Acórdão nº 376/99.0 TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução25 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Nos autos em causa, com data de 19 de Março de 1997, o Ministério Público deduziu acusação[1] contra o arguido F.

imputando-lhe a autoria de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, e, 217.º, n.º 1, do Código Penal.

No dia 1 de Outubro de 1997, recebida a acusação, designou-se data para julgamento mas, atenta a sua ausência em parte incerta, acatadas as formalidades legais, acabou por ser decretada a respectiva contumácia e consequente suspensão dos autos (isto, dia 27 de Maio de 1998, e, fls. 61).

Entretanto, mantendo-se nesse estado, proferiu o M.mo Juiz titular do processo despacho por via do qual considerou extinto o procedimento criminal assim instaurado e deu por finda a dita situação de contumácia.

1.2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, formulando, após motivação, as seguintes conclusões: 1.2.1. O Ministério Publico deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.

1.2.2. O M.mo Juiz no despacho exarado concluiu que da factualidade vertida na acusação não resulta qualquer indicação sobre a datação e entrega do cheque.

1.2.3. Sendo certo que na acusação deduzida não consta, de forma expressa, a data de preenchimento e entrega do cheque, não menos verdade é que a podemos ver implícita na expressão usada “datado de 8/06/96.” 1.2.4. Trata-se, essencialmente, de uma questão de interpretação literal do texto da acusação.

1.2.5. Se é incontornável que a acusação fixa o objecto do processo, ponto também é que, em nome da justiça formal, não se pode esquecer que seu fim último é o da justiça material.

1.2.6. Caberá em sede de audiência de julgamento, apreciar e concluir se, de facto, estão preenchidos todos os pressupostos do tipo legal de crime.

1.2.7. Constando da acusação todos os elementos factuais necessários ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime, mostra-se a acusação válida.

1.2.8. Há razões que justificam a tutela penal com base nos factos acusados e resulta uma possibilidade razoável de ao arguido, com base nos mesmos, vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena.

1.2.9. O despacho recorrido violou, por isso, o mencionado preceito legal.

Terminou pedindo que no provimento do recurso seja ele revogado, substituindo-se por outro que não determine a extinção da responsabilidade criminal do arguido e ordene o prosseguimento dos autos.

1.3. Notificado para tanto, nenhuma resposta ofertou o recorrido.

Admitido o recurso, com implícito despacho de sustentação do despacho em crise, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a igual provimento.

Seguiu-se o cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se o prosseguimento do recurso, com a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, e submissão à presente conferência.

Cabe, então, ponderar e decidir.

* II – Fundamentação.

2.1. Segundo a jurisprudência corrente dos tribunais superiores, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação, mas isto sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido[2].

No caso vertente, e sendo certo não interceder causa que imponha esta intervenção, a única questão suscitada no recurso é a seguinte: - Pese embora não conste da acusação apresentada a data na qual o arguido entregou à ofendida o cheque que constitui o seu objecto, certo é que, por ora, se mostrava vedado ao M.mo Juiz a quo considerar como assente a emergência da causa negativa plasmada no n.º 3 do encimado artigo 11.º e, logo, não devia precludir, sem mais, a possibilidade de lhe vir a ser aplicada uma reacção penal? 2.2. Relembremos o despacho recorrido: “O Ministério Público deduziu acusação nos presentes autos contra o arguido F., imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, e 217.º, n.º 1 do Código Penal.

* Face à publicação do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro (que alterou o referido Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro), com entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 1998, importa ponderar se, no caso em apreço, se verifica a extinção da responsabilidade criminal do arguido, perante a previsão do n.º 3 do art.º 11.º do Regime Jurídico do Cheque sem Provisão (a qual se manteve inalterada com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2005, de 29 de Agosto).

Este preceito veio concretizar um dos propósitos do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, afirmado logo no seu preâmbulo, que foi o de descriminalizar os cheques pós-datados ou também denominados de garantia, isto é, todos os que não se destinassem ao pagamento imediato de uma obrigação subjacente.

Consoante determina o art.º 2.º, n.º 2 do Código Penal, “o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.” Actualmente, é, pois, elemento constitutivo do crime de emissão de cheque sem provisão a datação do cheque com data anterior ou contemporânea da sua entrega ao tomador. Na verdade, dizer-se que não...

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