Acórdão nº 165/20.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO R.............., Lda, interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), de 20/12/2019, que determinou a “(...) 1- cessação da actividade nas instalações e remoção de todos os resíduos depositados, no interior e no exterior dos pavilhões, a céu aberto, sobre solo impermeabilizado e não impermeabilizado, sitas na Rua…….., n.º ….., localidade de Barracão, União das Freguesias de Colmeias e Memoria, concelho e distrito de Leiria; 2- Apresentação nestes serviços, devidamente preenchidas, as cópias das e-GAR -guias de acompanhamento de resíduos removidos do local identificado, comprovativo o seu envio para destino licenciado, de acordo com o n.º 1 do artigo 6.º, da Portaria n.º 145/2017 de 26 de Abril (...)".

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”I. A Recorrente intentou a presente providência cautelar no dia 22.01.2020 antes de proposta a ação principal, tendo sido o processo distribuído à Unidade Orgânica 5 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

II. No dia 24.02.2020, a Recorrente intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, a ação principal de que dependia a presente ação cautelar.

III. O processo principal foi distribuído à Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e corre termos sob nº 439/20.5BELSB, conforme certidão da Petição Inicial que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzida.

IV. Os autos cautelares que correm termos sob o nº 165/20.5BELSB na Unidade Orgânica 5 do TAC Lisboa, não foram apensados aos autos principais que correm termos sob o nº 439/20.5BELSB na Unidade Orgânica 2 do TAC Lisboa.

V. Consequentemente, por ter sido intentada a ação principal à qual deveriam os presentes autos ter sido apensados, o tribunal a quo não tinha poderes jurisdicionais para proferir a sentença cautelar, violando os artigos 113º, nº 2 e 3 do CPTA, o que desde já se requer seja declarado para efeitos de revogar a sentença proferida.

VI. Conforme jurisprudência e doutrina pacífica, do que se trata in casu, é de um vício mais grave que vai para além da nulidade da sentença, isto é, trata-se de uma inexistência jurídica da sentença por falta de poder jurisdicional para a proferir, devendo a mesma ser reconhecida, o que desde já se invoca, com as demais consequências legais.

VII. O direito a um processo equitativo, traduz-se no facto de que a causa a analisar terá de ser decidida pelo tribunal competente, pré-determinado e estabelecido por lei, não sendo compaginável com uma decisão proferida por um tribunal incompetente, configurando essa uma situação de falta de poder jurisdicional.

VIII. O juiz do tribunal cautelar não tinha poderes para proferir a sentença, ficando desapossado do poder jurisdicional uma vez que quando foi intentada a ação principal, os autos cautelares deveriam ter sido apensados aos autos principais o que simplesmente foi omitido.

IX. Só assim não aconteceria, caso a ação principal ainda não tivesse sido intentada aquando da prolação da sentença recorrida, o que não é o caso.

X. Ora como nos presentes autos resulta claro e evidente, a ação principal foi intentada no dia 24.02.2020, ou seja, antes cerca de um mês da prolação da sentença recorrida, pelo que os autos cautelares deveriam ter sido apensados aos autos principais, passando o poder jurisdicional para a prolação de uma sentença a título cautelar para o juiz do processo principal, o que não aconteceu. XI. Assim, os artigos 20º, nº 4 da CRP, 6º, nº 1, 1ª parte da CEDH e o artigo 47º da CDFUE com reflexo direto no artigo 113º, nº 2 e 3 do CPTA, foram violados pelo tribunal a quo, desrespeitando princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, nomeadamente o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, o princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo, o que desde já se invoca para efeitos de revogação da sentença proferida.

XII. A sentença recorrida é também inexiste/nula por violar o disposto no artigo 32º, nº 9 da CRP, pois uma vez intentada a ação principal, o processo cautelar deveria ter sido apensado àquele, pelo que ao ter sido subtraída uma causa ao juiz do processo principal, aquele preceito constitucional do juiz natural foi violado, o que desde já se requer seja reconhecido.

XIII. A omissão da secretaria ao não proceder à apensação dos autos conforme requerido na Petição Inicial dos autos principais, fez com que a juiz do processo cautelar produzisse a sentença ora recorrida, sem que tivesse poder para isso.

XIV. Na verdade, a Recorrente não poderia ser mais prejudicada pela omissão da secretaria – falta de apensação dos processos – em face da não concessão da providência cautelar requerida com a prolação da sentença ora recorrida.

XV. Conforme facilmente se alcança, sem demais considerações, não existe maior prejuízo do que ter uma sentença desfavorável às pretensões peticionadas numa ação.

XVI. Naturalmente que quando alguém recorre a tribunal, é para obter vencimento de causa, pelo que a prolação de uma sentença desfavorável às pretensões da Recorrente implica evidentemente prejuízos para esta.

XVII. Independentemente do resultado final de concessão, ou não, da providência cautelar requerida pelo juiz dos autos principais, a verdade é que subsistirá sempre a dúvida da possível concessão da providência requerida pelo Recorrente.

XVIII. E igual dúvida subsistiria caso a ora Recorrente tivesse obtido provimento de causa, tendo a ora Recorrida legitimidade para colocar em causa a sentença recorrida pela mesma não ter sido proferida pelo juiz do processo principal em face da omissão de apensação dos autos pela secretaria.

XIX. Assim, na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por erros e omissões praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157º, nº 6 do CPC.

XX. Os princípios da segurança jurídica e proteção da confiança constitucionalmente consagrados, foram violados pelo tribunal a quo por não ter sido respeitada a imposição da apensação do processo cautelar aos autos principais, violando-se com isso o princípio da legalidade e garantias processuais, o que desde já se invoca seja reconhecido.

XXI. Numa situação de alguma forma similar à dos presentes autos, por omissão da secretaria de não fazer concluso o processo ao juiz, conforme acórdão da Relação de Guimarães, processo nº 13098/14.5YIPRT.G1, de 22.09.2016, decidiu-se que a omissão da secretaria ao não fazer concluso ao juiz o processo no prazo máximo de dois dias: “(…)tal consubstancia uma irregularidade processual susceptível de influir, como influiu, na decisão da causa, na medida em que, indeferido o adiamento da audiência no próprio dia desta (quatro dias depois do pedido), foi realizada a audiência de julgamento sem a presença das partes e sem que a autora pudesse proceder à produção de prova, sendo julgada improcedente a acção com tal fundamento.” XXII. A omissão da secretaria de proceder à apensação dos autos conforme estatui os artigos 113º, nº 2 e 3 do CPTA, em violação dos prazos que lhe são impostos nos termos do artigo 162º do CPC, prejudicou a ora Recorrente, o que conduz à inexistência jurídica da sentença, o que desde já se requer seja declarado.

XXIII. Sem prejuízo do que vem dito, por mera cautela, e para a hipótese de assim se não entender, deixam-se arguidas as seguintes inconstitucionalidades: a. A inconstitucionalidade da norma do artigo 113, nº 2 e 3 do CPTA, por violação do direito a um processo justo e equitativo e violação do princípio da segurança jurídica e da confiança (artigos 2º e 20º, nºs 1 e 4 da CRP), quando interpretada no sentido de que não tem influência no exame e decisão da causa, a não apensação aos autos principais da providência cautelar requerida antes de proposta a ação principal logo que esta seja intentada, ação principal essa intentada antes um mês da prolação da sentença nos autos cautelares; b. A inconstitucionalidade da norma do artigo 113, nº 2 e 3 do CPTA, por violação do princípio do juiz natural (artigo 32º, nº 9 da CRP), quando interpretada no sentido de que não tem influência no exame e decisão da causa, a não apensação dos autos cautelares à ação principal, logo que a ação principal seja intentada; c. A inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 113º, nº 2 e 3 do CPTA e artigos 162º e 157º, nº 6, ambos do CPC, por violação do direito a um processo justo e equitativo e por violação do princípio da segurança jurídica e da confiança e violação do princípio do juiz natural (artigos 2º e 20º, nºs 1 e 4 e 32º, nº 9 da CRP), quando interpretadas no sentido de que a omissão da secretaria de não apensar à ação principal os autos cautelares, uma vez intentada aquela, não tem influência no exame e decisão da causa.

XXIV. Sem prejuízo do que vem dito, por mera cautela, e para a hipótese de assim não se entender, prossegue-se com os fundamentos do Recurso: XXV. Determina a al. d) do n.º 1, do artigo 615º do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

XXVI. De facto, o tribunal a quo não se pronunciou ou teceu qualquer consideração, não despendendo nem sequer uma linha na sua motivação quanto à violação do artigo 20º da CRP invocada pelo Recorrente, assumindo tal questão um particular relevo para a decisão da causa.

XXVII. Relevo esse tanto mais significativo que seria fundamento suficiente para proferir a providência requerida em face da omissão de provas sustentadas para proferir a decisão suspendenda.

XXVIII. A CCDRC legitima a sua intervenção ao abrigo do artigo 25º, nº 1 da lei 50/2006, de 29.08 para proferir a ordem de...

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