Acórdão nº 2339/16.4T8LRA.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução11 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA e mulher, BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BANCO CC, S.A., pedindo, a título principal: a) – A condenação da ré a pagar aos autores o capital e juros vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente: b) – A declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que a ré invoque para ter aplicado os €100.000,00 que os autores lhe entregaram; c) – A declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação que a ré tenha feito daquele montante; d) – A condenação da ré a restituir aos autores a quantia de EUR 115.000,00 e dos juros vencidos à taxa contratada, acrescida de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento.

Em qualquer caso: e) - A condenação da ré a pagar aos autores a quantia de EUR 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegaram, em síntese, que: Sendo clientes do BANCO DD, em dia que desconhecem e sem que houvesse da sua parte qualquer ordem escrita, o gerente da ré aplicou o montante de EUR 100.000,00, pertencente àqueles, em obrigações SLN 2006; Os autores só tiveram conhecimento dessa operação em maio de 2015, estando até então convictos de que tinham o seu dinheiro aplicado num depósito a prazo.

Os juros foram sendo semestralmente pagos, até maio de 2015; Nunca qualquer contrato lhes foi lido ou explicado e tais documentos, a existirem, só podem ser contrato de cláusulas contratuais gerais, que não foram assinados pelos autores ou que, se o foram, foram-no de forma inconsciente, pelo que não têm validade, sendo nulos; Em virtude da atuação da ré, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pedem.

  1. Na contestação, a ré excecionou a ineptidão da petição inicial, a incompetência em razão do território e a prescrição. Por impugnação, alegou, em resumo, que: Os autores sempre mostraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, o que demonstra que, não tendo formação específica em área financeira, tinham conhecimento da respetiva natureza, riscos e maior rentabilidade relativamente a um vulgar depósito a prazo; As obrigações “SLN 2006” eram um produto seguro, acabando o seu incumprimento por ser determinado “por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais”; Foram explicadas aos autores as condições do produto, acompanhadas da respetiva nota técnica; A subscrição das “Obrigações SLN” não foi sujeita a qualquer tipo de contrato de adesão, ou qualquer tipo de formulário de cláusulas contratuais gerais, sendo, antes de mais, um contrato entre os autores e a SLN (não o Banco), que não se corporizou, que a ré saiba, num qualquer escrito, mas apenas e tão-só numa proposta da SLN, veiculada pelo Banco réu e uma aceitação dos autores, corporizada numa ordem de subscrição de títulos.

  2. Os autores replicaram.

  3. Julgada procedente a exceção de incompetência em razão do território (cf. fls. 68-82), esta decisão veio a ser revogada por despacho do Presidente da Relação de … (cf. fls. 104-110v).

  4. No despacho saneador, julgou-se improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, relegando-se para final a apreciação da exceção perentória da prescrição.

  5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu a ré do pedido.

  6. Inconformados com tal decisão, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão a condenar a ré a pagar aos autores a quantia de EUR 100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo pagamento.

  7. Irresignada, a ré interpôs recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, ao abrigo das alíneas a) e c), do nº 1, do art.º 672º, do CPC.

    Nas suas alegações, em conclusão, disse (sic): “DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA AO ABRIGO DO ARTº 672º do CPC (alínea a) do nº 1 do artº 672º do CPC) I. Tendo o Banco-R. sido condenado ao abrigo da responsabilidade civil do intermediário financeiro, o âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objeto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

    II. Pontifica a este propósito a divergência quanto à necessidade de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de "capital garantido".

    III. Tem igualmente variado a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de "capital garantido", ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida - como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exata expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento.

    IV. Mostra-se igualmente indefinida a noção de nexo de causalidade entre um eventual ato ilícito do Banco/intermediário financeiro e o dano do cliente/investidor, V. Bem como a possibilidade de este nexo estar abrangido pela presunção de culpa do art9 7995 do Código Civil.

    VI. A discussão da extensão de uma presunção de culpa à presunção de ilicitude e causalidade reveste-se da maior relevância no âmbito do sistema jurídico, porquanto afeta todos os equilíbrios nas relações contratuais, seja quando estejamos em face de um incumprimento da prestação principal ou de uma prestação acessória.

    VII. A invocação de tal extensão, cada vez mais comum, além do mais, tem sido feita com mera remissão para um Autor, o que, apesar da sua excelência técnica, não parece fundamentação jurídica suficiente, principalmente por este partir da comparação com o sistema de responsabilidade civil francês da faute, quando o sistema português de responsabilidade civil tem a sua origem próxima no sistema alemão de responsabilidade contratual Temos sido deparados com um verdadeiro dogma, ou argumento de autoridade que cumpre tratar devidamente.

    Da alínea c) do nº 1 do artº 672º do CPC VIII. O acórdão recorrido considera verificado o nexo de causalidade entre a suposta violação dos deveres de informação, meramente por invocação de uma presunção legal, ao abrigo do art. 799º do C.Civ. estendendo o âmbito desta disposição a uma presunção de ilicitude e causalidade, e isto apenas por mera remissão para posição doutrinária, por via de acórdão anterior também deste Supremo Tribunal de Justiça - de 17.03.2016 -, e em concreto do Prof. Menezes Cordeiro: «A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. "Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir -ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura - culpa"» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.a Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432). «Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a "falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade" (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432).» IX. Este mesmo Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre esta mesma matéria, entre outros, em acórdão de 6 de Junho de 2013 relatado pelo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, onde veio a afirmar-se que: "Ainda que, nos termos do nº 2 (do arts 314º do CdVM), se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos." X. Em causa, sendo já objeto de decisões distintas, está pois determinar se, e em que termos se poderá estender uma presunção de culpa, no âmbito da responsabilidade contratual a uma presunção de ilicitude e de causalidade.

    XI. De todo o exposto resulta evidente a oposição de julgados quanto a esta matéria, da maior relevância para a boa aplicação do direito, justificando-se uma clarificação das soluções jurídica aplicar nestes casos que agora...

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