Acórdão nº 98/17.2GAPTL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | VINÍCIO RIBEIRO |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. No Proc. n.º 98/17.2GAPTL, do Tribunal Colectivo da Comarca de ..., Juízo Central Criminal de ...--Juiz 3, em que é arguido AA, por acórdão de 23/7/2018 (fls. 1830-1863 do VIII vol.) foi decidido: «b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e concurso efetivo, dos crimes e nas penas seguintes: (Proc. 98/17.2GAPTL) - um crime de subtração de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - um crime de abuso sexual de crianças, em trato sucessivo, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - um crime de abuso sexual de crianças, em trato sucessivo, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b), 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; - um crime de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), por referência ao artigo 170.º, 69º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea ap), e 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), todos do RJAM (aprovado pela Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações posteriores, a última pela Lei n.º 50/3013, de 24-07), na pena de 9 (nove) meses de prisão; (Proc. 61/17.3JAAVR) - um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, e - um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 10 (dez) anos.
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Condenar o arguido AA a pagar às ofendidas BB e CC (representadas pelos seus progenitores até à maioridade), a título de indemnização por danos não patrimoniais, respectivamente, as quantias de 6.000,00€ (seis mil euros) e de 3.000,00€ (três mil euros).
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Declarar perdida a favor do Estado a soqueira apreendida ao arguido AA; f) Condenar o arguido AA nas custas do processo, com taxa de justiça de 5 (cinco) UC» ******** 2. Deste acórdão da Comarca de ..., interpôs o arguido recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.
******** 3. O arguido interpôs também, antes, dois recursos interlocutórios: um do despacho de 7/6/2018 (fls. 1777-1778 do 8.º vol.), que indeferiu a arguição de nulidade do despacho de 25/5/2018 (fls. 1759-1761 do 8.º vol. ), nos termos do qual foi indeferido o pedido de inquirição da testemunha EE (motivação a fls. 1799-1807 do 8.º vol.).
Respondeu o MºPº (fls. 1816-1818 do 8.º vol.) pugnando pelo improvimento do recurso em causa, por não merecer censura o despacho recorrido.
outro do despacho proferido em 10/7/2018 (fls. 1823-1828 do 8.º vol.) , que indeferiu o pedido do arguido de realização de perícia médico-legal às suas faculdades mentais e de avalização psicológica de respectiva personalidade, concluindo, que ao juiz do julgamento compete garantir a defesa dos direitos fundamentais do arguido e do ofendido. Ao ter indeferido o pedido de realização da perícia, o Tribunal fez errada interpretação no art. 340.º, n.º 1, do CPP, violando o disposto nos arts. 124.º, n.º 1, 339.º, n.º 4 e 340.º, n.º 1, todos do mesmo CPP.
O Ministério Público respondeu (fls. 1893-1902 do 9.º vol.) sustentando a bondade da decisão recorrida.
Responderam no mesmo sentido os assistentes DD e FF (fls. 1922-1924 do 9.º vol.) ******** 4.
Conclusões do recurso do arguido do despacho de 10/07/2018: «V – CONCLUSÕES 1 - O presente recurso limita-se ao despacho proferido em 10/07/2018, no contexto do qual foi indeferida a realização de uma perícia médico-legal às faculdades mentais do Arguido e de uma avaliação psicológica da sua personalidade.
2 – Na sessão de julgamento do dia 10/07/2018, na pertinente ata, ficou a constar o seguinte: “Finda a audição do CD, foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário do arguido e, tendo-lhe sido concedida, resumidamente e que se encontra gravado, disse: o arguido e a sua defesa mantêm o pedido de realização de exame pericial, para o que, além do que resultou da audiência, invoca o relatório social que foi junto ao processo, de onde decorre de forma absolutamente cristalina a necessidade de o arguido ser tratado e acompanhado a nível de saúde mental, pelo que mantém todo o interesse a perícia, também pelo depoimento e postura que o arguido tem demonstrado.” 3 - Após a devida deliberação, o M.mo Juiz proferiu o subsecutivo Despacho: “O arguido AA requereu, em ambas as contestações, a realização de perícia médico-legal às respectivas faculdades mentais e uma avaliação psicológica de personalidade para os efeitos do estabelecido no art.º 20 do código Penal [...]. Reafirmou agora tal requerimento, invocando designadamente o relatório social junto aos autos [...]. A apreciação de tal requerimento foi relegada para a audiência de julgamento por forma a poder eventualmente testar mais elementos para melhor ponderação [...]. A realização de perícia ao estado psíquico do arguido está prevista no art.º 351 do Código de Processo Penal quando em audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido. Por outro lado a realização de perícia sobre a personalidade pode ocorrer nos termos do art.º 160 do mesmo Código. Desses preceitos legais resulta que a realização de tais exames periciais tem que estar fundado em elementos facultados pelos autos ou que se suscitem no decorrer da audiência, o mesmo é dizer que a mera condição de arguido e/ou a natureza dos factos e dos crimes que lhe são imputados, não justificam, por si mesmos, a realização de tais perícias. Do relatório social relativo ao arguido AA resulta explanado o seu percurso de vida, o qual o mesmo confirmou em audiência, sendo que a referência à intervenção a nível da saúde mental é feita na respectiva conclusão, mas daí não pode extrair-se que o mesmo padeça, efectivamente, de qualquer patologia ao nível mental ou psíquico [...]. Por outro lado, o arguido prestou declarações em audiência e também na fase de instrução, estas acabadas de reproduzir, nada resultando da globalidade das mesmas e da sua postura perante os factos e na própria audiência que possa indiciar qualquer patologia do foro psicológico ou psiquiátrico com influência na sua capacidade de perceber o alcance dos atos, que pudessem conduzir a alguma situação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída nos termos do art.º 20 do Código Penal, como é invocado. Por outro lado, ainda que tenha sido feita menção em audiência a um possível acompanhamento por psicólogo em idade escolar, nada foi confirmado a esse respeito, designadamente pela apresentação de elementos documentais, sendo que a única testemunha que demonstrou conhecer o arguido AA há vários anos afastou mesmo qualquer possibilidade de ele ter qualquer limitação cognitiva, dizendo mesmo que “não é maluco“ conforme depoimento da testemunha GG. Nessa medida, por nada resultar dos autos e da própria audiência que possa fundamentar a necessidade da realização de tais meios de prova, indefere-se a requerida realização de perícia médico-legal às faculdades mentais e de avaliação psicológica da personalidade, para os efeitos do art.º 20 do Código Penal, conforme foi requerido pelo arguido AA.” 4 – Ocorre que, do teor do relatório social junto aos autos, com destaque, se extrata o seguinte: “[…] a provarem-se os factos pelos quais o arguido está acusado, parece-nos importante considerar, simultaneamente com a pena que lhe vier a ser aplicada, uma avaliação e intervenção estruturada ao nível da saúde mental com vista a identificar eventuais necessidades de tratamento e promover a mudança comportamental no sentido da interiorização do desvalor das condutas e da interiorização da necessidade de mudança para adoção de valores prósociais.” 5 – A pretendida perícia, requerida ao abrigo do artigo 340.º do CPP, conforma-se, incontroversamente, necessária “à boa decisão da causa” e não é, de forma nenhuma, uma diligência probatória irrelevante, supérflua ou dilatória.
6 – A pertinência da perícia concretizava-se, de imediato, por efeito das vicissitudes da prova e pela premissa de que a fixação da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída de um Arguido consubstancia sempre um elemento fundamental ao desfecho de qualquer processo.
7 – Perante tal, o Tribunal a quo deveria ter atendido: - ao histórico do Arguido, nomeadamente ao facto de este ter tido acompanhamento psicológico semanal no Centro de Estimulação e Consulta Psicológica de ..., entre setembro de 2001 e junho de 2005, por apresentar graves perturbações afectivo-emocionais (com funcionamento psicológico de nível pré-psicótico) que se traduziam em problemas de comportamento e importantes dificuldades de aprendizagem; - ao facto de o Arguido ter sido um aluno com necessidades educativas especiais; - à sua postura e intervenção durante as 8 sessões de julgamento, nomeadamente ao atraso que apresentou no desenvolvimento da linguagem (imaturidade na dimensão funcional da linguagem, relativamente aos aspectos gramaticais, formais e semânticos) e comportamentos “confusionais”; e - ao relatório social, maiormente no excerto acima destacado, no qual se refere expressamente a importância da realização de uma avaliação e intervenção estruturada no...
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