Acórdão nº 828/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução13 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 828/2017

Processo n.º 545/15

2ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), pretendendo ver sindicada a constitucionalidade das disposições conjugadas dos artigos 4.º, 6.º, n.º 5, 7.º e 9.º, n.ºs 1 e 5, do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro, cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), violação do artigo 56.º, n.º 2, alínea c), da CRP, e em inconstitucionalidade orgânica, no que respeita à norma do artigo 9.º, n.º 1.

2 – Na parte pertinente ao recurso, tem a decisão recorrida o seguinte teor:

“ (…)

Da inconstitucionalidade dos artigos 4.º, 6.º, n.º 5, 7.º, e 9.º, n.º 1 e 5 do Decreto-lei n.º 19/2013, de 6/2.

Os AA. alegam que houve uma violação do princípio da proteção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP porque viram amputados benefícios sociais e abonos que lhe estavam amplamente reconhecidos pelo ACT do setor bancário.

De acordo com o Ac. do TC supra citado, “a proteção da confiança traduz a incidência subjetiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em conceção consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).

A aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração, em concreto, do peso relativo dos bens em confronto, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional”

Como vimos, o diploma em causa procede à transição para as carreiras gerais dos trabalhadores do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., e das direções regionais de agricultura e pescas, abrangidos pelo Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário.

Do preâmbulo do decreto-lei pode ler-se o seguinte: “No quadro do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), com o objetivo de criar condições para uma mais célere, flexível e maleável atuação no âmbito da agricultura e das pescas, designadamente para um mais eficiente cumprimento e aplicação da legislação comunitária no âmbito da Política Agrícola Comum, foram extintos o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) e o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), tendo sido criado em sua substituição o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP, I.P.).

A Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, obrigou à integração dos trabalhadores nas carreiras gerais, demonstrando-se, assim, ser necessário e oportuno concluir a aplicação daquele diploma legal às carreiras do IFAP, I.P., ainda não revistas, com vista à convergência futura com as carreiras gerais da Administração Pública, promovendo a harmonização dos regimes jurídicos aplicados no IFAP, I.P.

Visa também a manutenção, dentro dos limites legais, de direitos previstos no Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário dos trabalhadores abrangidos pela referida harmonização.

Na falta de melhor fonte interpretativa pode concluir-se que o diploma pretende a “convergência futura” das carreiras do IFAP com as carreiras gerais da Administração Pública.

Para o que releva, de um lado temos os interesses dos AA. em não ver ser reduzida a sua remuneração nos termos expostos, do outro temos o interesse público da reestruturação da Administração Central do Estado. Ora, não vemos em que é que aquele interesse seja incompatível com “convergência futura” das carreiras dos trabalhadores do IFAP com as carreiras gerais da Administração. Ou seja, não há entre dois interesses uma relação interdependente que se conheça ou que tivesse sido alegada, ou qualquer relação de causa/efeito que obrigue à diminuição de retribuição para tornar possível a dita “convergência futura” das carreiras.

Portanto, se assim é, a afetação de expectativas dos AA. é inadmissível porque constitui uma mutação da ordem jurídica com que eles não contavam, e, simultaneamente, essa alteração não foi ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (neste sentido, cfr. Ac. do TC n.º 287/90 citado pelo aresto citado).

Pelo exposto julgam-se inconstitucionais os art.ºs 4.º, 6.º, n.º 5, 7.º, 9.º, n.ºs 1 e 5 do DL 19/2013, de 6/2, por violação do disposto no art.º 2.º da CRP, interpretados no sentido de, pela sua aplicação conjugada, tornar inaplicável aos AA. o Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário.

(...)

Da inconstitucionalidade dos art.ºs 4.º, 6.º, n.º 5, 7.º, n.º 2, 9.º, n.ºs 1 e 5 do DL. 19/2013, de 6/2, que constituem o fundamento dos despachos impugnados, por violação dos direitos da liberdade sindical e de contratação pública, por violação do disposto no art.º 55.º e 56.º da CRP

Previamente à promoção e execução da transição dos AA para as carreiras gerais, cujo DL 19/2013 especificamente desaplicou a esses trabalhadores o ACT do setor bancário, o R. não promoveu nem encetou um processo negocial com os sindicatos onde aqueles se encontravam filiados.

O art.º 55.º da CRP reconhece a liberdade sindical dos trabalhadores, como condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.

O art.º 56.º tem a seguinte redação:

“ ( Direitos das associações sindicais e contratação coletiva)

1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.

2. Constituem direitos das associações sindicais:

o) Participar na elaboração da legislação do trabalho;

b) Participar na gestão dos instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores;

c) Pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução;

d) Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei;

e) Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.

3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação coletivo, o qual é garantido nos termos da lei.

4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções coletivas de trabalho, bem como à eficácia das respetivas normas”.

A Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (LVCR). O art.º 101.º (“Revisão das carreiras e corpos especiais”), invocado pelo R. ao abrigo do qual a revisão das carreiras dos AA. ocorreu, apenas nos diz que “1 – As carreiras de regime especial e os corpos especiais são revistos no prazo de 180 dias por forma que://a) Sejam convertidos, com respeito pelo disposto na presente lei, em carreiras especiais; ou //b) Sejam absorvidos por carreiras gerais”.

Não é defensável a posição do R., que, de resto, não prova, de que a revisão das carreiras de regime especial, nas quais se inclui o regime laboral jurídico-laboral dos trabalhadores do IFAP, foi objeto de negociação coletiva com as organizações representativas abrangidos ao abrigo do citado art.º 101.º, porque os outros trabalhadores das carreiras de regime especial não subscreveram um ACT para o setor bancário (pelo menos não foi invocado por nenhuma das partes).

No dizer de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in ob, cit. em anotação ao art.º 56.º da CRP, a CRP confere às associações sindicais direito de participar na elaboração da legislação do trabalho e o direito de contratação coletiva, na qual se integra a função pública. A participação na elaboração da legislação constitui uma manifestação do princípio constitucional da democracia participativa.

Neste caso, e perante a especificidade de aos trabalhadores que exercem funções públicas num instituto público ser-lhes aplicável um ACT para o setor bancário, impunha que as associações sindicais tivessem sido ouvidas relativamente ao diploma que o veio a desaplicar.

O que dissemos relativamente ao princípio da igualdade tem plena pertinência no que a esta questão respeita. Trata-se de dar um tratamento diferenciado a trabalhadores que estão em situações desiguais relativamente a outros que integram as ditas carreiras em regime especial.

Pelo exposto julgam-se inconstitucionais os art.ºs 4.º, 6.º, n.º 5, 7.º, 9.º, n.º 1 do DL 19/2013, de 6/2, por violação do disposto no art.º 56.º, n.º 2, al c) da CRP, interpretados no sentido de, pela sua aplicação conjugada, tornar prescindível a participação das associações sindicais na elaboração do DL 19/2013, de 6/2.

Da inconstitucionalidade orgânica.

Como vimos o art.º 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6/02, determina a cessação da aplicação do acordo coletivo de trabalho do setor bancário publicado...

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