Acórdão nº 3204/12.0TAMTS-F.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução02 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 3204/12.0TAMTS-F.P1 Instância Local de Matosinhos – Secção Criminal (J3) da comarca do Porto Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório No processo nº 3204/12.0TAMTS, da Instância Local de Matosinhos – Secção Criminal (J3) da comarca do Porto, com data de 15.05.201 (fls. 126) foi proferido o seguinte despacho: “Quanto à invocada ilegitimidade no que contende com o exercício do direito de queixa, somos a entender, salvo melhor opinião, pela sua improcedência. Com efeito, e reconhecendo que, do ponto de vista literal, o art. 75.º do CSC se insere em capítulo em cuja epígrafe se lê responsabilidade civil pela constituição, administração e fiscalização da sociedade, uma tal interpretação – tendo em conta, exclusivamente, a letra da lei, não se coaduna, na nossa perspetiva, com a respetiva teleologia, sob pena de tal texto se revelar lacunar no que contende com a responsabilização em sede de processo penal. Acresce, por outro lado, que a proposta apresentada o foi no sentido da propositura da ação cível e criminal, tendo merecido aprovação em sede de AG, na qual se encontrava presente a totalidade do capital social, ainda que estando precludido aos visados o direito de voto neste conspecto, inexistindo notícia de que algum haja reagido com respeito a tal deliberação. Importa, ainda salientar não se encontrar de entre as nulidades, insanáveis ou não, previstas no Código de Processo Penal uma tal situação, pelo que, a ter-se a mesma como irregularidade, sempre se encontraria sanada por falta da sua arguição tempestiva (cfr., a propósito de situação diversa, mas que se entende aplicável ao caso concreto, o Ac. do TRP de 11/09/13, in www.dgsi.pt).”*Inconformado com o assim decidido, interpôs o arguido B… recurso para este Tribunal, sustentando as conclusões, que se passam a transcrever: 1ª O crime de infidelidade é um crime semipúblico e, como tal, dependente de queixa do ofendido (art° 224° nº3 do Código Penal).

  1. A norma do art° 75° do Código das Sociedades Comerciais não permite a nomeação de um representante especial para a apresentação de queixa criminal contra os administradores ou gerentes de uma empresa, sendo que, tal norma é excecional e, como tal, não pode ser aplicada analogicamente à queixa criminal.

  2. Relativamente à apresentação de queixa criminal não se prevê no Código das Sociedades Comerciais que tal deliberação possa ser tomada sem precedência de assembleia geral convocada para o efeito ou sem precedência de deliberação dos sócios ou sequer que tal queixa possa ser apresentada pelo representante especial (art° 75° n.º e 76° do CSC).

  3. Na interpretação da lei não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo que no sentido e no alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art° 9° nº1 e 2 do Código Civil), pelo que se o legislador não previu que a assembleia geral pudesse deliberar apresentar queixa criminal contra os administradores, é porque este órgão não tem competência para o efeito.

  4. Na verdade, para ser válida a deliberação de apresentação de queixa contra os administradores deveria ser tomada em assembleia geral designada para o efeito e por deliberação dos sócios.

  5. Inexistindo assembleia geral para o efeito convocada, a deliberação em causa é nula, nos termos do disposto no art° 56° nº1 al. a) do CSC, uma vez que não constava da ordem de trabalhos tal ponto para ser discutido e aprovado.

  6. Aliás, a interpretação que se extraia das disposições conjugadas dos art°s 113° nº1, 224° nº3 do Código Penal, dos art°s 48° e 49° nº1 e 3 do Código de Processo Penal e 75° nº1 do Código das Sociedades Comerciais no sentido de que o Ministério Público pode exercer a acção penal, impulsionado por queixa criminal apresentada por representante especial de pessoa coletiva nomeado nos termos do art° 75° nº1 do CSC, deve ser julgada inconstitucional por violação do disposto no art° 219° nº1 da Constituição.

  7. Acresce que, ainda assim, o art° 75° nº1 do Código das Sociedades Comerciais não teria aplicação tendo em conta que o voto do C… valia apenas 33,3 %, sendo que a deliberação teria que ser votada com maioria, o que não aconteceu.

  8. Na verdade, o artº 25° nº2 do Código de Processo Civil resolve a questão, deixando à decisão do juiz da causa (ou autoridade judiciária - com as necessárias adaptações ao Ministério Público no caso de queixa criminal) a designação de pessoa que represente a sociedade (cfr. neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/6/05, publicado in CJ ano XXX, tomo III, pag. 301).

  9. Assim não sendo, e tendo sido a queixa apresentada por quem não tem poderes para o efeito, o Ministério Público poderia, do mesmo passo, avançar com o procedimento criminal, nos termos do disposto no art° 113° nº 5 al. b) do Código Penal, mas só o poderia fazer quando considerasse expressamente através de despacho a tal dirigido que o interesse do ofendido assim o aconselhava, o que não aconteceu nos presentes autos (neste sentido, no caso paralelo do menor, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/4/14, relatado por José Piedade, publicado in www.dgsi.pt).

  10. Por outro lado, ainda que nenhum dos sócios tenha reagido judicialmente contra a deliberação, esta não pode produzir quaisquer efeitos, sendo que a nulidade é de conhecimento oficioso para o Tribunal, nos termos do disposto no art° 286° do Código Civil.

  11. E, por outro lado, segundo o princípio da suficiência do processo penal, neste são resolvidas todas as questões que interessam à decisão da causa, mesmo que não sejam do foro penal (art° 7° nº1 do Código de Processo Penal), pelo que o Tribunal não podia, nem pode escudar-se no facto de não se ter impugnado a deliberação perante os tribunais civis.

  12. Acresce que, a falta de legitimidade do queixoso e, por consequência, a ilegitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal não constituem qualquer irregularidade que possa ser sanada, sendo invocável até ao trânsito em julgado da sentença.

  13. Deve, assim, o processo ser arquivado por ilegitimidade da queixosa e da sua representante e, consequentemente do Ministério Público para exercer a ação penal, com as legais consequências.

  14. O despacho recorrido violou ou fez errada interpretação das normas referidas na motivação que aqui se dão por reproduzidas, não podendo, pois, manter-se.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, serem os autos arquivados por ilegitimidade do representante especial nomeado nos termos do disposto no art° 75° nº 1 do Código das Sociedades Comerciais para a apresentação da queixa e consequente ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, só assim se fazendo JUSTIÇA.

***A ofendida D…, S.A. respondeu no sentido da improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido. Formulou as seguintes conclusões:

  1. Na assembleia geral, realizada em 15/06/12, quando foi deliberado apresentar uma queixa crime contra o Recorrente e demais arguidos e foi nomeada a representante especial para fazê-lo, o Recorrente esteve representado pela Drª E….

  2. Assim como estiveram presentes, ou representados, todos os acionistas.

  3. Tais deliberações não foram impugnadas judicialmente por nenhum dos arguidos, tendo o arguido e aqui Recorrente...

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