improcedente a acção e absolvendo os Réus dos pedidos, assim pondo termo ao processo, decisão com a qual os recorrentes não se conformam; II - O recurso de Apelação interposto pelos ora recorridos teve como fundamento não apenas a matéria de Direito, como a reapreciação dos factos julgados como provados nos pontos 6a), 11a), 15 e 27 dos factos provados e da matéria julgada como não provada em C), D) e K), sendo que na presente Revista está apenas em causa, quanto à matéria de facto, a nulidade do julgamento efectuado quanto aos factos 15º e 27º, por contradição manifesta entre a fundamentação do julgamento efectuado e a decisão de tais pontos, o que determina a nulidade do Acórdão, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), aplicável ex vi artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil; III – A alteração efectuada pela decisão recorrida ao facto julgado como provado em 27º (“O caminho aludido em 11a) existe desde tempos imemoriais, permitindo o acesso aos diversos “montes” existentes nas proximidades dos prédios denominados “...” e “...”, assegurando a ligação ao ..., por ele se fazendo também o acesso à escola primária, sendo utilizado por quem quer que ali pretendesse deslocar-se”) não está de acordo e é contraditória com a fundamentação utilizada pela decisão; IV - Na fundamentação, a decisão recorrida refere, designadamente, que o caminho não é utilizado actualmente de forma alargada, desde há muitos anos, coincidindo com a conclusão da “via rápida”; antes disso, foi via de acesso a todos os montes ali existentes, servindo as gentes que neles residiam, assegurando a ligação desde ... até ao lugar do ..., onde se situava a antiga escola, permitindo o transido de pessoas e animais e, posteriormente, de tractores e máquinas agrícolas; ainda hoje, embora esporadicamente, ocorre tal utilização por tractores e máquinas agrícolas; V – Refere ainda a decisão, na fundamentação, que em razão da conclusão do ... – sendo certo que antes dele existia já uma outra estrada, “a estrada do ...” -, a utilização do acesso passou a ser meramente residual, atendendo, para além do mais, ao progressivo abandono dos montes da zona; VI– E ainda que a realidade é hoje, e desde há já alguns anos, coincidindo com a conclusão do ..., uma outra, completamente diferente: os montes foram sendo progressivamente abandonados, neles não residindo actualmente ninguém para além dos próprios Autores (e eventualmente de um outro indivíduo, que ocupa um monte próximo, a que algumas testemunhas fizeram alusão), a antiga escola primária foi desactivada, sendo hoje meramente residual e quase exclusivamente rural a utilização que do aludido caminho é feita, como resulta do facto assente em 22º; VII - Não é, por isso, compreensível de que forma o Tribunal da Relação conclui, na alteração ao facto 27º que efectuou, que o caminho permite o acesso aos diversos “montes” existentes nas proximidades dos prédios denominados “...” e “...”, assegura a ligação ao ..., serve para acesso à escola primária e é utilizado por quem quer que ali pretenda deslocar-se, conclusões que são contraditórias com a fundamentação; VIII- Para julgar tal facto de acordo com aprova produzida e de acordo com a sua própria convicção, o Tribunal da Relação teria que ter especificado que a utilização do caminho naqueles termos apenas aconteceu até à construção do ... há muitos anos atrás, pois que desde então não reside ninguém na zona, a escola primária há muito está desactivada (está nos autos, aliás, a prova fotográfica de que não passa de uma ruína abandonada) e a única utilização do caminho é esporádica...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT