Acórdão nº 1474/16.3T8CLD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução06 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 1474/16.3T8CLD.C1.S1 (Revista) - 4ª Secção[1] Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I RELATÓRIO[2]: 1). AA, com benefício do Apoio Judiciário, através de requerimento apresentado em formulário próprio, a que aludem os artigos 387º, n.º 2, do Código do Trabalho[3], 98º-C e 98º-D, ambos do Código de Processo do Trabalho[4], intentou, em 08 de setembro de 2016, na Comarca de Leiria, Caldas da Rainha – Instância Central – Juízo do Trabalho, a presente Ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do seu Despedimento, sob a forma de processo especial, contra “BB, S. A.”.

Efetuada a audiência de partes, não se conseguiu obter a sua conciliação. 2).

Notificada a Empregadora para motivar o despedimento e apresentar o procedimento disciplinar, apresentou o seu articulado, alegando, em síntese, nos seguintes termos: - O procedimento disciplinar e a decisão final proferida não padecem de qualquer irregularidade; - O Trabalhador trata mal os colegas de trabalho e discute com os mesmos, o que ocorreu de forma grave com a trabalhadora CC e o trabalhador DD, criando mau ambiente que levou a primeira a cessar o seu contrato de trabalho e o segundo a deixar a companhia; - O Trabalhador não cumpre as normas de higiene e segurança a que está obrigado: não usa a luva de malha de aço aquando do corte da carne, cortando-se várias vezes nas mãos e deixando os papéis/panos com que se limpa em cima da bancada onde continua a trabalhar e, algumas vezes o seu sangue caiu para a bancada onde se encontravam peças de carne, o que já levou a que uma cliente se tivesse queixado e referido que tinha perdido a confiança no serviço prestado; - A falta de utilização da luva de malha de aço também levou a que um cliente tivesse efetuado uma outra reclamação; - Frequentemente o Trabalhador assoa-se com as mãos, sem recorrer a qualquer lenço, fazendo sair o ranho diretamente para o caixote do lixo e, na maioria das vezes, limpa o nariz à mão e às vezes tem a luva de latex calçada, continuando a trabalhar com as peças de carne sem mudar a luva ou sem ir lavar as mãos, o que faz à vista dos clientes; - Num outro dia quando estava a proceder à lavagem da secção, o Trabalhador urinou na copa o que referiu ter feito porque estava aflito; - As atitudes do Trabalhador são causadoras de mau estar entre os colaboradores do ... e contribuem para a criação de um mau ambiente de trabalho e os seus efeitos repercutem-se negativamente no rendimento dos colaboradores e no regular funcionamento do ...; - O Trabalhador agiu livre e consciente das suas atitudes que, para além de constituírem graves ilícitos disciplinares, pôs em causa o ambiente de trabalho e o bom nome da entidade patronal e violou os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho e de cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho; - A conduta do Trabalhador constitui justa causa de despedimento.

Termina, dizendo que o presente articulado deve ser considerado procedente por provado e, em consequência, ser declarada a licitude e regularidade do procedimento disciplinar realizado e da sanção disciplinar aplicada.

3).

O Trabalhador apresentou, também, o seu articulado, no qual arguiu a nulidade do despedimento porque quem tinha nomeado a instrutora do processo disciplinar não tinha poderes para o efeito, defendeu-se por exceção e por impugnação, sustentando a ilicitude do seu despedimento, e efetuou pedido reconvencional.

Nele alegou o seguinte: - O procedimento disciplinar é inválido e, em consequência, o despedimento ilícito; - Não correspondem à verdade os factos que lhe são imputados, sendo um profissional de reconhecido mérito; - Solicitou a sua transferência para a loja de ..., local da sua residência, o que não lhe foi concedido; - Nunca violou os seus deveres enquanto trabalhador da Empregadora; - O seu despedimento é ilícito; - Tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 25.000,00, a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, deduzindo-se o subsídio de desemprego e a uma indemnização em substituição da reintegração, por que opta, a ser determinada em 45 dias por cada ano completo ou fração de antiguidade. Termina dizendo que a ação e a reconvenção devem ser julgadas procedentes, por provadas e, em consequência, ser declarada a ilicitude do seu despedimento e a Empregadora/Reconvinda ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 429,86, a título de retribuição correspondente a horas de formação; € 25.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; as retribuições a que deixou de auferir e a indemnização por que optou, nos termos supra mencionados e juros de mora vencidos e vincendos desde a data em que as quantias reclamadas deviam ter sido pagas e até efetivo pagamento. A Empregadora veio apresentar a sua resposta ao articulado do Trabalhador, concluindo que deverão as alegadas exceções ser julgadas improcedentes por não provadas e a presente resposta ser procedente, por provada e, em consequência, ser absolvida do pedido e o despedimento declarado lícito e regular.

Foi proferido despacho saneador, julgada improcedente a invalidade do procedimento disciplinar invocada pelo Trabalhador e dispensada a seleção da matéria de facto assente e a base instrutória.

4).

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, e, em 10 de maio de 2017, foi fixada a matéria de facto provada e proferida sentença que julgou.

1) A ação improcedente, por não provada, e, em consequência, se declarou lícito e regular o despedimento do Trabalhador efetuado pela Empregadora; 2) A reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, a Empregadora condenada a pagar ao Trabalhador a quantia de € 419,22; - Absolveu a Empregadora do demais peticionado pelo Trabalhador, em sede reconvencional.

II 5).

Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos [mantidos pelo Tribunal da Relação][5]: 1. Por carta entregue em mão, em 1 de julho de 2016, a R. notificou o A. da decisão de o suspender, de imediato, sem perda de retribuição – fls. 19 PD; 2. Por carta registada, recebida em 31 de agosto de 2016, a R. comunicou ao A. que decidiu aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem indemnização ou compensação – fls. 51-52 PD; 3. O A. é trabalhador da R., desde 21 de junho de 2010, e, à data dos factos em apreço, exercia funções no ... da loja da R. sito na ..., com a categoria profissional de oficial de carnes especializado - acordo; 4. O A. implica, muitas vezes, com os seus colegas de trabalho, sendo habitual dizer-lhes que não fazem o trabalho de forma correta e dar-lhes instruções como se só ele soubesse realizar as tarefas desenvolvidas no ...; 5. Acontece muitas vezes o A. entrar ao serviço no horário da tarde e começar a refilar com os colegas por causa da forma como estão expostos os produtos no balcão do ...; 6. Quando essa tarefa é da competência dos trabalhadores que fazem o horário de abertura; 7. Muitas vezes o A. altera a forma como a carne está exposta só porque acha que faz melhor que os colegas; 8. Quando o que se verifica é que a exposição da carne está feita de acordo com as regras da R. e, por isso, não suscita qualquer reparo por parte das chefias do ...; 9. Este comportamento do A. causou várias discussões com os seus colegas de trabalho, em especial com CC; 10. Desde que CC começou a trabalhar para a R., o A. tem, sistematicamente, implicado com ela; 11. Muitas das discussões entre o A. e CC devem-se ao facto deste saber da sua arte e não acatar as instruções que o A. lhe quer dar; 12. Algumas discussões entre os dois têm levado a que seja necessária a intervenção da responsável pela área do ..., EE, e nalguns casos, do diretor da loja, FF; 13. A mais grave das discussões ocorreu em agosto de 2011, e levou a que fosse necessário chamar o INEM que conduziu CC ao hospital de ...; 14. Porque não conseguia aguentar a pressão que o A. lhe causava, CC, em 6/6/2016, entrou de baixa médica e, mais tarde, apresentou pedido de cessação do contrato de trabalho; 15. O A. implicava, também, com outro trabalhador do ..., DD; 16. Era habitual o A. criticar a forma de trabalhar de DD, o que causou várias discussões entre ambos; 17. Numa dessas discussões, o A. disse a DD que lhe batia; 18. Por causa do mau ambiente de trabalho que o A. criava, DD deixou de trabalhar para a R.; 19. O A. não usa luva de malha de aço quando está a realizar operações de corte, desossa ou desmanche de carne; 20. O que leva a que o A. se corte várias vezes nas mãos; 21. Quando tal acontece, às vezes, o A. deixa ficar os papéis/panos com que se limpa em cima da bancada em vez de os deitar logo ao lixo; 22. Mesmo depois de fazer o penso à ferida e de colocar por cima do mesmo uma luva de latex, nem sempre o sangue estanca, pelo que continua a correr; 23. E, nesses casos, o sangue escorre por dentro da luva formando uma pequena bolsa num dos dedos da luva de latex – o que aconteceu, pelo menos, uma vez; 24. E, mesmo assim, o A. continua a trabalhar, ou seja, a cortar ou desmanchar peças de carne; 25. Uma cliente apresentou uma reclamação para o “SAC – Serviço de Apoio ao Cliente” dizendo que, no dia 5 de junho de 2016, o A. estava a atender um cliente, que se tinha cortado e apesar disso tinha continuado o atendimento, tendo a cliente referido que tinha perdido a confiança no serviço prestado; 26. Numa outra reclamação para o “SAC” um cliente referiu que, no dia 2 de junho de 2016, tinha ido ao ... e tinha visto o A. que...

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