Acórdão nº 404/05 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução22 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 404/2005

Processo n.º 546/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    a. requereu, no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 222.º do Código de Processo Penal (CPP), a providência de habeas corpus, aduzindo, em suma, que, tendo sido detido à ordem do processo n.º 52/01 do Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória em 15 de Maio de 2002 e tendo-lhe sido aplicada, no termo do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, realizado no dia imediato, a medida de coacção de prisão preventiva, esta ultrapassou o prazo máximo de 3 anos “sem que tenha havido condenação em primeira instância”, estabelecido no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, aplicável atendendo ao crime em causa (crime de tráfico de estupefacientes) e a natureza do processo. Mais referiu o recorrente que considera ser irrelevante já ter sido condenado em 1.ª instância, nestes autos, primeiro por acórdão de 21 de Março de 2003 do Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória, e depois por acórdão de 15 de Abril de 2004 do mesmo Tribunal, uma vez que os recursos que interpôs dessas condenações obtiveram provimento, pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de, respectivamente, 27 de Novembro de 2003 e 3 de Março de 2005, que anularam os julgamentos e subsequentes decisões condenatórias e determinaram a realização de novas audiências de julgamento. Desde logo o requerente sustentou que interpretação diversa – isto é, interpretação que atribuísse relevância às condenações em 1.ª instância entretanto anuladas – seria inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, 28.º, n.º 4, e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    Por acórdão de 1 de Junho de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de habeas corpus formulado pelo ora recorrente, com a seguinte fundamentação:

    “II. Constam dos autos os seguintes elementos que interessam para a decisão da providência requerida:

    – O requerente encontra-se em prisão preventiva desde o dia 16 de Maio de 2002;

    – Foi deduzida acusação contra o requerente e demais arguidos, em 24 de Dezembro de 2002, tendo sido imputado àquele o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-A, anexa a esse diploma;

    – Os arguidos foram julgados e condenados por acórdão datado de 21 de Março de 2003;

    – Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão datado de 27 de Novembro de 2003, determinou a anulação do julgamento efectuado pelo tribunal colectivo;

    – Realizado novo julgamento, os [arguidos] foram condenados por acórdão datado de 15 de Abril de 2004, pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, sendo o requerente na pena de 6 anos de prisão;

    – Os arguidos A. e B. interpuseram recurso do referido acórdão;

    – Por acórdão de 3 de Março de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou o acórdão condenatório da 1.ª instância e determinou a repetição do julgamento.

    III. O requerente apoia sua petição de habeas corpus no excesso de prazo legal de 3 anos de prisão preventiva, dado que decorreram mais de [3] anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

    Para o caso interessa considerar fundamentalmente o disposto no artigo 215.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), 2, e 3, do Código de Processo Penal e no artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

    Estabelece o artigo 215.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 18 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância (alínea c)) e 2 anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado (alínea d)).

    Esses prazos são alargados para 3 e 4 anos, respectivamente, quando o procedimento for por crimes puníveis com prisão de máximo superior a 8 anos e se revelar de excepcional complexidade – n.º 3, referido ao n.º 2, do referido artigo 215.º.

    E, nos termos do artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/93, com a interpretação dada pelo acórdão de fixação de jurisprudência de 11 de Fevereiro de 2004, quando o procedimento se reporte a um dos crimes referidos no n.º 1 (tráfico de droga e outros), é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, sem necessidade de verificação e declaração judicial da excepcional complexidade do procedimento.

    Haveria assim havido excesso do prazo legal de 3 anos de prisão preventiva se tivessem decorrido mais de 3 anos sem que houvesse condenação em 1.ª instância.

    O que não ocorreu no caso, dado que a prisão preventiva se iniciou em 16 de Maio de 2002 e o requerente foi condenado em 1.ª instância em 21 de Março de 2003.

    É certo que esse julgamento veio a ser anulado em sede de recurso, mas daí não resulta uma regressão do processo à fase anterior. Na verdade, se em 21 de Março de 2003 o prazo de prisão preventiva passou a ser de 4 anos, não faz sentido que mais tarde, por decorrência da anulação do julgamento, se considere que afinal o prazo era de 3 anos.

    Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente, pelo que não se pode ignorar a realização daquele, ao menos para os efeitos do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

    Tem sido este o entendimento dominante neste Supremo Tribunal em casos análogos – acórdãos de 16 de Abril de 2004, Proc. n.º 1610/04, de 29 de Abril de 2004, Proc. n.º 1813/04, e de 9 de Dezembro de 2004, Proc. n.º 4535/04, entre outros.

    Estando assim em curso o prazo de prisão preventiva de 4 anos, não se extinguiu o prazo de prisão preventiva do requerente.

    Dado que o fundamento legal da petição de habeas corpus é a situação prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal – manter-se a prisão para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – forçoso é concluir que a prisão do requerente não é ilegal.

    IV. Pelo exposto, indeferem o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente A..”

    É deste acórdão que pelo requerente vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, 28.º, n.º 4, 30.º e 32.º, n.º 2, in fine, da CRP, da norma do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo máximo da prisão preventiva passa a ser de 4 anos quando em 1.ª instância tenha havido condenação, apesar de a mesma ter sido anulada por decisão do Tribunal da Relação.

    No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

    “1 – O aqui recorrente foi detido à ordem do processo à margem referenciado no dia 15 de Maio de 2002.

    2 – Em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar no passado dia 16 de Maio de 2002, foi aplicada ao aqui recorrente a mais grave medida de coacção em direito permitida: prisão preventiva.

    3 – O aqui recorrente foi notificado da douta acusação do Ministério Público e foi submetido a julgamento no Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória.

    4 – Por acórdão datado de 21 de Março de 2003 foi o aqui recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de sete anos de prisão.

    5 – Inconformado, o agora recorrente interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

    6 – Por acórdão datado de 27 de Novembro de 2003, a 9.ª Secção Criminal do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o julgamento de que resultou o acórdão recorrido e ordenou a repetição do julgamento.

    7 – Conforme acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa procedeu-se a novo julgamento.

    8 – Por acórdão datado de 15 de Abril de 2004 foi o aqui recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão.

    9 – Inconformado com o aliás mui douto acórdão, a 26 do mesmo mês e ano, interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

    10 – Por acórdão datado de 3 de Março do corrente ano, a 9.ª Secção Criminal do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o julgamento de que resultou o acórdão recorrido.

    11 – Concedendo provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, A., foi declarada nula a audiência de discussão e julgamento e subsequente sentença, ordenando-se, em consequência, a repetição da audiência de discussão e julgamento, com o mesmo colectivo e com observância do princípio do contraditório.

    12 – Passados mais de três anos o aqui recorrente mantém-se preso preventivamente.

    13 – In casu o prazo máximo de duração da prisão preventiva é o prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 215.° do Código de Processo Penal. A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido três anos sem que tenha havido condenação em primeira instância.

    14 – Ora, conforme melhor resulta dos autos, não há condenação em primeira instância.

    15 – No caso sub judice não se verifica o circunstancialismo do n.º 4 do artigo 215.° do Código de Processo Penal, nem o circunstancialismo do artigo 216.° do supra citado diploma legal.

    16 – É inconstitucional a norma do artigo 215.°, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3 do referido artigo do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que:

    O prazo máximo da prisão preventiva passa a ser de quatro anos, quando em primeira instância haja condenação...

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