Acórdão nº 901/17.7T8VRL.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

AA intentou a acção de processo comum contra o BANCO BB S.A. peticionando: A) Condenar-se a Ré a pagar (restituir) ao Autor a importância de € 50.000,00, acrescida de juros remuneratórios garantidos com uma rentabilidade anual de 1,5%, desde 09.11.2015 até 09.05.2016, que se cifram na importância global de € 1.123,97, bem como juros de mora à taxa legal desde a data de citação até integral reembolso do capital e juros; Ou, subsidiariamente, B) Ser declarado, e ser a Ré condenada a reconhecer, a ineficácia em relação ao Autor da aquisição da obrigação denominada SLNRM2 - SLN 2006, melhor identificada nos arts. 5º a 7º da presente petição inicial; C) Condenar-se a Ré a pagar (restituir) ao Autor a importância de € 50.000,00, acrescida de juros remuneratórios garantidos com uma rentabilidade anual de 1,5%, desde 09.11.2015 até 09.05.2016, que se cifram na importância global de € 1.123,97, bem como juros de mora à taxa legal desde a data de citação até integral reembolso do capital e juros; E, sempre, D) Condenar-se a Ré a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a importância de € 3.000,00; Alega, sinteticamente, que: (i) O Autor era cliente do CC, agência de ..., com a conta à ordem n.º ..., onde deposita e movimentava dinheiro, constitua poupanças e efectuava pagamentos; (ii) Em 18 de Abril de 2006, o Autor subscreveu um “boletim de subscrição” de 1 (uma) obrigação no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com a designação SLNRM21 - SLN 2006; (iii) O Autor desconhecia em absoluto a natureza e extensão da denominada obrigação SLNRM2 - SLN 2006 de que figura como titular; (iv) O Autor estava convicto que nessa altura havia efectuado uma aplicação do capital de € 50.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retorno garantido do capital e juros pelo Banco BB; (v) Em 18 de Abril de 2006 o gerente do CC da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido por essa instituição e rentabilidade assegurada, assegurando que tal aplicação tinha uma rendibilidade semestral garantida, nos termos constantes do antecedente art.º 3º, e que, sendo uma aplicação do grupo CC, estava garantido o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco; (vi) Não ignorava o dito funcionário que Autor não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnica, ou sequer experiência adquirida, que lhe permitisse conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente; (vii) No entanto em tempo algum informou o Autor que estava perante uma operação não adequada ao seu perfil; (viii) O pagamento tempestivo de juros operado manteve-se até ao semestre terminado em 8 de Outubro de 2015; (ix) Além desses juros a Ré Banco BB não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros nem reembolso do capital; (x) Caso o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo CC, não o autorizaria.

  1. O Réu BANCO BB PORTUGUÊS S.A. apresentou contestação, arguindo as excepções de incompetência territorial e de prescrição, impugnando as alegações do Autor com referência ao não conhecimento das condições da obrigação subscrita.

    Concluiu, propugnando a procedência da excepção de incompetência territorial e a improcedência da acção.

  2. Foi proferido saneador-sentença, o qual julgou improcedente a excepção de incompetência territorial e a acção.

  3. Inconformado, apelou o autor. O recurso foi conhecido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que decidiu revogar aquela decisão, determinando-se o prosseguimento dos autos para aferição da responsabilidade pré-contratual e contratual do Réu.

  4. Foi exarado despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Após realização da audiência final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu BANCO BB S.A. do pedido.

  5. Inconformado apelou de novo o A., recurso que veio novamente a ser admitido e conhecido pelo tribunal da Relação. Neste segundo acórdão, o tribunal decidiu: “Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, condenando o Réu a pagar ao A o capital de 50.000,00€, ao qual acrescem os juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o Réu do demais peticionado.

    Custas a cargo do A/apelante e R/apelado, e na proporção, respectivamente, de 20% e de 80% .” 7.

    Não se conformando o R. com este acórdão, veio dele apresentar revista, na qual formula as seguintes conclusões (transcrição): 1.

    A decisão recorrida vem a condenar o Banco-R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por prestação de informação falsa quanto investimento feito pelo A. em Obrigações SLN 2006.

  6. A decisão recorrida pressupõe, e afirma expressa mas esparsamente, que as Obrigações SLN 2006 implicavam risco que deveria ter sido informado aos AA., sendo que o único risco que entrevemos em tal afirmação é o risco de crédito e remuneração, ou seja, o risco de incumprimento das obrigações de remuneração e de reembolso - o equivalente ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 3.

    Este risco existe em todo e qualquer contrato, sendo que qualquer tipo de vinculação jurídica tem como destino necessário uma de duas possibilidades: ou CUMPRIMENTO ou INCUMPRIMENTO! 4.

    Vale isto por dizer que, a possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial! 5.

    Não estamos aqui a discutir uma qualquer característica própria do instrumento financeiro, ou sequer uma qualquer insondável e complexa figura jurídica ou financeira - trata-se aqui de saber que sempre que contrato com alguém posso não ver cumprida a prestação de que sou credor! Tão-só...

  7. O juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, teria, ele próprio, de ser um juízo de prognose póstuma! 7.

    A verificação do evento em 2016 não pode conduzir, ao contrário do que a omissão de pronúncia sobre este risco parece indiciar, por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! 8.

    Pelo contrário, em 2006, a entidade emitente era dona do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio! Por outro lado, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

  8. Ora, o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 10.

    Ora, é este o exacto risco de um Depósito a Prazo! 11.

    E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo. É que se, por um lado, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta até Dezembro de 20086, e, portanto, nunca cobriria o valor de 50.000,00€, correspondente a uma Obrigação, é verdade também, por outro lado, que nenhum cliente, e os AA. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD! 12.

    Ou seja, a segurança que os AA., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais! Ora, era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações - razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

  9. A menção à segurança do produto não foi, portanto, falsa! 14.

    A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 15.

    Daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital! 16.

    O dever de informação quanto aos "riscos do tipo de instrumento financeiro" surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever, 17.

    O art. 312.º, N.º1, alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar" refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

  10. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como também ocorria já na redacção anterior)! 19.

    A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado - trata-se, em suma, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

  11. Assim, resulta para nós claro que, mesmo à luz da lei actualmente em vigor, neste caso concreto, não houve dever de informação quanto ao risco...

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