Acórdão nº 454/13.5TVPRT.P1.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução03 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Relatório 1. AA intentou, em 11.03.2013, ação de investigação de paternidade contra BB e CC, pedindo que fosse declarado que é filho biológico do investigado, DD, entretanto falecido.

  1. Posteriormente foi admitida a intervenção principal, do lado passivo, de EE, FF, GG e de HH.

  2. Prosseguindo os autos a normal tramitação processual, encontrando-se já designada data para realização de perícia para recolha de material genético do investigado, foi proferido pela Srª. Juíza “a quo” despacho em que determinou a notificação das partes para se pronunciarem acerca da eventual verificação da exceção de caducidade do direito do autor/ora Recorrente, considerado o disposto no artigo 1817º, nº1 do Código Civil, e o facto de terem decorrido mais de dez anos entre a data em que o autor atingiu a maioridade e a propositura da ação.

  3. Pronunciaram-se o autor, a curadora nomeada ao abrigo do disposto no artigo 1819º, nº1 do Código Civil e os intervenientes EE, FF, HH e GG sustentando: - A imprescritibilidade das ações de investigação da paternidade; - A inconstitucionalidade de qualquer limitação temporal ao exercício do direito de investigar a paternidade; - A inconstitucionalidade da norma do artigo 3º da Lei 14/2009 quando determina que o prazo de caducidade de dez anos aí previsto se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor; - A inconstitucionalidade, por violação dos princípios da confiança e da igualdade, do artigo 1817º, nº1 do Código Civil, quando interpretado no sentido de que a contagem do prazo de 10 anos se inicia na data em que o investigante atingiu a maioridade.

    Já as rés BB e CC pronunciaram-se pela caducidade do direito do autor.

  4. Foi então proferido despacho judicial que, depois de tomar posição fundamentada sobre as objeções suscitadas pelo autor, concluiu que, tendo o autor nascido em 1950, à data da instauração da presente ação já se mostrava largamente ultrapassado o prazo de dez anos previsto no artigo 1817º, nº1 do Código Civil, pelo que julgou verificada a caducidade do direito do autor e absolveu os réus do pedido.

  5. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o autor para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 26.10.2017, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

  6. Inconformado, de novo, com este acórdão, o autor dele interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando para o efeito, a existência dos pressupostos da mesma referidos na alínea b) do nº 1 do artigo 672º do CPC, tendo o Coletivo da Formação a que alude o nº 3 deste mesmo artigo, decidido admitir excecionalmente a revista interposta pelo recorrente.

  7. O autor terminou as suas alegações do recurso de revista excecional interposto para o Supremo Tribunal de Justiça com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «A - O douto Acórdão recorrido, a fls. 496, considerou que o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo n.° 1817/1.° do Código Civil, conjugado com o disposto nos ns.° 2 e 3 do citado preceito é suficiente para assegurar o direito à ação de investigação de paternidade, não violando os direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo n.° 26/1.° e o direito a constituir família, previsto no artigo 36/1.°, ambos da constituição.

    B - Salvo o devido respeito, pleiteia aqui o Recorrente pela inconstitucionalidade do estabelecimento do prazo de caducidade previsto no n. ° 1 do art. 1817. ° do CC para a investigação de paternidade, pela violação do disposto no artigo n.° 1871/1.° do CC e, ainda, do disposto nos artigos 16°, 18° n.° 2, 25° n.° 1, 26°, n.° 1 e 36° n.° 1 da CRP.

    Ora vejamos: C - A presente ação de investigação da paternidade foi instaurada, em 11/03/2013, pelo ora Recorrente, AA, com vista a que o mesmo fosse declarado filho biológico do investigado, DD, entretanto falecido.

    D - O aqui investigado sempre afirmou que quando saísse da força aérea era sua intenção registar o filho em seu nome (à época estava vedado aos pilotos de aeronáutica militar contrair matrimónio, ter filhos e descendência) mas, por infortúnio da vida (acidente de viação), não veio a cumprir o seu desejo.

    E - Não obstante, no dia 21 de Janeiro de 1952, o aqui Recorrente é baptizado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, sita na …, no …, com o nome de AA, para efeitos de baptismo, o aqui Recorrente ficou registado como sendo filho de DD, o aqui investigado - V. boletim de baptismo junto aos autos.

    F - Tendo atingido a maioridade em 1971 - fixada na época a maioridade aos 21 anos, mas nessa altura, o ora Recorrente, em nome e ao serviço da Nação e por via do Poder Pátrio, foi para a Guerra do Ultramar, em Angola, tendo apenas regressado em 1975 ao Continente, já com cerca de 25 anos de idade.

    G - Com o passar da idade e constituindo família, tendo filhos e netos, começou a ser questionado pelos mesmos relativamente aos seus antepassados, chegando os mesmos inclusive a questionar por que motivo no seu cartão de identificação nada constava quanto à paternidade - é assim que em busca da sua identidade biológica, das suas raízes e antepassados que intenta a presente ação no dia 11/03/2013.

    H - É entendimento do aqui Recorrente que o direito ao conhecimento da paternidade, às suas raízes familiares, à sua historicidade pessoal, o direito à identidade pessoal e identidade genética tal como o direito de constituir família, e à não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento têm uma dimensão protegida na constituição no patamar mais elevado dos direitos fundamentais.

    I - Constituindo o não assentamento da paternidade do Recorrente, uma violação ao direito de constituir família, J - Bem como uma violação do seu direito à identidade pessoal e genética e uma notória discriminação de um filho nascido "fora do casamento" (pois que como se referiu, ao tempo estava vedado aos militares, pilotos da força aérea, constituírem família).

    K - Em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito à identidade em detrimento de quaisquer outros direitos relativos ao pretenso progenitor sob pena de violação dos arts 26 n° 1 e n° 3, art° 36 n° 1 e n° 4 e art° 18 da C.R.P.

    L - Acresce que, à data em que a ação foi proposta, a jurisprudência maioritária da Relação e sobretudo do STJ consideravam como contrária ao texto constitucional qualquer limitação temporal ao exercício de ação desta natureza.

    M - Diversos são os Acórdãos Supremo Tribunal de Justiça que propugnam pela imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade (designadamente: Ac. do S.T.J. de 27/1/2011 - Proc. 123/08; Ac. do S.T.J. de 6/9/2011 - Proc. 1167/10; Ac. do S.T.J. de 14/1/2014 - Proc. 155/12.1; Ac. do S.TJ. de 16/9/2014, Proc. 973/11.8.).

    N - Num recente Ac. do STJ de 31-01-2017, Processo n.° 440/12.2TBBCL.G1.SI, Relator: Lima Gonçalves, decidiu o Venerando Tribunal, num caso em tudo idêntico e semelhante a este que: "A norma constante do n° 1 do artigo 1871° do Código Civil, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade da A., enquanto filha, propor a presente ação de investigação de paternidade, com fundamento no facto biológico da filiação, é inconstitucional'.

    O - Atualmente, são completamente irrelevantes os argumentos contra a imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, porque aqueles não podem sobrepor-se à dignidade e dimensão constitucional do direito fundamental à identidade e integridade pessoal ou ao direito ao desenvolvimento da personalidade, que em si mesmos incluem o direito de conhecer e ver reconhecido a ascendência biológica e marca genética de cada pessoa.

    P - Relativamente aos eventuais inconvenientes que a indagação do vínculo de filiação possa acarretar na esfera jurídica dos seus herdeiros, estes podem ser acautelados pelo recurso a outros meios jurídicos, que não contendam com os referidos direitos fundamentais, porque proporcionais aos interesses em confronto.

    Q - Por outro lado, é nosso modesto entendimento que conflituando o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica com a "tranquilidade" dos herdeiros a defenderem interesses puramente patrimoniais, sempre deveria prevalecer o primeiro.

    R - Acresce que o estado não pode restringir o assentamento da filiação/identidade pessoal, através de prazos de caducidade, sejam eles quais forem.

    S - Até porque se refira que a Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer prazo para garantia do direito do reconhecimento da identidade pessoal, da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano (art° 26°, n°s 1 e 3 da CRP).

    T - Além disso, em termos de direito comparado, podemos destacar e a título de mero exemplo...

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