Acórdão nº 208/06 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução22 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 208/2006 Processo nº 161/06 1ª Secção Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Supremo Tribunal, de 1 de Fevereiro de 2006.

    2. O Tribunal de Valença condenou o ora recorrente na pena única de onze anos e três meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples (artigo 131º do Código Penal), de um crime de detenção de arma ilegal (artigo 6º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho) e de um crime contra a preservação da fauna e espécies cinegéticas (artigo 30º, nº 1, da Lei da Caça).

      Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual foi julgado improcedente, nomeadamente porque se decidiu estar sanada a irregularidade cometida por falta de documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento. O ora recorrente interpôs, então, recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.

      Em 4 de Janeiro de 2006, este Tribunal, considerando procedente a arguição de irregularidade ocorrida durante a audiência de julgamento, acordou “em revogar a decisão sob recurso e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância, a fim de se proceder à documentação das declarações que, na economia do recurso do arguido A., impõem decisão diversa da recorrida, repetindo-se o julgamento”.

    3. Na sequência deste acórdão, o ora recorrente, preso preventivamente, requereu a libertação imediata, com fundamento nos artigos 215º, nºs 1, alínea a), e 2, e 217º, nº 1, do Código de Processo Penal, por entender esgotado o prazo máximo da prisão preventiva.

      Por despacho, de 16 de Janeiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir o requerido, por não se encontrar decorrido tal prazo, já que ao caso em apreço era aplicável o fixado no artigo 215º, nºs 1, alínea d), e 2, do Código de Processo Penal, e não, como pretendia o requerente, o prazo previsto na alínea c) do nº 1 deste artigo.

    4. O ora recorrente requereu, então, que sobre a matéria recaísse acórdão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça acordado, em conferência, em 1 de Fevereiro de 2006, ratificar o despacho do relator que indeferiu o requerimento de imediata libertação do arguido A., com os seguintes fundamentos:

      3.1 São sobejamente conhecidas as posições jurisprudenciais sobre o problema em causa.

      Nesse quadro, a simples leitura do teor do despacho faz ressaltar a evidência de que aí se não formula qualquer nova argumentação sobre o assunto, antes se assumindo a posição jurisprudencial que, de algum tempo a esta parte, concita acolhimento generalizado no Supremo e que, como se diz no despacho, ‘tem caução de constitucionalidade’.

      De modo paralelo, a posição defendida pelo arguido apoia-se, essencialmente, no argumentário de um dos votos de vencido, exarado naquele acórdão do Tribunal Constitucional que, precisamente, constituiu, na tese que fez vencimento, base adjuvante da fundamentação do despacho.

      Por isso, sem embargo da consideração que tais razões merecem, há que concluir que não são de molde a fazer inflectir o sentido da actual jurisprudência deste Tribunal.

      4. ‘Por mera cautela’, o arguido veio suscitar ‘a inconstitucionalidade da interpretação normativa que a decisão recorrida fez das alíneas c) e d) do n° 1 e também dos n° 2, 3 e 4 do artigo 215° do Código de Processo Penal, na parte em que remetem para elas, interpretadas no sentido de que na locução “... condenação em primeira instância ...” se podem incluir condenações já anuladas, por violação dos artigos 2°, 18°, n° 2, 27°, n° 1 e 3, 28°, n° 1 e 4, 32°, n° 1 e 2, todos da CRP.”

      Ora, para defender a conformidade constitucional de tais normativos, não foram avançadas, na presente decisão, outras razões para além daquelas que já constam do acórdão n.º 404/05, de 22.07.05, do Tribunal Constitucional. É de prever, por isso, que o arguido se não conforme com o decidido

      .

    5. Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, requerendo o recorrente a apreciação da «inconstitucionalidade das alíneas c) e d) do nº 1 e também dos nº 2, 3 e 4 do artigo 215º do CPP, na parte em que remetem para elas, quando interpretadas, como na decisão recorrida, no sentido de que na locução “... condenação em primeira instância ...” se podem incluir condenações já anuladas», por violação dos artigos 2°, 18°, nº 2, 27°, nºs 1 e 3, 28º, n°s 1 e 4, e 32°, n°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

    6. Notificado para alegar, o recorrente apresentou as seguintes alegações:

      1- O recorrente, cujo julgamento em primeira instância tem de ser repetido por não ter sido possível sindicar a matéria de facto que impugnara, por se ter perdido a gravação, está preso preventivamente há mais de dois anos.

      2- Segundo a decisão recorrida, no entanto, tal prisão preventiva deve manter-se por ao seu caso não ser aplicável a alínea c) mas a alínea d) do artigo 215° do CPP.

      3- Segundo a decisão recorrida na locução “... condenação em primeira instância;” da alínea c) do n° 1 do artigo 215 do CPP incluem-se condenações já anuladas face ao entendimento doutrinário, remetendo-se para os ensinamentos de Manuel de Andrade, que se diz ter ensinado que “...o acto nulo, embora não produza os efeitos que lhe são próprios, pode produzir efeitos laterais...” (Teoria Geral ..., vol II, 415).

      4- Antes de mais, clarifique-se que aquilo que o Professor Manuel A Domingues de Andrade ensinou na Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, pág. 415 é substancialmente diferente do que na citação se deixou exarado.

      5- É que o que aí se encontra escrito é o seguinte “... embora o negócio nulo não produza todos os efeitos que devia produzir, no entanto, ainda possa produzir alguns, pelo menos certos efeitos laterais ou secundários, como que – talvez se possa dizer – seus filhos ilegítimos apenas, mas filhos em todo o caso (cfr. Borrely Soler)”.

      6- A interpretação levada a cabo na decisão recorrida das normas em questão é não só errada ao nível da aplicação do direito ordinário, como conflitua com normas constitucionais.

      7- Na verdade, segundo a lei ordinária (artigo 122° do CPP) as nulidades tornam inválidas o acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

      8- Se o acto se tornou nulo, bem como os que dele dependerem – no caso concreto, todos os posteriores – não pode naturalmente proceder-se como se o mesmo valesse.

      9- No caso, a anulação da decisão de 1ª instância ocorreu na sequência e por causa de vícios imputáveis ao tribunal. Fazer recair sobre o arguido as consequências de tais vícios é incompatível com a ideia definida pela lei constitucional de Estado de Direito Democrático (artigo 2° da CRP).

      10- O regime vigente no CPP quanto á prisão preventiva assenta não só na extensão do iter processual mas- sobretudo- no modo de desfecho das suas fases. Não é fixado na conclusão do inquérito e da audiência de julgamento, mas nas decisões que se lhe seguem, a acusação e a condenação.

      11- Um processo justo e equitativo como se pretende que é o nosso, não pode negar os efeitos da anulação em matérias que se prendem directamente com os direitos fundamentais, como sucede com a prisão preventiva e o direito à liberdade.

      12- Nesse tipo de processo não se podem tirar efeitos de uma condenação em prejuízo de um arguido invalidamente condenado.

      13- Por isso, no caso concreto, as normas sobre recurso, com o sentido interpretativo que lhes foi conferido, colidem directamente com direitos e princípios constitucionalmente consagrados:

      - princípio do Estado de Direito Democrático;

      - restrições aos direitos liberdade e garantias;

      - direito à liberdade e segurança;

      - natureza excepcional e carácter subsidiário da prisão preventiva;

      - princípio da proporcionalidade;

      - princípio da legalidade;

      - garantias de defesa;

      - presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

      14- As normas sobre recurso com o sentido interpretativo que lhes foi conferido violam o disposto nos artigos 2°; 18°, n° 2; 27°, n° 1 e 3; 28°, n° 1 e 4; 32°, n° 1 e 2, todos da CRP

      .

    7. Notificado para o efeito, o Ministério Público junto deste Tribunal contra-alegou da seguinte forma:

      1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada

      O presente recurso vem interposto pelo arguido A. do acórdão, proferido a fls. 51 e segs pelo Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu o requerimento de imediata libertação do arguido, com fundamento no esgotamento do prazo de duração máxima da respectiva prisão preventiva.

      Importa analisar detalhadamente a especificidade do caso “sub juditio”. Na verdade, o arguido – condenado no Tribunal de Valença pela prática dos crimes de homicídio simples, detenção de arma ilegal e ofensa à preservação da fauna e espécies cinegética na pena única de 11 anos e 3 meses de prisão – recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, questionando a decisão proferida, quer sobre a matéria de facto, quer sobre matéria de direito, sendo lavrada informação segundo a qual teria ocorrido falha técnica na gravação do julgamento, impeditiva da transcrição da prova pelos serviços judiciais, considerando as instâncias que tal irregularidade já estaria sanada no momento em que o defensor do arguido a invocou.

      Na sequência do recurso por este interposto de tal decisão da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, porém, que – constituindo a não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência irregularidade, sujeita ao regime previsto no artigo 123º do Código de Processo...

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