Acórdão nº 0510/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A………. e outro, devidamente identificados nos autos, vêm interpor recurso para o Pleno desta Secção do STA do acórdão proferido em 1.ª instância pela 1.ª Secção deste STA, em 28.01.16.

  1. Terminam as suas alegações formulando as seguintes conclusões: “1.º O aliás douto Acórdão sob recurso merece ser revogado e substituído por outro que reconheça o cabimento da causa no âmbito da jurisdição administrativa e no da competência do Supremo Tribunal Administrativo; 2.º O aludido cabimento resulta da natureza de ato administrativo da decisão de demissão dos Recorrentes formulada em Resolução do Conselho de Ministros já identificada nestas alegações; 3.º Ao qualificar o ato impugnado como exercício, no âmbito do Direito Privado, de um direito potestativo extintivo, o Acórdão sob recurso violou por erro de desaplicação o artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991/96, a cuja luz merece a decisão em causa ser considerada ato administrativo; 4.º O Acórdão sob recurso viola, por erro de aplicação, o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18 de janeiro (Estatuto do Gestor Público/EGP) ao dele extrair indevidamente a ilação de que, através de tal preceito, o legislador qualifica como de direito privado a relação jurídica de gestão pública dos gestores das entidades públicas empresariais; 5.º Ao confirmar o Despacho reclamado, que havia incorrido em tais ilegalidades, o Acórdão sob recurso violou por seu turno: (i) por erro de aplicação, o artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, do EGP e o artigo 7.º, n.º 2, dos Estatutos do "OPART, E.P.E.", ao negar ao ato administrativo sob forma de resolução do Conselho de Ministros o efeito típico de constituição da relação de gestão pública com os nomeados; (ii) por erro de interpretação, o artigo 18.º do EGF, ao atribuir ao contrato de gestão efeito constitutivo da relação jurídica de gestão pública; (iii) por erro de aplicação, o artigo 18.º do EGP e o artigo 1.º, n.º 6, alíneas b) e c), do Código dos Contratos Públicos, ao qualificar o contrato de gestão como contrato da Administração submetido a um regime de direito privado; (iv) por erro de aplicação, o artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, do EGP, ao negar a natureza de ato administrativo da demissão de gestor público, por mera conveniência, por resolução do Conselho de Ministros.

    6.º A título subsidiário e para a eventualidade de se julgar que reside no contrato de gestão o momento constitutivo da relação jurídica de gestão pública, invoca-se a natureza administrativa desse contrato; 7.º E, se assim for, o douto Acórdão sob recurso terá, ao negar natureza de ato administrativo à decisão de demissão dos gestores, violado o artigo 307.º, n.º 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos; 8.º Ao confirmar o Despacho do Juiz-Conselheiro Relator, que também fundamentou no exercício de uma "função acionista" de natureza jurídica privada a recusa de reconhecimento do caráter de ato administrativo à decisão de demissão, o Acórdão recorrido violou por seu turno, por erro de desaplicação, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 160/2007, de 27 de abril, e incorreu em interpretação dos artigos 37.º, n.º 1, e 38.º n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, desconforme ao artigo 199.º, alínea d), da Constituição; 9.º Ao confirmar o Despacho do Senhor Juiz-Conselheiro Relator, e, portanto, o entendimento de que o poder de demissão dos gestores públicos das E.P.E. não é um poder público a exercer através de ato administrativo, o Acórdão sob recurso faz um entendimento daqueles preceitos desconforme ao artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição; 10.º Merece portanto o aliás douto Acórdão sob recurso ser revogado por haver infringido o artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo e violado igualmente toda uma outra série de preceitos acima identificados, também reportáveis à natureza do impugnado ato de demissão; 11.° Deve, em consequência, ser admitida a ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, reconhecendo-se que ela cabe no âmbito da jurisdição administrativa e da competência do Supremo Tribunal Administrativo nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), subalínea (iii) do ETAF;II DO MÉRITO DA CAUSA 12.º A impugnada resolução do Conselho de Ministros pela qual foram os Recorrentes demitidos dos cargos que ocupavam no Conselho de Administração do "OPART, E.P.E." deve ser anulada com fundamento em vício de violação de lei por falta de fundamentação e em vício de violação de lei por falta de audiência dos interessados; 13.º Devem o Conselho de Ministros e a Presidência do Conselho de Ministros ser condenados a readmitir os Autores nos cargos dos quais foram demitidos; 14.º Deve o "OPART, E.P.E." ser condenado a pagar aos Autores o montante integral das remunerações a que teriam direito se tivessem permanecido nos cargos que ocupavam, a partir de 15 de janeiro de 2015 e até à data da readmissão”.

  2. Devidamente notificadas, apenas a entidade demandada Presidência do CM, aqui ora recorrida, apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões: “12.

    Assim, pode neste momento afirmar-se, em síntese, o seguinte: A) O douto Acórdão recorrido não merece a mais leve censura; B) Com efeito, e contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes, não foram violadas as disposições legais invocadas por estes, nem quaisquer outras a cuja observância esse Venerando Supremo Tribunal Administrativo estivesse obrigado; C) Designadamente, não existiu qualquer erro de desaplicação do artigo 120.° do Código do Procedimento Administrativo então em vigor, pela simples mas determinante razão de que o ato impugnado não reveste a natureza de ato administrativo; D) Bem assim, não existiu qualquer erro de aplicação do artigo 17.º do Estatuto do Estatuto do Gestor Público, pois o facto de os trabalhadores com relação jurídica de emprego público poderem exercer funções de gestor por acordo de cedência de interesse público é bem elucidativo da "passagem" de um regime de direito público para uma relação de direito privado; E) Quanto aos pretensos vícios derivados do Acórdão sob censura, os mesmos não se verificam, acompanhando-se, brevitatis causa, em toda a sua extensão, a douta argumentação constante do Despacho reclamado; F) Por conseguinte, e como bem se decidiu no Acórdão impugnado, verifica-se a incompetência em razão da matéria da jurisdição administrativa para conhecer dos pedidos anulatório e condenatório formulados na ação.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, para os quais se pede e conta com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o douto acórdão recorrido, assim se fazendo – como, aliás, sempre – Justiça!”.

  3. O Digno Magistrado do Ministério Público, devidamente notificado, não emitiu qualquer parecer ou pronúncia (cfr. fl. 285).

  4. Com dispensa de vistos, mas envio antecipado do projecto de acórdão, cumpre apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1.

    De facto: Os factos irão sendo considerados à medida que formos apreciando a questão controvertida sub judice.

  5. De direito: 2.1.

    Decorre das conclusões das alegações de recurso que os recorrentes imputam ao acórdão recorrido vários erros de direito, na interpretação e aplicação de distintas normas, em alguns casos envolvendo desconformidade com o estatuído em preceitos da CRP.

    O acórdão recorrido, que confirmou o despacho do Relator em primeiro lugar reclamado, considerou que o acto impugnado não é um verdadeiro acto administrativo e que, por conseguinte, “ocorre a excepção de incompetência do tribunal, «ratione materiae»” (cfr. fl. 223). Fundamentalmente, a linha de raciocínio seguida no acórdão recorrido foi a de que o acto de demissão, não obstante constar de uma resolução do CM, não é um acto administrativo. E isto, porque as relações jurídicas que foram extintas pelo acto impugnado eram de natureza privada e o acto que as extinguiu constitui manifestação do exercício de um direito potestativo extintivo que não envolve o uso de ius imperii. Para assim concluir, e sem deixar de reconhecer a dificuldade na determinação do exacto momento da constituição do ‘status’ de gestor público – resultante essa dificuldade do modo obscuro como o legislador tratou a questão –, no acórdão recorrido esgrimiram-se três argumentos de fundo.

    São eles, e em primeiro lugar, o argumento retirado do n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 71/2007, de 27.03, segundo o qual “ao dizer [o tal dispositivo] que «os trabalhadores com relação jurídica de emprego público podem exercer funções de gestor público por acordo de cedência de interesse público, nos termos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro» – inequivocamente revela que tais «trabalhadores» assumem as funções de gestor mediante um trânsito que termina no exercício de uma actividade de índole privada (cf. o art. 58º da Lei n.º 12-A/2006)” (cfr. fls. 221-2).

    Em segundo lugar, o argumento de que as relações jurídicas que foram extintas pelo acto impugnado tiveram como sua fonte constitutiva o contrato de gestão celebrado pelos ora recorrentes, pelos titulares da função accionista e pelo membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade, e de que, sendo este contrato de gestão um contrato de natureza privada, de idêntico modo será de natureza privada a relação jurídica de gestão pública que dele decorre. Efectivamente, como se diz no acórdão recorrido, “o contrato de gestão – onde se perfaz o acordo de vontades, unindo a nomeação do gestor público e a sua aceitação – é de direito privado; sendo-o também, e fatalmente, os vínculos que dele decorrem. E os diversos modos legais de cessação desses vínculos – em que se inclui a «demissão por mera conveniência», prevista no art. 26º do DL n.º 71/2007 – hão-de seguir a mesma linha, sob pena de anormalidade e ilogismo” (cfr. fl. 218).

    Em...

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