Acórdão nº 6/10 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução12 de Janeiro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 6/2010

Processo n.º 621/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I − Relatório

  1. Nos presentes autos, em que figura como Recorrente o Ministério Público e como Recorrida A., Lda., na sequência de recurso de decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, proferiu o Tribunal da Relação de Évora a seguinte decisão:

    “Estão em causa duas infracções a disposições do art.° 273° do C.T., preceito que enuncia as obrigações gerais do empregador em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.

    Como se referiu, a violação de qualquer dessas obrigações configura, por força do art.° 671°, também do C.T., a prática de um ilícito contra—ordenacional qualificado de muito grave, punido nos termos do art.° 620°, n° 4, do mesmo diploma.

    O citado C.T., aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27/8, veio no entanto a ser entretanto revogado pelo art.° 12°, n° 1, al. a), da Lei n° 7/2009, de 12/2, que aprovou um novo Código do Trabalho, já entrado em vigor. Coloca-se assim uma questão de aplicação de leis no tempo, de modo a saber—se qual é o regime que, na prática, se revela ser o mais favorável às arguidas (cfr. art.° 3°, n° 2, do RGCO — Dec.-Lei n° 433/82, de 27/10)

    Ora, do n° 3, al. a), do citado art.° 12° da Lei n° 7/2009, resulta que, não obstante a revogação do C.T. de 2003, se mantêm transitoriamente em vigor os respectivos arts.° 272° a 312°, enquanto não entrar em vigor o diploma que venha a regular a mesma matéria. Com efeito, a disciplina jurídica respeitante a princípios gerais de segurança e saúde no trabalho, de acidentes de trabalho e doenças profissionais, será regulado em legislação específica, tal como expressamente prevê o art.° 284° do C.T. de 2009.

    Significa isto que se mantém por ora em vigor o art.° 273° do C.T. de 2003, cuja violação vem imputada à recorrente. O mesmo não sucede porém com o seu art.° 671°, n° 1, que tipificava essa violação como contra-ordenação muito grave. Com efeito, a referida Lei n° 7/2009, que revogou em globo o código de 2003, não contém qualquer ressalva que implique a vigência transitória de qualquer disposição do Capitulo II do seu Livro II, respeitante á responsabilidade contra-ordenacional em matéria laboral. Por outro lado, o Código aprovado por essa Lei n° 7/2009 também não contém norma sancionatória equivalente àquele art.° 671°, já que, como se disse, a matéria de higiene e segurança no trabalho não é nele objecto de tratamento específico.

    Ou seja: não há hoje disposição legal em vigor que tipifique como contra-ordenação a conduta nos autos imputada à recorrente. A consequência, como parece óbvio, só pode ser uma: à luz daquele art.° 3.º, n° 2, e bem assim do art.° 2°, n° 2, do Código Penal, (aplicável subsidiariamente por força do art.° 32° do RGCO), o facto deve ser considerado eliminado do número das infracções, e por essa via extinto o respectivo procedimento contra-ordenacional.

    Ainda que se admita tratar-se de lapso ocorrido no processo legislativo, dada a relevância que assume hoje em dia a matéria da higiene e da segurança no trabalho, cumprirá aos responsáveis políticos, e não aos Tribunais, assumirem a falha e suprirem a omissão.”

  2. O Ministério Público deduziu subsequentemente pedido de reforma de tal decisão com o seguinte fundamento:

    “Por douto acórdão lavrado nos autos em epígrafe em 10 de Março corrente, ficou decidido, mui doutamente, que, com a entrada em vigor do novo C. do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, o art. 12° desta Lei 7/2009 apenas ressalvou a norma violada pela arguida TALTAILE — Telecomunicações Unipessoal, Lda., e que era o art. 273° do C. do Trabalho anterior, mas já não o art. 671°, n.° 1 deste mesmo CT anterior, que tipificava a conduta da arguida como contra-ordenação, norma essa, pois, que se encontraria revogada, tal como a globalidade do antigo CT, com as excepções ali apontadas, pela Lei 7/2009 citada.

    Acontece que, pela ‘Declaração de Rectificação n.° 21/2009’, publicada em 18 de Março, da Lei 7/2009 citada, vem rectificada a al. a) do n.° 3 do art. 12° da seguinte forma com os negritos da minha responsabilidade: onde se lê: «artigos 272° a 312.º, sobre higiene e saúde no trabalho, acidentes de trabalho e doenças profissionais, na parte não referida na actual redacção do Código», deve ler-se:

    Artigos 272.º a 280° e 671°, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, na parte não referida na actual redacção do Código

    .

    Ora, tendo em conta o disposto no art. 5.º, n.° 4 (cuja norma, no que diz respeito a ilícitos penais ou equivalentes, suscitam-me sérias reservas quanto à sua constitucionalidade) da Lei 74/98, de 11 de Novembro, republicada pela Lei 42/2007, de 24 de Agosto, ‘as declarações de rectificação reportam os efeitos à data da entrada em vigor do texto rectificado’.

    Quer isto, dizer, venerandos Desembargadores, que houve erro na aplicação do direito, erro que há que ser reparado com a reforma do, repito, mui douto acórdão, tendo em...

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