Acórdão nº 5024/12.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelANA LUISA GERALDES
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA Instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra: INAC – Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P.

Pedindo que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e em consequência: a) Deve ser reconhecido o direito do A. ao pagamento dos subsídios de isenção de horário de trabalho correspondentes ao período em que exerceu funções de titular de órgãos de estrutura/dirigente do R., entre 12 de Março de 2003 a 31 de Dezembro de 2008; b) Deve o R. ser condenado a pagar ao A. os aludidos subsídios de isenção de horário de trabalho, no montante global ilíquido de € 56.207,36, acrescidos dos correspondentes juros de mora vencidos até à data da propositura da presente acção, no montante de € 16.141,59, e juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, devidos a partir da data da propositura da presente acção até à data do efectivo pagamento do capital em dívida; c) Deve o R. ser condenado no pagamento de todas as despesas resultantes da presente acção a liquidar a final, incluindo taxa de justiça, custas e pagamento dos honorários de patrocínio.

Alegou, para o efeito e em síntese, que: Desde 23/5/2001, que trabalha para o R., exercendo funções de dirigente em regime de comissão de serviço e de isenção de horário de trabalho. Acontece, porém, que o R. deixou de lhe pagar a retribuição devida por tal isenção de horário de trabalho, desde 12 de Março de 2003 até 31 de Dezembro de 2008, ao contrário do que ocorreu com outros dirigentes que se encontravam em iguais circunstâncias, como é o caso da trabalhadora BB, a quem o R. efectuou tais pagamentos.

Acresce que o R. processou e pagou ao A. o suplemento de isenção de horário de trabalho desde Janeiro de 2009 até à data da propositura da acção, mas recusa-se a pagar o período anterior e aqui em causa.

  1. Realizou-se a Audiência de Partes, com uma infrutífera tentativa de conciliação, tendo o R. contestado nos seguintes termos: a) Excepcionando – deduziu a prescrição dos juros moratórios vencidos há mais de 5 anos, por aplicação do art. 310º, al. d), do CC; b) Impugnando – argumentou que a isenção de horário de trabalho não é automática e não foi dado cumprimento aos formalismos de que depende a sua atribuição, nomeadamente não foi requerida a prévia autorização da IGT.

    Invocou também que o R. está sujeito ao Regime de Administração Financeira do Estado bem como à Lei de Enquadramento Orçamental, e tendo sido objecto de uma acção de fiscalização por parte da Inspecção-Geral de Finanças (IGF), que se debruçou sobre a questão do pagamento do suplemento por isenção de horário de trabalho aos titulares de cargos de chefia e direcção do R., tal entidade concluiu pela ilegalidade da atribuição desse suplemento à dirigente do R., BB, no período anterior a 31/12/2008. E concluiu igualmente que o entendimento então veiculado pela Direcção-Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) – à qual tinha sido solicitado parecer nesta matéria – não podia servir de suporte para esse pagamento, por falta de fundamento.

    Advoga, por isso, o R., que, em face do citado relatório elaborado pela Auditoria da IGF, organismo Estatal, não pode proceder ao pagamento das quantias em causa, devendo a acção ser julgada improcedente.

  2. Seguiu-se a ulterior tramitação processual com a elaboração do despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de prescrição arguida, e se dispensou a fixação de Factos Assentes e da Base Instrutória.

  3. Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório conclusivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno o Réu a pagar ao Autor a quantia global de € 56.207,36, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada prestação mensal até efectivo e integral pagamento”.

  4. Inconformado o Réu Apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por maioria e com um voto de vencido, julgou procedente o recurso, fazendo-o nos seguintes termos: “Acorda-se em julgar a apelação procedente, embora com fundamentação diversa e, em consequência, revogando a sentença recorrida, absolve‑se o Réu de todos os pedidos”.

  5. Insurgiu-se o Autor mediante o presente recurso de revista, no qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões: 1. O Acórdão do Tribunal da Relação, ora impugnado viola o disposto nas alíneas b), c), d) e e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, padecendo, por isso do vício de nulidade.

  6. Efectivamente, não foram apontados os fundamentos de direito que sustentam a decisão do Tribunal da Relação, que revoga a sentença recorrida e absolve o réu de todos os pedidos, em clara violação do disposto na alínea b) acima referida. Na realidade, o Acórdão não conhece do mérito da questão objecto dos autos e decide a situação jurídica do recorrente sem apontar qualquer base legal.

  7. O Tribunal da Relação limitou-se a emitir uma opinião sobre uma situação factual, relativamente a um facto que (à revelia dos factos assente por acordo entre as partes), ele próprio fixou como sendo facto provado e de extrema relevância para os autos, no qual sustentou empiricamente a sua decisão.

  8. Considerou, assim, o Tribunal que a existência de um despacho do Secretário de Estado do Orçamento apenas e tão só, e por si mesmo, constitui motivo juridicamente relevante para indeferir todos os pedidos formulados pelo autor à luz de uma relação jurídica enquadrada no Direito privado, sem ter fundamentado a sua decisão no plano do Direito.

  9. O ora Recorrente não é destinatário deste despacho, não o conhece, nem o mesmo lhe foi notificado e, ainda assim, entende que tal despacho nada tem a ver com a apreciação do seu direito aos subsídios de isenção de horário de trabalho, que deve ser apreciado à luz do Código do Trabalho.

  10. No que respeita à violação da alínea c) do nº 1 do artigo 615.° do CPC, a decisão peca por ambígua e obscura quanto aos seus fundamentos, o que a torna ininteligível.

  11. De facto, os fundamentos que dão provimento à Apelação assentam num despacho do Secretário de Estado do Orçamento que determina a reposição de verbas pagas pelo INAC, I.P, a partir do ano de 2009 (data em que o ora Recorrente, à semelhança de todos os funcionários da Administração Pública transitou para o regime do contrato de trabalho em funções públicas), 8. Até 2009 o Recorrente detinha uma relação jurídico-laboral de natureza privada com o INAC, I.P., à qual, por expressa determinação da lei e dos regulamentos do INAC, I.P. era aplicável o Código do Trabalho.

  12. Tanto assim é que o ora Recorrente instaurou, à semelhança de todos os restantes trabalhadores exactamente nas mesmas condições, uma acção emergente de contrato individual de trabalho, cujo regime jurídico nada tem a ver com o Direito Administrativo.

  13. Não se entende se com esta decisão, o Tribunal da Relação entendeu a resolução da questão da anulação do despacho como um pressuposto (substantivo, material ou processual?) para poderem ser avaliados judicialmente os pedidos do autor, se entendeu ser esta (a da anulação do despacho) uma questão pré-judicial ou se o Tribunal se considerou incompetente em razão da matéria.

  14. Para além disso, parece, ainda, decorrer da decisão que o autor pode até ter razão quanto ao provimento dos seus pedidos, mas que não vale a pena conceder tal provimento à luz do Direito do Trabalho, uma vez que, entende o Tribunal, em clara antecipação da decisão dos tribunais administrativos que viriam a apreciar a validade deste despacho, o ora Recorrente depois teria que repor as verbas.

  15. Afinal, parece daqui decorrer que o que fundamentou a decisão foi esta preocupação futura. Ou seja, não vale a pena conhecer do mérito da questão (analisar os factos à luz do Direito do Trabalho) porque, depois, em sede de jurisdição administrativa, muito provavelmente a procedência da Apelação perderia o seu efeito útil, em termos meramente materiais.

  16. Ora, não é esta claramente a função do Tribunal, que deveria apreciar o mérito da questão que lhe é colocada e quanto à questão da exequibilidade do despacho, no que se reporta a pagamentos ou reposições, deixar correr livremente entre as partes a avaliação dessa outra relação jurídica.

  17. Até porque, o Tribunal se substituiu ao próprio INAC, I.P., no que concerne à avaliação e cumprimento deste despacho, o que ainda menos se entende, uma vez que até à data o INAC, I.P. NUNCA demonstrou interesse ou diligenciou para cumprir este despacho tutelar, tendo, inclusivamente já prescrito a possibilidade de o cumprir (prescrição que ocorreu por vontade do INAC, I.P., dado ter sido notificado atempadamente da orientação tutelar que não cumpriu até à data).

  18. Assim, consequentemente, o Tribunal da Relação deixou de pronunciar-se acerca de questões que devia apreciar, à luz do quadro legal efectivamente aplicável, julgando com base em questões, cuja apreciação lhe está vedada, em clara violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615.° do CPC.

  19. Do mesmo modo se dirá que o Tribunal da Relação condenou o ora Recorrente em objecto diverso do pedido, em violação da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC.

  20. O que estava pedido é que o Tribunal apreciasse, tendo em conta todos os elementos constantes dos autos e o Direito aplicável, se o ora Recorrente tinha ou não direito a auferir os subsídios de isenção de horário de trabalho. Este objecto e este pedido constitui, na realidade a clarificação pretendida pelas partes quanto à situação jurídica de ambas relativamente ao que se questiona.

  21. O Tribunal condenou o ora Recorrente e absolveu o réu de todos os pedidos formulados, sem se ter pronunciado sobre a questão de mérito, invocando lateralmente um despacho, que nada tem a ver com a avaliação conceptual da existência do direito ou não, mas sim com o exercício desse direito, situação que se reporta a um outro momento jurídico.

  22. O objecto do recurso deve ser...

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