Acórdão nº 1994/15.7T9VFX-AQ de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução10 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROCESSO nº 1994/15.7T9VFX-AQ.

REQUERENTE. AA.

  1. RELATÓRIO.

    Por estimar ter sido excedido o prazo da medida coactiva de prisão preventiva a que se encontra sujeito, o arguido AA, requer/peticiona a providência especial e extraordinária de habeas corpus, para o que alinha como fundamentos (i) foi detido no dia 30 de Maio de 2017 e está preso, preventivamente, por despacho datado de 02 de Junho de 2017 (ii) foi condenado em primeira (1ª) instância pela prática, em autoria material e em concurso efectivo de a) um (1) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão e m cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenam o mesmo arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão; (iii) do recurso interposto da decisão condenatória de primeira (1ª) resultou a anulação da decisão condenatória, por carência/ausência de fundamentação da decisão de facto; (iv) “os prazos máximos da prisão preventiva previstos nos artigos 215º, nºs 1, al. c) e nºs 2 do Cód. Proc. Penal, foram atingidos no pretérito dia 30 de Novembro de 2018, em virtude de não ter havido condenação” (sic).

    Na informação a que alude o artigo 223º do Código de Processo Penal, o Senhor Juiz estima, na parte interessante, que (sic): “De acordo com o disposto no artigo 215°, nº l, alínea d), e nº2, do C.P.P., o prazo máximo de prisão preventiva é de um ano e seis meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância e de dois anos, sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

    Como se explicará, a nulidade do acórdão proferido em primeira instância não implica que se deva ficcionar Como se essa decisão nunca tivesse existido.

    Com efeito, como escreveu Maia Costa, (in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014), p.

    894, em anotação (4.) ao artigo 2150 deste diploma), "a anulação da sentença, ainda que total, não determina o reenvio (total ou parcial) para novo julgamento. Por isso, o prazo da prisão preventiva é o previsto na alínea d) do fl01. Com efeito mesmo quando total, a anulação ou o reenvio não determinam a irrelevância de toda a actividade processual desenvolvida, consequência que só o vício da inexistência envolveu. Nesse sentido, cita os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 404/2005 e 208/2006, do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/2003 (in Col. Jurisprudência, 2003, tomo II, pág. 178), de 29/04/2004 (in Col. Jurisprudência, 2004, tomo II, pág. 176) e de 14/05/2008 (in Col. Jurisprudência, 2008, tomo II, pág. 232).

    Deste modo, tendo em conta que não se trata de um acto inexistente, não se passa tudo como ele não existisse, pois ele teve existência, simplesmente não produz os seus efeitos Como acórdão condenatório, "in casu, mas a sua mera existência, permite o alargamento do prazo de prisão preventiva.

    Com efeito, a mera existência de acórdão proferido nestes autos tem como consequência processual o alargamento do prazo máximo de prisão preventiva uma vez que "o acto nulo, com efeito, não se confunde Com o acto inexistente, pois apesar da nulidade o acto foi praticado e existe, e apesar de não produzir ou poder produzir os efeitos que constituem a sua finalidade última, pode ter e tem outros efeitos processuais que decorrem da mera circunstância de ter sido produzido e que ocorrem no momento e em consequência directa da mera produção (Acórdão de 6 de Março de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. nº 7/14).

    Produziu, pois, O acórdão efeitos processuais pela simples razão de ter sido proferido, e, para o caso vertente, o de fazer passar o prazo de prisão preventiva para o campo de aplicação da alínea d) do nº 1 do art, 215º do Código de Processo Penal, constituindo-se e fixando-se esse efeito processo a partir desse momento, reordenando os prazos máximos de prisão preventiva fixados no citado artigo 215.

    Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/2/2015 (Proc. nº 153/12.5JELSB-C), "A produção do efeito para o futuro - a mudança de fase e de regra processual sobre a duração de prisão preventiva -não o é por isso, retroactivamente afectada pela anulação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de Agosto de 2014".

    É evidente que o prazo máximo de prisão preventiva aplicável nesta fase dos autos é o de dois anos, previsto no art. 215º, nº 1, alínea d) e nº 2 do Código de Processo Penal.

    Estabelece o artigo 193º, nº 1 do Código de Processo Penal que as medidas de coacção a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

    Nos termos das disposições combinadas dos arts. 193º e 202º do Código de Processo Penal, a prisão preventiva tem natureza excepcional e subsidiária, só podendo ser aplicada quando se insuficientes as outras medidas de coacção, donde que, de uma medida desta natureza só se verificará, se após o despacho que a determinou (com apreciação de todos os pressupostos) não ocorreram razões de facto ou de direito que a ponham em causa.

    Decorre ainda do art. 212º nº 3 do Código de Processo Penal que quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução." No caso vertente, não ocorreram quaisquer alterações nos factos e de direito que determinaram a prolação do despacho prisão preventiva ao arguido.

    A medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido continua a revelar-se absolutamente necessária, por não estarem atenuadas as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação mas, outrossim, reforçadas, com a prolação da acusação.

    Com efeito, compulsados os autos e os elementos probatórios entretanto recolhidos, mantêm-se as exigências cautelares que motivaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, reforçadas pela condenação em primeira instância, não obstante a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que impôs que seja suprido, no entender de tal aresto, o vício de falta de fundamentação, revelando-se tal medida adequada, exigível e proporcional à gravidade dos factos imputados, e da moldura da pena em que previsivelmente virá a ser em definitivo condenado.” I.a) – ENUNCIAÇÃO DA QUESTÃO INDUTORA DO PEDIDO.

    A questão tal como vem apresentada pelo requerente, atina com o exaurimento do prazo referido na alínea c) do artigo 215º do Código de Processo Penal, dado que o arguido foi julgado, com veredicto de condenação, por acórdão produzido pelo tribunal de 1ª instância, em 13 de Novembro de 2018, tendo esta decisão sido declarada nula pelo tribunal de recurso.

    Ancilar, e posposta da questão enunciada, enxerta-se a temática da repercussão da declaração de nulidade de uma decisão, por efeito de recurso, para verificação da “existência” de uma decisão condenatória exigida pela alínea c) do artigo 215º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

  2. – FUNDAMENTAÇÃO.

    II.a) – RECENSÃO PROCESSUAL COM INTERESSE PARA A SOLUÇÃO DO PROCEDIMENTO.

    Da certidão – constitui o traslado de acompanhamento da situação relativa à revisão das medidas de coacção – que foi mandada juntar na informação prestada pelo Senhor Juiz, recenseiam-se, com interesse para a decisão a prolatar os sequentes elementos: a) – auto de noticia elaborada pela Policia de Segurança Pública em que se relatam as diligências policiais tendentes à detenção de vários indivíduos, entre os quais o arguido AA, pelos factos descritos e explanados de fls. 2 a 11; b) auto de identificação/interrogatório de arguidos detidos presentes a primeiro interrogatório judicial entre os quais o identificado AA – cfr. fls. 12 vº do traslado – em que lhe são imputados os factos constantes de fls. 26 a 34 vº, que permitiu a indiciação referenciado arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho; e c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal – cfr. fls. 39; c) Imposição ao arguido AA das medidas de coacção de termo de identidade e residência; proibição de contactos com os restantes arguidos, consumidores e fornecedores de produtos estupefacientes e prisão preventiva, por decisão datada de 2 de Junho de 2017; d) despachos de reexame dos pressupostos que induziram a imposição das indicadas medidas de coacção – fls. 54 a 60; e) acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central de Loures – Juiz 1, de 13 de Novembro de 2018, em que se decidiu condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de a) um (1) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) um crime (1) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações, as mais recentes, introduzidas pela Lei nº 50/2013 de 24 de Julho, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão e m cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenam o mesmo arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão – fls. 67 a 159; f) acórdão do...

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