Acórdão nº 2052/18.8T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA DÁ MESQUITA
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

BB, ré na ação declarativa de condenação, com processo comum, que lhe foi movida por CC interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Portimão, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou a ação parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de treze mil, cento e dez euros (13.110,00 €), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

O autor pedira na ação a condenação da ré a restituir-lhe a quantia global de 56.930,00€ correspondente ao enriquecimento da segunda e consequente empobrecimento do primeiro, acrescida de juros de mora à taxa legal, e vincendos desde a citação e até integral pagamento.

Para fundamentar a ação, o autor havia alegado que viveu com a ré, em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de 24 anos e até julho de 2017 e que durante o referido período praticamente foi ele quem contribuiu para os encargos da vida familiar, considerando a diferença de rendimentos entre autor e ré; por acordo de ambos, aquela procurou e comprou, em compropriedade, um apartamento destinado a habitação própria e permanente de ambos, tendo inclusive o autor outorgado uma procuração a favor da ré para esta o representar na compra do imóvel e para a constituição de um mútuo bancário para a aquisição do imóvel, a qual a ré nunca usou; em 24.08.1999, a ré adquiriu, por compra, a fração autónoma designada pelas letras “AP” correspondente ao … andar C, destinada a habitação do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito em S. …, freguesia e concelho de Portimão, designado por lote …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz sob o art. … e, em 31 de agosto de 2004 e contraiu um mútuo bancário junto do Banco Comercial Português, SA, no montante de 48.650,60 €, para efeitos de transferência do mútuo que lhe foi concedido por outra instituição de crédito e que teve a finalidade de aquisição da fração autónoma supra descrita; só em julho de 2017 quando deixou de coabitar com a ré é que o autor tomou conhecimento que aquela fração autónoma tinha sido adquirida apenas pela ré apesar de as prestações do mútuo terem sido por si pagas entre o mês de março de 2009 e julho de 2017, através de transferências bancárias que ascenderam ao montante global de 56.930,00 €.

Citada, a ré contestou por impugnação, sustentando que o autor nunca quis adquirir o imóvel em compropriedade, nunca outorgou a procuração que refere no seu articulado inicial, sabia que a escritura fora outorgada exclusivamente pela ré e que as transferências efetuadas pelo autor se destinavam ao pagamento das várias despesas do agregado familiar e de dívidas contraídas pelo autor resultantes da aquisição de dois veículos automóveis.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o valor da ação e elaborado despacho saneador.

Realizou-se a audiência final, finda a qual foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.

A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1. Entende a ora Recorrente, face aos elementos que foram trazidos ao conhecimento do Tribunal “a quo”, bem como à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, que o mesmo tribunal deveria ter absolvido a Ré do pedido formulado pelo Autor; 2. O A. pretendia o reconhecimento da existência de um crédito relativamente à R., no montante de € 56.930,00, valor que o mesmo transferiu para a conta da Ré ao longo dos anos em que existiu vivencia em comum, considerando existir enriquecimento sem causa da R., uma vez cessada a comunhão; 3. Não pode a Ré concordar com a aplicação do instituto invocado pelo Autor, desde logo, 4. A Ré continua a proceder ao pagamento do imóvel que adquiriu e cujo valor é de € 58.150,00; 5. No dia 31 de Agosto de 2004, a Ré contraiu um mútuo bancário, no valor de € 48.650,60, para efeitos de transferência do mútuo que lhe foi concedido por outra instituição de crédito.

  1. Não está demonstrado o enriquecimento da Recorrente e, concomitantemente, o empobrecimento do Recorrido.

  2. A ter existido qualquer enriquecimento no montante peticionado pelo Autor, o que não se admite, o imóvel já teria sido pago na totalidade; 8. As contribuições do A. constituíram normais contributos para o sustento do agregado familiar constituído por ambos, cujas despesas excediam o mero pagamento das prestações do imóvel; 9. Durante vários anos foi a Ré quem providenciou, sozinha, pelo sustento do agregado familiar e suportava todas as despesas, face à situação de desemprego em que o Autor se encontrava; 10. A comparticipação dos elementos da união de facto para os gastos do dia-a-dia tem de ser vista como a participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos; 11. As referidas contribuições do Autor consubstanciam um cumprimento espontâneo de uma obrigação natural, insuscetível de ser repetido, não conferindo como tal qualquer direito à restituição do respetivo valor ou à compensação do mesmo por qualquer outra forma.

  3. A união de facto é uma forma de estar em família, devendo entender-se que as despesas normais e correntes de quem vive, embora “informalmente”, a “plena comunhão de vida”, de que fala o art.º 1577.º do CC, não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do art.º 476.º do CC.

  4. Connosco o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 2847/14.1TBBRG.G1, de 09/06/2016 (Relator Francisco Xavier), ao referir que “É uniformemente entendido, que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa.” (Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, pág. 179; Vaz Serra, BMJ nº 81, pág. 56).

  5. Para que exista enriquecimento sem causa é, pois, necessário que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: (i) que alguém obtenha um enriquecimento, (ii) à custa de outrem e (iii) que o enriquecimento não tenha causa justificativa; 15. Sendo certo que o primeiro requisito consiste, pois, na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, traduzindo-se por regra num aumento do ativo patrimonial e, o último, exige uma correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento, no sentido de que a vantagem patrimonial alcançada por um sujeito resulte do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro; 16. Não podemos pois concordar, por não ter ficado provado, que o Autor tenha contribuído em dinheiro para aquisição do bem, pois o que se verificou foi a sua contribuição para a generalidade das despesas domésticas e familiares que até dada altura eram unicamente suportadas pela Ré, nas quais se incluíam necessariamente as despesas com a habitação que constituía a casa de morada de família de ambos; 17. No caso concreto não existe qualquer enriquecimento sem causa, pois na verdade as despesas realizadas no desenrolar da vida de casal, e que constituem a base económica imprescindível para a sua concreta subsistência, não são exigíveis da parte de quem as realizou, livre e voluntariamente; 18. Importa ainda salientar que, no caso concreto, o imóvel foi adquirido pela Ré em 1999, e o Autor apenas começou a contribuir ativamente para as despesas do agregado em finais de 2009; 19. Diferente situação seria se os pagamentos por parte do Autor tivessem sido constantes desde a data de aquisição do imóvel, e nesta data o mesmo se encontrasse pago às custas do Autor, o que não ocorre; 20. Pelo que deve ser a decisão do Tribunal “a quo” revogada, substituída por outra que absolva a Ré do pedido formulado pelo Autor.

TERMOS EM QUE e nos melhores de Direito e que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a...

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