Acórdão nº 0254/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Julho de 2015
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……… SA recorre, nos termos do art. 150º/1 do CPTA, do Acórdão do TCA Sul que negou provimento ao recurso da sentença proferida no TAC de Lisboa onde, em acção administrativa comum, pediu a condenação da ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO IP no pagamento da quantia de 1.189.983,84 euros, bem como nos juros legais desde 10-8-2008, decorrente da violação do Dec.-Lei 242-B/2006 e da Portaria 3-B/2007.
Rematou a sua alegação com a formulação das seguintes conclusões: A. A admissão do presente recurso revela-se necessária para uma melhor aplicação do Direito e também porque se está perante uma questão jurídica de importância fundamental, replicável em diversos outros processos pendentes (proc. n.º 544/1O6BELSB, a correr termos na 3ª Unidade Orgânica do TAC de Lisboa, em que é autora a ora Recorrente e ré a ARS do Norte; proc. n.º 2970/12.7BELSB a correr termos na 1ª Unidade Orgânica no TAF do Porto, em que é autora a ora Recorrente e ré a ARS do Norte e proc. n.º 2562/12.OBELSB, a correr termos na 1.ª Unidade Orgânica do TAC de Lisboa, em que é autora a ora Recorrente e ré a ora Recorrida).
B. Por outro lado, não só a interpretação do bloco de legalidade aplicável variou substancialmente nas duas instâncias que já apreciaram o presente litígio, como a mesma diferiu também da interpretação efectuada pelo mesmo TAC de Lisboa que, em processo análogo (processo n.º 1556/08.5BELSB, que correu termos na 5ª Unidade Orgânica), deu razão à argumentação expendida pela Recorrente.
C. A questão jurídica litigiosa passa por saber como se devem interpretar e aplicar as normas relativas ao modo de pagamento das facturas, emitidas pelas farmácias, quanto às comparticipações a pagar pelo SNS, relativas aos preços dos medicamentos dispensados aos respectivos utentes.
D. No entender da Recorrente, a resposta a essa questão encontra-se resolvida através do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 10.º da Portaria 3-B/2007, de 2/01 (entretanto substituída pela Portaria n.º 193/2011, de 13/05, que contém uma regra diversa), enquanto decorrência do disposto no n.º 7 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 242-A/2006, de 29/12, quando refere que, a farmácia indica uma conta bancária para onde são realizadas as transferências bancárias, que correspondem ao pagamento do valor da factura mensal, entregue no mês anterior, eventualmente, rectificado dos valores correspondentes a notas de crédito ou de débito.
E. O pagamento integral da factura só não ocorrerá nos casos em que o Estado tiver na sua posse notas de débito ou de crédito que deva usar, em seu favor ou desfavor, acertando o pagamento do valor facturado naquele mês de acordo com essas notas de débito ou de crédito emitidas pelas farmácias relativamente a facturas de meses anteriores já pagas.
F. Na falta de uma nota de crédito emitida pela farmácia, não é lícito ao Estado pagar apenas parcialmente uma factura, devendo o litígio originado ser resolvido pelos tribunais.
G. Porém, entendeu o tribunal a quo que se o Estado entende que há alguma rectificação a fazer, essa factura não se encontra validada na sua totalidade e, como tal, não será devido o pagamento efectuado, podendo o Estado deixar de pagar na totalidade as facturas subsequentes.
H. Tal não decorre do regime legal e regulamentar nem foi alguma vez invocado pelas Recorridas, que bem sabem que uma coisa é a validação das facturas e outra é a consequência dessa mesma não validação, que ou terá o acordo da farmácia relativamente à rectificação a fazer, traduzida na emissão de nota de crédito ou de nota de débito, ou implica o necessário recurso por parte do Estado à via judicial.
I. O bloco de legalidade em causa é bem claro nos seus procedimentos, baseando-se numa conta corrente entre o Estado e as farmácias, em que os valores que eventualmente tenham de ser corrigidos relativamente a facturas anteriores, são-no no pagamento das facturas posteriores, através da emissão pelas farmácias de notas de crédito ou de débito.
J. A Lei e a Portaria não permitem que a ARS possa unilateralmente deixar de pagar as facturas pelo seu valor, por entender que pagou por excesso facturas anteriores, salvo a existência de notas de crédito ou de débito emitidas pelas farmácias.
K. A Recorrida, contudo, entendeu que poderia proceder a um pagamento parcial de uma factura invocando o instituto da compensação de créditos, algo que o TAC de Lisboa e o TCA do Sul julgaram ambos ser legalmente inadmissível, por não estarem preenchidos os requisitos legais de que depende a utilização do instituto da compensação.
L. O art. 9.º da Portaria n.º 3-B/2007, de 2/01, é claro: as facturas devem ser validadas, para que a ARS veja se há ou não lugar a alguma rectificação a fazer e, em caso afirmativo, enviar à farmácia uma relação resumo com o valor das rectificações, bem como uma justificação para essas rectificações, bem ainda como os documentos comprovativos da necessidade de se promover uma rectificação, para obter da farmácia a emissão de uma nota de crédito.
M. Em parte alguma se prevê que o pagamento na totalidade seja indevido até porque pode dar-se o caso que a explicação dada pela farmácia venha a demonstrar que não havia qualquer rectificação a fazer.
N. Nos casos pontuais em que existem rectificações ao valor facturado e em que excepcionalmente não existe um consenso entre a ARS e a farmácia relativamente a essas rectificações, não emitindo, portanto, as farmácias as notas de crédito ou de débito, tem a ARS que intentar uma acção judicial para que o tribunal decida se o pagamento efectuado foi ou não correcto.
O. Contrariamente ao que parece o TCA confundir, aqui não releva uma eventual caducidade do direito de invocar a rectificação, por parte da ARS, mas sim a situação em que a ARS pagou uma factura pela totalidade apesar de não ter validado essa mesma factura pela totalidade mas também não tendo convencido a farmácia da justificação para a referida rectificação.
P. Nesse caso, resta à ARS a via judicial, já que a via da compensação de créditos lhe está legalmente vedada e a via do não pagamento de facturas posteriores, contra as quais nada tem também lhe está legalmente vedada, sob pena de incumprimento.
Q. É esta interpretação (a única possível!) que resulta expressa do teor e das conclusões dos três Pareceres Jurídicos juntos da autoria dos Professores M. Rebelo de Sousa, Rui Pinto Duarte e M. Aroso de Almeida/Vítor Pereira das Neves, que clarificavam a questão jurídica em apreço.
R. Ademais, não existe nos autos qualquer falta de elementos de facto que obstem à condenação da Recorrida na entrega dos montantes que indevidamente compensou, pois tal só aconteceria se a Recorrida tivesse colocado em causa a existência e a exigibilidade dos créditos que, unilateralmente, decidiu não pagar na totalidade, o que não sucedeu.
S. Assim, se este STA vier a conceder provimento à tese aqui explanada pela Recorrente, então pode e deve condenar a Recorrida à devolução dos montantes por esta ilegalmente “compensados” sobre o valor das facturas emitidas, conforme detalhado nas alegações de recurso da decisão do TAC de Lisboa, oportunamente apresentadas e que aqui se dão por reproduzidas.
Termos em que: A) Deve o presente recurso de revista ser admitido, por estarem preenchidos os pressupostos legais de que depende a sua admissibilidade; B) Deve o presente recurso de revista ser integralmente procedente e consequentemente revogar-se a sentença do tribunal a quo e substituir-se a mesma por decisão que condene a Recorrida no pagamento à Recorrente do valor de € 1.189.983,84 ilegalmente retidos nas liquidações efectuadas entre Janeiro de 2007 e Junho de 2008, relativamente às facturas emitidas pelas farmácias (e cuja existência e valor não foram questionados pela Recorrida), sem que as referidas retenções estejam sustentadas em notas de crédito emitidas pelas farmácias, nem sendo admissível a compensação de créditos, tudo em incumprimento do disposto no Decreto-Lei nº 242-B/2006, de 29/12, e na Portaria n.º 3-B/2007, de 2/01; C) Deve ainda, na sequência da procedência do presente recurso, ser a Recorrida igualmente condenada no pagamento dos juros legais em vigor, contados a partir do dia 10/08/2008 até ao integral e efectivo pagamento dos valores em causa, que, na data de 5/12/2008 (data da propositura da presente acção judicial) ascendiam ao valor global de € 42.226,17.
A ARS contra alegou para concluir da seguinte forma: 1. O presente recurso jurisdicional tem o seu fundamento na decisão do TCA Sul, que julgou improcedente o recurso interposto pela A……., e que confirmou a decisão do TAC de Lisboa, embora com fundamentação parcialmente diferente.
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