Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/8/2022/11/03/p/dre/pt/html
Data de publicação03 Novembro 2022
Gazette Issue212
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 212 3 de novembro de 2022 Pág. 10
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022
Sumário: Ónus da prova, dever de informação e nexo de causalidade do intermediário finan-
ceiro, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, nos termos dos
artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na
redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e
342.º, n.º 1, do Código Civil.
Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 -A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)
Recorrentes — AA e BB
Recorrido — Banco BIC Português, SA
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis,
I — Relatório
1 — AA e BB intentaram ação declarativa contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S. A. (anteriormente
BPN — Banco Português de Negócios, S. A.), pedindo, a título principal, a condenação da Ré a
pagar -lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, per-
faziam o montante de €385 000,00, assim como os juros vincendos desde a citação até integral
pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato por
adesão que a Ré invoque como fundamento da aplicação da quantia de €300 000,00, que os Autores
lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, assim como a declaração de ineficácia em
relação aos Autores da aplicação que a Ré haja feito daquele montante e, ainda, a condenação da
Ré na restituição do valor de €385 000,00, que representa a soma da quantia entregue à Ré e dos
juros vencidos à taxa acordada, acrescida de juros legais vincendos desde a data da citação até
integral cumprimento. Requereram ainda, em qualquer caso, a condenação da Ré no pagamento
do montante de €10 000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegaram que:
— foram clientes do BPN, na sua agência de …, com uma conta de depósitos à ordem;
— em 10/04/2006, o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo
igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada;
— empregado do BPN sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que
lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os
riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um
perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro;
— o seu dinheiro, no montante de €300 000,00 viria a ser colocado em obrigações SLN 2006,
sem que os Autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a
SLN era uma empresa,
— sempre foi dito ao Autor que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais e
que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a
agência com a antecedência de três dias;
— o Autor sempre esteve convencido numa aplicação segura da supra referida quantia e com
as características de um depósito a prazo;
— caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006,
produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não consentiria nem autorizaria;
— os juros foram sendo semestralmente pagos, até Nov/2015, o que transmitiu segurança
aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade;
— a partir da referida data, o BPN deixou de pagar os juros respetivos e, agora, atribui a res-
ponsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os Autores nem sabiam existir;
— os Autores não sabiam o que era a SLN, pensando que era uma mera denominação de
conta a prazo, que o BPN utilizava;
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— foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital,
vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os Autores nunca aceitariam se conhecessem
os seus reais termos;
— o prazo de maturidade ocorreu em abril/2016 e o capital investido não foi restituído aos
Autores, nem tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados;
— os Autores, por efeito do incumprimento do BPN, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro
como bem entendessem;
— o BPN colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o
receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro e tem -lhes provocado
ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.
2 — A Ré contestou, invocando que, ao tempo da respetiva subscrição, o instrumento financeiro
em apreço era um investimento seguro, tendo o Autor marido sido informado das suas condições
e de que não se tratava de um depósito a prazo.
3Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a
ação improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.
4 — Os Autores, inconformados, interpuseram recurso de apelação.
5 — O Tribunal da Relação de … julgou a apelação parcialmente procedente, tendo sido alte-
rada a decisão de facto e revogada a sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia
de €300 000,00, assim como a importância líquida dos juros remuneratórios desde maio de 2016
e os respetivos juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4 % ao
ano. A Ré foi absolvida do restante pedido.
6 — Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista.
7 — Os Autores apresentaram contra -alegações, pugnando pela manutenção do acórdão
recorrido.
8 — O Supremo Tribunal de Justiça, considerando inverificado o incumprimento do dever de
informação e, complementarmente, indemonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Ré
e o dano alegado pelos Autores, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo
a Ré dos pedidos.
9Inconformados com a decisão contida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, os
Autores — AA e BB interpuseram recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do
Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência e à revogação daquele
Acórdão, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil, invocando, como funda-
mento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal de 25 de outubro de
2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.
10 — Nas suas alegações, os Autores/Recorrentes formularam as seguintes (transcritas)
conclusões:
“I.
1 — O acórdão recorrido relativamente à mesma questão fundamental de direito está em
oposição com o acórdão do STJ de 25/10/2018, no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.
2Do Acórdão recorrido e do acórdão fundamento resulta uma factualidade dada como
provada, equivalente, tendo no entanto merecido interpretações antagónicas.
3São duas as questões fundamentais a saber e ambas no âmbito da responsabilidade civil,
decorrente do facto de o R. ter tido intervenção na colocação das obrigações da SLN, enquanto
intermediário financeiro. E em concreto dois dos seus pressupostos: a ilicitude e o nexo causal.
II. Da ilicitude
4Estabelecendo um paralelismo entre as situações relatadas, quer no Acórdão recorrido,
quer no Acórdão fundamento, verifica -se que o primeiro desconsidera de forma vertiginosa a factua-
lidade dada como provada em sentido idêntico (cf. artigos 7.º, 8.º, 9.º, 11.º, e 12.º), e, que quanto
a nós, nos parece inequívoca quanto à flagrante violação do dever de informação a que o Banco
Réu estava adstrito.
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5Sendo certo que, o Acórdão recorrido dispõe ainda, de factualidade muito mais sólida
e relevante (cf. artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º), que lhe permitiria decidir de forma diferente, e
no sentido do Acórdão fundamento.
6Mesmo dando -se de barato que possa ter existido alguma explicação sobre o teor das
aplicações ao Autor, como defendeu o Acórdão recorrido, a verdade é que esta foi insuficiente e
mostrou -se eivada de falsidade, pelo que é inverosímil que o Autor tivesse compreendido verda-
deiramente o produto que estava a subscrever
7Aliás, atenta a matéria dada como provada, conclui -se que os Autores aplicaram o seu
dinheiro sem saber em quê. Ninguém lhes explicou o que eram obrigações e não sabiam, nem
sabem, o que são. Também ninguém lhes explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas
e que investir em SLN era diferente de aplicar o dinheiro no BPN. Sendo certo que, o Banco Réu
prestou informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido.
8E não se diga que se tratavam de investidores experientes, pois em ambos os casos
estamos perante investidores não qualificados, e perfil conservador.
9Mas se é verdade, que os funcionários do Réu não prestaram informação completa e leal
acerca do produto que venderam ao Autor, que estava muito longe de ter o retorno assegurado
como se fosse um produto do Banco, também não é menos verdade, que ao terem dito ao Autor
que “O BPN garantia o pagamento destas Obrigações SLN”, o Banco Réu assumiu de forma
perentória uma dívida, perante os Autores.
10Para um declaratário normal, colocado na posição do Autor — que não pretendia aplicar
o seu dinheiro em produtos de risco, e que não possuía qualificação ou formação técnica que lhe
permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros, dizer -lhe que “o capital era
garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros
semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar
a agência com a antecedência de alguns dias”, e sobretudo, dizer que era o BPN que garantia o
reembolso do capital, significa que o capital lhe seria restituído a 100 % pelo BPN e, que estava a
colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (art. 236.º, n.º 1 do CC).
11Como tal, perante a assunção da dívida por parte do BPN, é indiferente se a SLN era
ou não dona do Banco, pois, a verdade é que desde a nacionalização, que o não é.
12Temos, pois, que o banco Réu assumiu perante o Autor aquando da aquisição do
produto financeiro (2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.
13 — Trata -se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume
perante o autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros
e nessa medida verifica -se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não
pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.
14Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido
na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro,
a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem
provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia
um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.
15 — Além de que, sendo o dito banco BPN responsável perante os credores pelos atos
dos seus funcionários (art. 800, n.º 1 do Código Civil), conclui -se que aquele violou os deve-
res de informação, bem como os princípios da boa -fé, diligência, lealdade e transparência a
que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma
relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.
16Caso contrário, entraríamos naquilo a que podemos chamar de “vale tudo”, no âmbito
das negociações efetuadas entre o Banco e os seus clientes, quando estivessem a promover os
produtos financeiros, onde tudo era permitido aos Bancos, nomeadamente prestar as informações
que lhe fossem mais convenientes, omitindo ou deturpando outras relevantes, sem que daí decor-
resse qualquer responsabilidade para os mesmos.
17Além de que, se seguíssemos a linha de pensamento do Acórdão recorrido, então de
nenhuma validade tinham as disposições legais que regulam a dever de adequação e dever de infor-
mação a que estão adstritos os Bancos, sobretudo quando estamos a falar de clientes, com um perfil

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