Acórdão nº 944/16.8T8VRL.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra BB.

Pediu a condenação do réu a: a- reconhecer o direito de propriedade daquela sobre a totalidade do imóvel identificado no artigo 3º da petição inicial; b- a abandonar tal imóvel, restituindo-o à Autora, livre de pessoas, incluindo o próprio réu, e de coisas que sejam propriedade daquele; e c- a pagar-lhe até que tal restituição se verifique, a importância de dez euros diários.

Como fundamento, alegou que é exclusiva proprietária do prédio urbano que identifica, que adveio à sua posse por aquisição através de doação e que se mostra registado a seu favor; O réu, sem que para isso disponha de qualquer título legal, vem ocupando uma parte do imóvel em causa, sem autorização e contra a vontade desta.

O réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Invocou o enriquecimento sem causa da autora, com quem viveu em união de facto, pretendendo o reembolso da quantia que despendeu nas obras realizadas naquele imóvel, para o tornar habitável, e, bem assim, o valor de valorização deste; Invocou o direito de retenção sobre aquele imóvel enquanto a autora não o reembolsar da quantia despendida e do valor de valorização do imóvel.

No mais, impugnou parte da factualidade aduzida pela autora.

Concluiu pela improcedência da acção.

E pediu em reconvenção que se: a) declare judicialmente a união de facto entre a autora e o réu; b) condene a autora a restituir e pagar ao réu o valor total de € 54.980,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento; c) declare que o Réu goza do direito de retenção do imóvel, enquanto não for pago do crédito que detém sobre a Autora, o que esta deve ser condenada a reconhecer.

A Autora replicou, invocando a ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir e arguiu a excepção de prescrição do direito que o réu vem exercer nos autos, com fundamento no enriquecimento sem causa; Impugnou parte da factualidade alegada pelo réu e invocou, por sua vez, que o Réu é que está enriquecido à custa daquela, quer por ter vivido gratuitamente no imóvel em causa ao longo de anos, quer por ter beneficiado dos trabalhos domésticos prestados pela Autora.

Concluiu pela improcedência do pedido reconvencional e como na petição inicial.

Foi admitida a reconvenção.

No saneador, foi julgada improcedente a ineptidão da reconvenção, relegando-se para a sentença final o conhecimento da excepção da prescrição.

Após a realização do julgamento, foi proferida sentença com este dispositivo: 1- Julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente:

  1. Condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre a totalidade do imóvel identificado no artigo 3º da petição inicial. b) Condeno o réu a abandonar tal imóvel, restituindo-o à autora, livre de pessoas, incluindo o próprio réu, e de coisas que sejam propriedade dele réu, com a ressalva de que essa restituição apenas terá que ter lugar quando a autora pagar ao réu a quantia fixada na reconvenção.

  2. Condeno o réu a pagar à autora, até que tal restituição se verifique, a importância de quatro euros diários, a contar do dia seguinte ao do pagamento pela autora da quantia fixada na decisão da reconvenção.

  3. Absolvo o réu do demais peticionado.

    2- Julgo também apenas parcialmente procedente a reconvenção, pelo que:

  4. Declaro judicialmente a união de facto entre a autora e o réu.

  5. Condeno a autora a restituir e pagar ao réu o valor total de € 11.000,00 (onze mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral e efectivo pagamento.

  6. Declaro que o réu goza do direito de retenção do imóvel, enquanto não for pago do crédito sobre a autora, o que condeno a autora a reconhecer.

    3- Custas da acção a cargo de autora e réu, na proporção de ¼ e ¾, respectivamente, e da reconvenção a cargo do reconvinte e da reconvinda, na proporção de metade para cada um.

    Discordando desta decisão, a autora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

    Ainda inconformada, a autora veio pedir revista excepcional, que foi admitida, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 18. Padecem a sentença de 1ª instância e o acórdão sob recurso, que a confirmou, de erros de julgamento, consistentes em erros de direito, alguns dos quais justificam, por si só, isto é, mantendo-se a matéria de facto, tal como ela foi fixada na sentença de 1ª instância, e igualmente no acórdão sob recurso, a anulação da parte desfavorável à recorrente da sentença de 1ª instância, igualmente do acórdão que confirmou tal sentença, conduzindo os outros a uma alteração dessas duas decisões.

    1. Erros estes que são fundamentalmente quatro, que, já de seguida, se vão desenvolver e que consistem na errada aplicação (1) do enriquecimento sem causa, (2) da prescrição, (3) do direito de retenção e (4) da repartição das custas da reconvenção.

    2. Na verdade, desde logo, refira-se, como se refere, que a Meritíssima Juíza de 1ª instância, bem como os Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, para condenarem a autora naquilo em que a condenaram, maxime no pagamento ao réu da importância de 11.000,00 euros, acrescida dos respetivos juros, fundaram-se no instituto do enriquecimento sem causa, previsto e regulado nos artigos 473.° a 482.°, todos do CC, figura esta que exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (1) a existência de um enriquecimento, (2) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, (3) e a falta de causa justificativa para ele.

    3. Sendo certo que, no caso ajuizado, e mesmo dando de barato, sem contudo conceder que assim tenha sido, que, dos três pressupostos do enriquecimento sem causa atrás referidos, ficou provado que se verificaram os dois primeiros, ou seja, que a autora se enriqueceu à custa do réu, em 11.000,00 euros, o certo é que, para haver lugar ao enriquecimento sem causa, mister era também que o empobrecido, isto é, no caso o réu, provasse que efetuou a prestação, cuja repetição pretende, em função de uma causa, que aqui era a continuação e a subsistência da vida em comum, com quem ele esteve unido de facto, ou seja, a autora, e que essa causa cessou.

    4. Ora, no caso sub iudicio, muito embora conste, como consta, dos factos provados, que a autora e o réu viveram, durante muitos anos, em união de facto, e que essa união de facto cessou em maio de 2013, de tais factos provados não consta, minimamente que seja, que o réu tenha pago os 11.000,00 euros em causa nestes autos, atinentes a obras realizadas no imóvel, propriedade da autora, onde ambos viviam em união de facto, no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto, que teve com a autora.

    5. Não consta, nem, em boa verdade, podia constar, não só porque sobre esse facto não recaiu qualquer prova, a qual, e sendo esse facto, como é, constitutivo do direito do réu, a este incumbia (artigo 342.°-1, do CC), mas também porque ele não foi sequer alegado, alegação esta que também incumbia ao réu (artigo 5.°-1, do CPC).

    6. Falta de alegação do réu essa que sempre seria impeditiva que esse facto pudesse ser levado em consideração nestes autos, ainda que a existência dele estivesse, que não está, nos mesmos autos provada (artigo 5.°-2, do CPC).

    7. Nunca podendo pois o facto em causa, ou seja, ter o réu pago os 11.000,00 euros em causa, no pressuposto, que entretanto desapareceu, da continuação e subsistência da união de facto, que teve com a autora, ainda que ele estivesse, que não está, provado nos autos, ser, por falta da respetiva alegação, tomado nos mesmos autos, em consideração, por a isso se opor, como a isso se opõe, o artigo 5.°-2, do CPC.

    8. E, na ausência desse pressuposto do enriquecimento sem causa, não pode o mesmo, e ainda que se verificassem, que não se verificam, os restantes dois pressupostos da figura jurídica em questão, ser aplicado no âmbito destes autos, nem, em consequência, ter sido, como foi, a autora condenada a pagar ao réu a importância de 11.000,00 euros, naquilo que constitui o primeiro erro de direito de que sofre a sentença apelada, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que a confirmou, erro esse que deverá levar à anulação desse acórdão (artigo 639.°-1, do CPC).

    9. De qualquer forma, mesmo que no caso em análise se verificassem, que não se verificam, os três atrás referidos pressupostos do enriquecimento sem causa, por parte da autora à custa do réu, o certo é que o direito do réu a obter a restituição da importância, com que a autora, à custa dele, se teria, na hipótese teórica e dialética colocada, enriquecido, e fosse tal importância, a de 11.000,00 euros, que consta da sentença apelada, fosse ela a de 54.980,00 euros, peticionada na reconvenção, já teria prescrito, quando a reconvenção foi apresentada em tribunal no dia 11 de julho de 2016.

        28. E isto, porque tal prescrição, é, nos termos do artigo 482.°, do CC, de 3 anos, a contar da data em que o credor, no caso o réu, teve conhecimento do direito que lhe compete, e da pessoa do responsável, conhecimento esse que, no caso em análise, o réu teve, não quando foi, em 09 de junho de 2016, citado para a presente ação, como se pretende na sentença sob recurso, e no acórdão que a...

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