Acórdão nº 67/12.9JAPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o condenou: -Pela prática em autoria material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171°, 1 e 2, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; pela prática em autoria material de um segundo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171°, 1 e 2, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão: Em sede cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena de 9 (nove) anos de prisão pela prática dos dois crimes de abuso sexual de crianças.
Tal decisão consubstancia uma alteração das penas aplicadas em sede de primeira instância na qual se decidiu: Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171°, n.° 1 e 2, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; pela prática em autoria material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171°, n.° 1 e 2, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) de prisão.
- Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 12 (doze) anos de prisão.
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. Por Acórdão datado de 7 de Maio de 2014 proferido no processo identificado em epígrafe, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa determinou Alterar as penas parcelares aplicadas ao arguido, condenando-se o arguido AA:- pela prática em autoria material de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1 e 2 , do código penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão:- pela prática em autoria material de um segundo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1 e 2 , do código penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; Alterar a pena única, condenando-se o arguido AA na pena de 9 (nove) anos de prisão pela prática dos dois crimes de abuso sexual de crianças, 2. Sententia debet esse conformis libelo: a sentença deve estar conforme a acusação, essência do princípio do acusatório, que a Constituição Portuguesa expressamente acolhe (art. 32º nº 5), o que é compreensível, porque a defesa responde a uma acusação e é, em função dela, que assume a sua posição processual.
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A sentença que condene, por uma factualidade diferente da que consta da acusação - se a modificação for relevante para a defesa do arguido e para a decisão da causa e não tiver ocorrido a comunicação prevista no artigo. 358º do Código de Processo Penal -, é nula. É o que dispõe o art. 379º nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
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No caso em apreço, o acórdão proferido em 1ª instância é nulo, por violação destas disposições legais.
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O ora recorrente invocou no seu recurso para o Venerando Tribunal da Relação três situações em que no caso apreço ocorreu violação do artigo 358º do Código de Processo Penal, no âmbito de alteração não substancial dos factos, com a consequente nulidade da decisão nos termos do artigo 379º nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
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A primeira situação constata que o arguido foi acusado pelo crime de abuso sexual na pessoa da menor BB, consubstanciado, além do mais, na seguinte factualidade: “em data que não é preciso precisar, mas que se situa durante o mês de Fevereiro de 2010, numa noite de sexta-feira ou sábado, algum tempo após o aniversário dos onze anos da menor, o arguido despiu-a e logrou introduzir o seu pénis, erecto, na sua vagina, efetuando movimentos típicos de cópula, de vai e vem, acabando por ejacular, sem uso de qualquer preservativo” (cfr. ponto 18 da acusação).
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O arguido prestou declarações em sede de Audiência de Julgamento com base nessa acusação e as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento foram-no nesse pressuposto.
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Contudo, lê-se no acórdão recorrido, que o tribunal deu como provado que os factos em apreço teriam sido cometidos "Em data que não foi possível determinar em concreto, num daqueles fins-de-semana de 2010, pouco tempo após o seu aniversário, depois de BB se encontrar despida, o arguido introduziu o seu pénis erecto na sua vagina, efectuando movimentos típicos de cópula, de vai e vem, acabando por ejacular, sem usar qualquer preservativo” (cfr. factos provados sob n.º 17) 9. O Tribunal não tomou oficiosamente a iniciativa de previamente comunicar ao arguido a alteração da acusação nesse particular, ao abrigo do artigo 358º nº 1 do Código de Processo Penal.
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O acórdão, no segmento em análise, é nulo, contudo, o Venerando Tribunal da Relação não o considerou.
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A segunda situação invocada pelo requerente, é a mais evidente e diz respeito ao ponto 19 dos factos dados provados no acórdão.
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Na situação dos factos supostamente ocorridos na casa do ... (e que até constituem recorte fáctico que mereceu condenação do arguido por um crime autónomo, com uma pena própria), a acusação descreve as circunstâncias da ocorrência do crime através do seguinte enunciado: "Assim, pelo menos desde o mês de Março de 2010, inclusive, até Fevereiro de 2012, em todas as sextas-feiras e sábados, em que a menor ficava a pernoitar na casa do arguido, este introduzia-lhe o pénis erecto na vagina, por a anatomia da menina já o permitir” (cfr. ponto 20 da acusação).
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Sucede que o tribunal deu como provado “Assim, pelo menos desde essa altura e até finais de fevereiro de 2012, em quase todas as noites que a BB pernoitava em casa do arguido, este actuava da forma descrita, introduzindo o seu pénis erecto na vagina de BB, umas vezes usando preservativo e outras vezes não, quando não o fazia, solicitava à menor que introduzisse o seu pénis na boca e o chupasse, até ejacular” (cfr. factos provados sob os nºs 19).
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Considerou também o Tribunal de 1ª instância provado que: - Quando o arguido não introduzia o seu pénis erecto na vagina de BB, então o arguido solicitava à menor que introduzisse o seu pénis na boca e o chupasse, até ejacular, o que é uma completa novidade face à acusação, - E que o arguido umas vezes usaria preservativo e outras vezes não, o que é outra novidade face à acusação 15. Tal alteração não substancial da acusação devia ter sido comunicada ao arguido, ao abrigo do art. 358º nº 1 do Código de Processo Penal, nos termos do regime já analisado, a fim de que o arguido ponderasse esses dados novos na sua defesa, o que não aconteceu.
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O arguido foi condenado com base em circunstâncias de modo diferentes das que constavam da acusação - passando a ser considerado também que desde um daqueles fins-de-semana de 2010 quando o arguido não introduzia o seu pénis erecto na vagina da menor então o arguido solicitava à menor que introduzisse o seu pénis na boca e o chupasse, até ejacular, bem como o facto de o arguido umas vezes usaria preservativo e outras vezes não, além de tais serem elementos que poderiam ser considerados relevantes para a defesa, como eram -, sem que se tenha procedido à prévia comunicação prevista no art. 358º nº 1 do Código de Processo Penal, o acórdão é nulo ao abrigo do disposto no artigo 379°, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
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Quer na situação de alteração não substancial dos factos, quer na da alteração substancial dos factos o arguido tem o “direito a ser ouvido”, no sentido de lhe dever ser dada oportunidade efetiva de discutir e tomar posição sobre as decisões relativas a essas questões.
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Acresce que tais factos assumiam relevo próprio na valoração global do comportamento do arguido. Quer o (primeiro) facto (novo) de que desde um daqueles fins-de-semana de 2010 (quando o arguido não introduzia o seu pénis erecto na vagina da menor) então o arguido solicitava à menor que introduzisse o seu pénis na boca e o chupasse, até ejacular, bem como o (segundo) facto de o arguido umas vezes usaria preservativo e outras vezes não, alteram a imagem global do facto e permitem ajuizar a intensidade do juízo de censurabilidade da conduta, com reflexos específicos na avaliação da personalidade do arguido e nas consequências jurídicas do crime.
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O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 674/99, adotou como critério orientador a necessidade de garantir a defesa eficaz do arguido para concluir que são relevantes os novos factos que se reportem a um distinto modo de comissão ou execução do crime, bem como à intenção de praticar esses factos e de atingir o resultado penalmente ilícito (com eventuais consequências a nível da graduação da pena).
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Tal Tribunal julgou inconstitucionais, as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretados no sentido de se não entender como alteração dos factos a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados.
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Verificou-se nos presentes autos uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, sendo manifesto o interesse do arguido em se defender destas concretas imputações, em invocar as suas razões de facto e de direito e eventualmente em oferecer provas, sem que tenha havido a comunicação nos termos do artigo 358.º, n.º 1, do Código do Processo Penal, o que não pode deixar de ser considerado como uma decisão que contraria o princípio do acusatório e põe em causa as garantias de um processo leal e equitativo, implicando nulidade do Acórdão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do Código do Processo Penal.
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Notificado da motivação do recurso que foi interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação, o Ministério Público junto do Tribunal da ... (resposta subscrita pelo Procurador da República Dr. ...) apresentou doutas contra-alegações, de forma fundamentada, nas quais refere: “(…) quanto à matéria de facto que consta do ponto 20 da acusação e aquela que foi dada como provada sob o número 19 da...
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