Acórdão nº 349/20.6T8VPA.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA, BB e CC vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 1869.º e 1817.º, aplicáveis ex vi do artigo 1873º, todos do Código Civil, propor ação de investigação de paternidade, contra DD, EE, FF, GG, HH, filho do pré falecido II, JJ, filho do pré falecido II, KK, filho do pré falecido II, LL, MM, NN, curador especial ,indicando-se para o efeito OO.

Pedem, a final, que seja declarado que os Autores são filhos de II com as legais consequências e ordenando-se o averbamento de tal paternidade nos assentos de nascimento daqueles, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 1, al. b), artigo 69º, nº 1, al. b) e artigo 130º, al. b), todos do Código de Registo Civil.

Alegam que os Autores são filhos de II, falecido em ... de ... de 1995; tendo sido registados como filhos de PP e toda a população de ... e de ... os reconhecem e admitem como filho de II e pouco tempo antes de morrer o falecido II confessou ser o pai dos autores.

Citados os Réus, vieram os Réus DD e EE apresentar contestação invocando a caducidade do direito de ação dos Autores, tendo em conta o disposto no artigo 1817.º, n.º 1 do CC.

Findos os articulados foi proferida decisão a julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, decidindo nos seguintes termos: “(...) decido julgar verificada a exceção perentória de caducidade do direito de interpor a presente ação de investigação da paternidade e, em consequência, absolvo os Réus do pedido feito pelos Autores (artigos 577.º e 579.º do CPC)”.

… … Inconformados vieram os Autores recorrer, interpondo recurso de apelação que confirmou a decisão da 1ª instância com os mesmos fundamentos.

Os autores interpuseram recurso de revista excecional concluindo que: “1. Vem o presente recurso de revista excecional interposto do douto acórdão da Relação de Guimarães, notificado aos recorrentes a 21.04.2023, que decidiu “(...) julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.”.

  1. A decisão recorrida deve ser alterada, no sentido de permitir a realização de audiência de julgamento, e toda a produção de prova indicada que permita apurar a verdade, concretamente que os recorrentes são filhos biológicos de II.

  2. O acórdão recorrido do TRG viola inúmeros direitos constitucionais, como o direito à identidade e historicidade pessoal de um filho, direito constitucionalmente consagrado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, o direito ao desenvolvimento da sua personalidade e do reconhecimento das suas origens, pois os recorrentes pretendem ver o seu parentesco reconhecido, como se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 36º da CRP.

  3. A questão de Direito que ora se traz a juízo deste Supremo Tribunal consiste em determinar se o prazo de caducidade para a ação investigatória da paternidade, previsto no art. 1817º, nº 1 do Código Civil (ex vi art. 1873º CC) é ou não conforme à nossa Constituição.

  4. A este propósito, entendeu a Relação recorrida, em síntese, que: “ Decide-se “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante” no seguimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional, em Plenário, acórdão nº 394/2019 publicado no Diário da República n.º 190/2019, Série II de 2019-10-3, e, Ac. STJ citados.” (cfr. sumário do douto acórdão recorrido).

  5. No modesto entendimento dos impetrantes, o entendimento sufragado pela Relação a quo viola os Princípios ínsitos nos arts. 18º, nºs 2 e 3, 26º, nº 1, 36º, nºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa.

  6. O douto acórdão recorrido – que confirmou na íntegra a decisão de primeira instância, com igual fundamento jurídico quanto à questão da inconstitucionalidade ora suscitada – manteve o desfasamento entre a verdade biológica e verdade jurídica, que se afigura inadmissível.

  7. O direito fundamental ao “desenvolvimento da personalidade", constante do artigo 26º, nº 1, da CRP significa que o pretenso filho tem o direito de investigar e determinar as suas origens, a sua família, enquanto que para o investigado, se traduz no direito de ilidir a presunção de paternidade contrária à verdade biológica.

  8. A decisão de avançar para um processo de estabelecimento judicial da ascendência, biologicamente comprovada, convoca uma reflexão prévia e profunda sobre aspetos pessoalíssimos do investigante, de ordem moral e social, não compatíveis com a existência de prazos legais para o exercício deste direito.

  9. Na investigação de paternidade estão em causa interesses indisponíveis do ser humano, como seja o direito à identidade pessoal (art. 26º CRP), nele se incluindo o direito a conhecer e a ver reconhecida a sua ascendência biológica.

  10. Através da ação, o investigante acautela o seu direito à verdade biológica, de saber quem é, de onde vem, direito que é pessoalíssimo, e por isso indisponível e imprescritível.

  11. Este direito a conhecer e ver legalmente reconhecida a origem genética é essencial para a identidade e constitutivo da personalidade de cada indivíduo.

  12. O próprio direito fundamental de constituir família (art. 36º CRP), ao impor ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento jurídico dos vínculos de filiação - os modos de perfilhar e a ação de investigação – acaba por ser denegado, por via de lei com valor inferior (o citado art. 1817º, nº 1 CC).

  13. Também no direito a constituir família (art. 36º, nº 1 da CRP) inclui-se o de descobrir e ver reconhecida a paternidade e a maternidade.

  14. Assim, o estabelecimento do prazo de caducidade de dez anos previsto no art. 1817º, nº 1 CC - ou de qualquer outro - para a propositura da ação investigatória da paternidade consubstancia uma restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal, à verdade biológica e ao direito a constituir família.

  15. Daí que, no humilde entendimento dos recorrentes, o art. 1817º nº 1 do Código Civil (ex vi art. 1873º CC), ao determinar um prazo de caducidade de dez anos da ação de paternidade, contados da maioridade do investigante, é materialmente inconstitucional por violar o disposto nos arts. 16º, 18º, nº 2 e 3, 26º nº 1, 36º, nº 1 da nossa Constituição.

  16. Este entendimento tem aliás sido sufragado por várias decisões deste Supremo Tribunal, como sejam, inter alia, os Acórdãos de 14/05/2019 (P. 1731/16.9T8CSC.L1.S1, 1ª Secção, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá), de 15/02/2018 (P. 2344/5.8T8BCL.G1.S2, 6ª Secção, relatado pela Conselheira Graça Amaral), de 31/10/2017 (P. 440/12.2TBCL.G1.S1, 1ª Secção, relatado pelo Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves) e ainda de 14/01/2014, (P. 155/12.1TBVLCA.P1.S1, 1ª Secção, relatado pelo Conselheiro Martins de Sousa), todos disponíveis em www.dgsi.pt 18. A favor da constitucionalidade do art. 1817º, nº 1 CC...

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