Acórdão nº 349/16.0GAVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães . RELATÓRIO Nos presentes autos de Processo Comum Singular que seguem termos sob o nº 349/16.0GAVVD no Tribunal Judicial da Comarca de Braga/Juízo Local Criminal de Vila Verde, o Ministério Publico requereu o julgamento do arguido J. C., divorciado, empresário, filho de … e de …, natural de …, Braga, nascido a .. de .. de .., residente na Rua …, Vila Verde, Imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.
A ofendida A. S. constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de €2.000,00, para compensação dos danos não patrimoniais, que alega ter sofrido em consequência da conduta do arguido.
O ofendido J. C. constituiu-se assistente e deduziu acusação particular, que veio a ser acompanhada pelo Ministério Público, contra os arguidos A. F., solteiro, filho de J. C. e A. S., nascido a ../../.., residente no …, São João da Madeira, e A. S., filha de … e …, nascida a ../../.., residente no Lugar …, Vila de Prado, Imputando-lhes a prática de factos que consubstanciam a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal.
Este assistente deduziu, ainda, pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados, peticionando a sua condenação, no pagamento da quantia global de €750,00, para compensação dos danos não patrimoniais, que alega ter sofrido em consequência das condutas dos arguidos, bem como juros de mora desde a notificação do pedido de indemnização até integral pagamento.
Os arguidos apresentaram contestação escrita e requerimento probatório.
Foi levado a efeito o julgamento, findo o qual veio a ser proferida sentença, na qual foi decidido: . Absolver o arguido J. C. da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal; . Absolver o arguido A. F., da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal; . Absolver a arguida A. S., da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal; . Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida A. S., absolvendo o arguido/demandado civil; . Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido J. C., absolvendo os arguidos/demandados civis; . Sem custas criminais (artigos 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, 527º do Código de Processo Civil e 4º, nº 1, alínea n) do Regulamento das Custas Processuais - D.L. nº 34/2008 de 26 de Fevereiro); . Sem custas civis (atenta a isenção prevista no artigo 4º, nº1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais - D.L. nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).
Inconformada com tal decisão absolutória, a assistente A. S. da mesma interpôs o presente recurso, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões (em resumo): I.
Antes de tudo, cumpre, desde logo, mencionar que a aqui Recorrente interpõe o presente recurso por ser manifesto que a sentença recorrida, que absolveu o Arguido, J. C., do crime de violência doméstica, p. e. p. pelo artigo 152.º, n.º1, a) e 2.º do Código Penal, deve ser totalmente revogada quanto a este; II.
Já que, na verdade, se encontra provado à saciedade que aquele cometeu tal crime na pessoa da Assistente, aqui Recorrente; III.
E diz-se que se encontra provado à saciedade que aquele cometeu tal crime na pessoa da Assistente, aqui Recorrente, na medida em que tal decorre das declarações por esta prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como das declarações do filho de ambos e das testemunhas por si arroladas; IV.
O que, a esse propósito, se torna de extrema essencialidade destacar que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, nada justifica que o Julgador da 1.º Instância afirme, na sua decisão, que o Tribunal chegou a uma dúvida insanável acerca da conduta criminosa pela qual o Arguido foi acusado; V.
Ou que, porventura, não há razão válida para a afirmação de que, por virtude disso, o Tribunal tenha de fazer funcionar o princípio da presunção da inocência, ou seja, o princípio in dubio pro reo; VI. Pois, como muito bem se decidiu no Acórdão do STJ, de 28/06/2007, Processo 1409/07 da 5.º secção; VII. Na aplicação da regra processual da livre apreciação da prova (artigo 127.º do C.P.P.), não haverá que lançar mão; VIII. Limitando-a do princípio da in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência; IX. Se a prova produzida (ainda que indirecta) não conduzir, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, à subsistência no espirito do Tribunal, de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto; X. Pedir uma certeza absoluta para orientar a decisão actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais; XI. A dúvida que há-de levar o Tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do Tribunal; XII. E todas essas considerações no sentido decisório e condenatório, postas em destaque neste Douto Acórdão do nosso mais Alto Tribunal, têm especial cabimento quando, como no caso sub judice, está em causa e apreciação um crime de violência doméstica; XIII. Dado que a violência típica deste crime tem lugar no seio familiar, quase sempre silenciada e é um dos grandes flagelos da nossa sociedade; XIV. E só uma cultura interiorizada de respeito pela dignidade humana poderá criar as condições de harmonia tão desejadas, como se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa de 31/01/2013, SG I, Pág. 126; XV. Tendo, para se alcançar tal desiderato papel fundamental a Justiça, o Tribunal, o qual não pode ser, de modo algum, tolerante a ponto de se decidir por uma injusta absolvição de quem comete tal abominável crime; XVI. O silêncio da vítima leva, inelutavelmente, em casos como o presente, à sua quebra, em dado momento, para que, enfim, a Justiça, norteada pela retribuição, pela prevenção especial e pela prevenção geral proclame, bem alto, com uma condenação que se impõe pôr termo a tal crime; XVII. Tudo isto mais claro se torna, ainda, se levarmos na devida consideração o que foi declarado, em termos de quebra do seu silêncio, pela Assistente em sede de Audiência de Discussão e Julgamento; XVIII. Porquanto, foram, notoriamente, visíveis as marcas de vítima da aqui Recorrente durante o longo período de cerca de 25 anos que ela foi sofrendo por parte do Recorrido; XIX. E que ela foi suportando, silenciosamente, por causa de, além do mais, começar por ter, então, um filho menor de quem tinha de cuidar e em relação ao qual não queria que sofresse as vicissitudes da quebra da união de vivência das suas figuras paternais; XX. Acabando, também, por mais tarde ter mais uma filha, facto esse que, de igual modo, a fez permanecer naquele penoso ambiente familiar, sem exteriorizar as suas mais do que fundadas queixas e sofrimentos infligidos pelo Arguido, aqui Recorrido; XXI. Fundadas queixas e sofrimentos esses provocados por intimidações e intitulações, que este lhe fazia, em tom depreciativo e de modo a causar medo, ansiedade, humilhação e rebaixamento, ofensivos da dignidade dela como pessoa; XXII. Tudo isso em tal tom que não lhe era permitido retorquir e que a levava a fechar-se num sofrido silêncio; XXIII. Perturbando-a, assim e sempre, no seu bem-estar psicológico, na sua tranquilidade, na sua imagem de si própria enquanto mulher e, ainda, na imagem que os outros tinham de si e do modo como a viam; XXIV. Factores esses essenciais para o seu amor-próprio e de autoconfiança, e que o Arguido, aqui Recorrido sempre, dolosamente, quis atingir; XXV. Pelo que todo este circunstancialismo de facto foi narrado pela aqui Recorrente à Julgadora da 1.º Instância, que, apesar disso, não valorou, devidamente, como se lhe impunha, XXVI. E que impulsionou a necessidade da mesma interpor o presente recurso, para que V/Exas., Venerandos Desembargadores, fazendo, como sempre, inteira Justiça, revoguem a sentença recorrida, condenando o Arguido como autor de um crime de violência doméstica, p. e. p. Artigo n.º 152 n.º1, a) e 2.º do Código Penal, XXVII. Necessidade essa que mais se impôs, na medida em que, para além das declarações dela, Recorrente, prestou, também, declarações o seu filho mais velho, A. F., já de maior idade, no sentido de corroborar tudo o afirmado, em Audiência de Julgamento pela aqui Recorrente; XXVIII. E, bem mais do que isso, também de igual modo, as Testemunhas arroladas pela aqui Recorrente confirmaram tudo o que por estes foi dito, no que diz respeito ao comportamento doloso sempre manifestado e levado a cabo pelo Arguido contra a aqui Recorrente e os seus dois filhos; XXIX. Os quais, também, sofreram com as atitudes continuadas de maus tratos a toda a família, sem que, para tal, existisse qualquer motivo; XXX. Razão pela qual, é de extrema essencialidade que sejam dados como provados os factos que na sentença recorrida foram dados como não provados, no que respeita às condutas ilícitas e culposas do Arguido; XXXI. Nessa conformidade, estranhando-se, pois, o que nesta sede foi decidido pela Julgadora da 1.ª Instância; XXXII. A qual olvidou, além do mais, que os factos que preenchem o tipo legal de crime de violência doméstica, são, como regra e sempre, do conhecimento apenas de um reduzido núcleo de pessoas, normalmente, do conjunto de familiares e de amigos próximos; XXXIII. Eles, também...
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