Acórdão nº 497/12.6TTVRL.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 5 de Novembro de 2012, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, que foi, entretanto, extinto, AA instaurou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do artigo 98.º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, contra BB, Lda., declarando a oposição ao despedimento promovido, em 31 de Outubro de 2012, pela empregadora e requerendo que fosse declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, sendo que, frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes, a empregadora foi notificada com vista à apresentação do articulado motivador do despedimento e à junção do procedimento disciplinar, o que satisfez, tendo sustentado a existência de justa causa para o despedimento operado.

O trabalhador veio contestar/reconvir pedindo que fosse declarada a ilicitude do despedimento e a condenação da empregadora nas importâncias que discriminou.

A empregadora respondeu, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Admitido liminarmente o pedido reconvencional e proferido o despacho saneador, foi consignada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

Após julgamento, exarou-se sentença que declarou ilícito o despedimento e condenou a empregadora a pagar ao trabalhador: i) as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, deduzidas das importâncias que o trabalhador tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido, devendo, neste caso, a empregadora entregar essa quantia à Segurança Social; ii) € 14.403,48, a título de indemnização em substituição da reintegração; (iii) € 71.181, respeitantes a trabalho suplementar; (iv) € 2.496,62, atinentes a férias não gozadas e (v) € 1.500, relativos a danos não patrimoniais, sendo a empregadora absolvida do mais peticionado.

  1. Irresignada, a empregadora apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida «na parte em que declarou o despedimento ilícito e condenou a aqui empregadora a pagar ao aqui trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, deduzida dos montantes que este eventualmente tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do subsídio de desemprego eventualmente auferido, bem como no pagamento das quantias de € 14.403,48, a título de indemnização, € 2.496,62, a título de férias não gozadas, € 1.500, a título de danos não patrimoniais e se substitui pelo presente acórdão, e em consequência: 1.

    Se declara o despedimento lícito; 2.

    Se absolve a sociedade BB, Lda., dos pedidos supra indicados; 3.

    Se anula o julgamento e actos posteriores, relativamente aos pedidos relacionados com o “trabalho suplementar” e se ordena a sua repetição para apuramento da matéria constante dos artigos 98.º a 100.º da contestação do aqui trabalhador e ainda da relacionada com o seu horário de trabalho, devendo o Mmo. Juiz a quo melhor concretizar a matéria de facto constante do n.º 62 da matéria de facto (quesito 64) e, a final, proferir sentença, em conformidade, apenas e no que respeita ao pedido de pagamento de trabalho suplementar.» É contra o assim deliberado que o trabalhador agora se insurge, mediante recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever: «A) O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, aqui recorrido, viola os artigos 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), e) e d), e 387.º, n.

    os 3 e 4, do Código do Trabalho, por permitir um despedimento sem justa causa, alterando os factos, fundamentos e valoração da nota de culpa, o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que proíbe os despedimentos sem justa causa, assim como o artigo 607.º do Código de Processo Civil, na medida em que eliminou erradamente um facto dado como provado. Estão assim verificados os fundamentos da revista previstos no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil [por lapso manifesto, a sequência das conclusões passa da alínea A) para a alínea C)].

    C) Analisando a nota de culpa, o que concluímos com facilidade é que o Recorrente foi despedido por ter causado um prejuízo sério à Recorrida com vista a prejudicá-la e engrandecer-se pessoalmente. Mais concluímos que a questão da desobediência quanto às mangas arregaçadas é meramente acessória e sem influência nessa decisão. De tal forma, que surge de forma até um pouco desgarrada no final da nota de culpa, precisamente após a decisão de despedimento estar tomada com base em outros factos.

    D) Nos termos dos números 3 e 4 do artigo 387.º do Código do Trabalho, o empregador apenas pode invocar judicialmente factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador e é sobre os fundamentos invocados para o despedimento, e não outros, que deve o tribunal pronunciar-se.

    E) São esses factos e fundamentos e a valoração que deles é feita que estão sujeitos à apreciação do tribunal, que deve apenas confirmar se a mesma constitui ou não justa causa de despedimento. Não pode por isso o tribunal corrigir a decisão da nota de culpa, acrescentando-lhe outros factos, outros fundamentos ou valorando-os de forma distinta, dando a alguns mais importância do que a própria entidade empregadora.

    F) Perante o que consta da nota de culpa e os factos dados como provados e como não provados, parece-nos evidente que não existe qualquer justa causa de despedimento: porque se percebe que não existe qualquer lesão de um interesse patrimonial sério da Recorrida e porque o sucedido não teve subjacente qualquer ânimo do Recorrente em prejudicar a Recorrida ou em beneficiar-se a si próprio. É assim claro que os factos e fundamentos que suportaram o despedimento do Recorrente não justificam tal decisão, pelo que o mesmo é ilícito.

    G) As mangas arregaçadas, apresentadas como algo acessório na nota de culpa, não podem por si justificar a licitude do despedimento, desde logo porque tal facto não fundamentou na realidade o despedimento, funcionando apenas como circunstância agravante dos factos que levaram ao despedimento.

    H) Ao justificar a licitude do despedimento com base neste conjunto de factos verdadeiramente acessórios, o acórdão recorrido viola o artigo 387.º, n.

    os 3 e 4, do Código do Trabalho, na medida em que não se limita à apreciação dos factos, fundamentos e valoração da nota de culpa, antes vindo, sem desrespeito, dar uma mãozinha a uma decisão insuficiente por parte da Recorrida.

    I) Essa tentação solidária foi de tal ordem, que o acórdão recorrido aditou um fundamento à nota de culpa: a violação do artigo 351.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho. Embora a nota de culpa seja omissa quanto a esse aspeto, o acórdão recorrido dá novo fundamento ao despedimento, entendendo que o Recorrente mostrou desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto, ignorando até o Ponto 53 que, contrariamente, deixa como assente que o Recorrente serviu a Recorrida de forma competente, diligente e interessada.

    J) É consabido que o processo disciplinar está sujeito a um princípio de proporcionalidade, significando que a existência de um ilícito disciplinar não resulta automaticamente numa decisão de despedimento, como se o despedir ou não despedir fossem os únicos desfechos possíveis. Antes, existe um processo valorativo e casuística que deve conduzir à aplicação da sanção mais adequada, reservando-se a de despedimento, como última razão, para aqueles casos de tal forma graves e sérios que impossibilitam a continuidade do trabalhador na empresa.

    K) Como primeiro argumento para fundamentar a justa causa, o acórdão recorrido apresenta a desobediência às regras de etiqueta, não obstante ter sido advertido mais do que uma vez. Classifica tal desobediência como uma afronta, que não se tolera a uma pessoa com as responsabilidades de chefe de mesa.

    L) Não se aceita que o acórdão trate aquela desobediência como uma afronta quando decidiu que não devia ser dado como provado que o Recorrente tinha animosidade para com a administração da Recorrida e que iniciou um estado de afronta à nova administração. Se o próprio Tribunal da Relação do Porto, analisando a prova produzida, não viu animosidade nem afronta da parte do Recorrente para com a Recorrida, como pode depois considerar que a desobediência era feita como afronta? M) Também não se aceita que o acórdão não tenha uma perspetiva minimamente crítica quanto às regras sobre as ditas mangas arregaçadas. Apesar de se ter dado como provado que o Recorrente teria desobedecido a indicações da Recorrida quanto às mangas da camisa, tal facto não pode deixar de ser analisado criticamente por dois motivos: primeiro, a inexistência de um regulamento interno na empresa ou código de indumentária que expressamente regulasse esta matéria; segundo, a existência de um certo grau de autonomia técnica no desempenho das funções de chefe de mesa.

    N) Finalmente, não se pode aceitar a mera desobediência a uma qualquer orientação como uma situação justificativa de despedimento. Repare-se que em causa está o uso de mangas arregaçadas no período de verão e não propriamente a apresentação do Recorrente sem farda ou com a farda suja. A gravidade e as consequências de tal suposta infração, não havendo qualquer atitude de afronta nem norma expressa, são muito reduzidas ou inexistentes, suportando a nossa ver, em primeira instância pelo menos, não mais do que uma repreensão.

    O) Como segundo argumento para fundamentar a justa causa, o acórdão recorrido apresenta o desinteresse total pelo...

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