Acórdão nº 321/12.0YHLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2015

Data20 Maio 2015
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 7ª Secção: I.

AA veio, ao abrigo do disposto nos artigos 39º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial([1]), que recusou o pedido de registo de marca nacional nº 482144 “MOSCATEL PALMELA”.

Alegou, em síntese, haver requerido ao INPI o registo da referida marca nacional, «MOSCATEL PALMELA», destinada a assinalar “aperitivos, licores”, na classe 33 da Classificação Internacional de Nice, tendo o pedido sido recusado pelo despacho proferido em 22/06/2012, com fundamento na ausência de eficácia distintiva da mesma e na violação de um direito de propriedade industrial conferido relativo a denominação de origem, porém, ao contrário do decidido, a marca «MOSCATEL PALMELA» não se confunde com a denominação de origem “Palmela”, uma vez que o consumidor não associa imediatamente “Palmela” ao nome da região, dado que a palavra possui diferentes significados no domínio da botânica e da biologia, entre outros; do mesmo modo que não relaciona o vocábulo “Moscatel” à DO[2] “Setúbal”, mas à casta do mesmo nome.

Com efeito, o vocábulo “Moscatel”, adjectivo de uma variedade de uvas adocicadas, apresenta-se como um sinal meramente descritivo da qualidade característica das mesmas, sendo, nessa medida, insusceptível de apropriação exclusiva pela recorrida. No mercado já operam diversas marcas que empregam aquele termo (“Dom Moscatel”, “Florito Moscatel do Douro”, “J.M.S. Moscatel de Setúbal”, “JP Moscatel”, “Moscatel de Santa Eugénia”, entre outras).

Acresce que a marca registanda possui suficiente capacidade distintiva resultante da conjugação do vocábulo “Palmela” – que não remete imediatamente para a proveniência geográfica do produto porquanto possui outros significados - com o elemento “Moscatel” que, designando a espécie de produto, encontra-se na disponibilidade de qualquer operador económico, sendo de utilização livre.

Também não existe semelhança gráfica ou fonética entre “Moscatel Palmela” e as DO “Palmela” e “Setúbal” que possa induzir o consumidor em erro ou confusão.

Por fim, a recorrida não é titular das DO “Palmela” e “Setúbal”, carecendo, nessa medida, de legitimidade para a obtenção do registo de marcas, dado que a comercialização de vinhos não se encontra no âmbito das suas atribuições e competências.

Com estes fundamentos, pediu o recorrente a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que conceda o registo da referida marca nacional n.º 482144.

Cumprido o disposto no artigo 43º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo.

A “COMISSÃO VITIVINÍCOLA REGIONAL DA PENÍNSULA DE SETÚBAL - CVRPS”, após citação, deduziu oposição, dizendo, essencialmente, o seguinte: O registo de uma marca para bebidas alcoólicas que reproduz integralmente a DO “Palmela” e parcialmente a DO “Setúbal” (posto que esta última integra também a designação tradicional ”Moscatel de Setúbal”, que por sua vez é reproduzida no vocábulo “Moscatel”), infringe as regras que a protegem, podendo induzir em erro quanto à proveniência do produto e às características de qualidade associadas ao mesmo, consubstanciando, assim, uma acção fraudulenta ao consumidor.

Acresce que a marca não possui capacidade distintiva, uma vez que se limita a designar a proveniência geográfica (“Palmela”) de um determinado produto (“Moscatel”), sendo nessa medida, meramente descritiva.

A comercialização dos produtos assinalados na classe 33, com os elementos acima referidos, sempre careceria do cumprimento de dois requisitos para ser conforme à lei: inscrição junto da CVRPS e certificação da respectiva qualidade pela mesma, nos termos legais, de acordo com o regime jurídico de reconhecimento no sector vitivinícola.

Entre as atribuições que lhe são conferidas pela lei, compete à recorrida impedir a utilização ilícita das DO “Palmela” e “Setúbal” possuindo, nessa medida, legitimidade para “demandar judicialmente ou participar dos autores das infracções à disciplina das denominações de origem e das indicações geográficas […]”,de acordo com o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 212/2004 de 23 de Agosto.

Concluiu pela improcedência do recurso.

O processo prosseguiu. A sentença, reconhecendo a legitimidade da «COMISSÃO VITIVINÍCOLA REGIONAL DA PENÍNSULA DE SETÚBAL (CVRPS)», manteve o despacho recorrido.

O requerente recorreu para o Tribunal da Relação, mas sem êxito, tendo a sentença recorrida sido integralmente confirmada por acórdão de 9/07/2014.

De novo inconformado, recorreu, agora, de revista, invocando como fundamento da admissibilidade da revista o disposto no artigo 692º, alínea d) do CPC, conjugado com o artigo 46º do Código da Propriedade Industrial embora haja também invocado o artigo 672º, n.º 2 do CPC.

A “Formação”, depois de salientar que a revista especialmente admitida no artigo 46º do CPI, restrita às situações em que é sempre admissível recurso ou a admitida nos termos do artigo 629º, n.º 2, alínea d) do CPC, configuram situações profundamente diversas das situações em que é admissível a revista excepcional do artigo 672º CPC e, por isso, são realidades que não se confundem, realçou que, no caso, se invoca a contradição de acórdãos mas é manifesto que tal pressuposto foi convocado no âmbito e para o efeito dos preceitos especiais do artigo 46º do CPI e do artigo 629º, n.º 2, alínea d) do CPC, que não no âmbito do artigo 672º, n.º 1, alínea c) do CPC”.

Considerou, por isso, que a situação concreta dos autos nada tinha a ver com a Revista Excepcional do artigo 672º, pelo que a competência para o exame preliminar de admissibilidade ou de inadmissibilidade da revista pertence, exclusivamente, ao Exc.

mo Relator a quem o processo for distribuído, visto que, como é hoje lei expressa, o disposto no n.º 2 do artigo 629º, como resulta da parte inicial do n.º 3 do artigo 671º, (sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível…)”.

A “Formação” ordenou, assim, a distribuição normal dos autos.

O recorrente apresentou as seguintes conclusões: 1ª - COMO TEM VINDO A SER AFIRMADO, A OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS QUANTO À MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO, VERIFICA-SE QUANDO A MESMA DISPOSIÇÃO LEGAL SE MOSTRE, NUM E NOUTRO, INTERPRETADA E/OU APLICADA EM TERMOS OPOSTOS, HAVENDO IDENTIDADE DE SITUAÇÃO DE FACTO SUBJACENTE A ESSA APLICAÇÃO.

  1. - A OPOSIÇÃO OCORRERÁ, POIS, QUANDO UM CASO CONCRETO (CONSTITUÍDO POR UM SIMILAR NÚCLEO FACTUAL) É DECIDIDO, COM BASE NA MESMA DISPOSIÇÃO LEGAL, NUM ACÓRDÃO NUM SENTIDO E NO OUTRO EM SENTIDO CONTRÁRIO.

  2. - EXIGÍVEL, SEMPRE A IDENTIDADE, EM AMBOS OS CASOS, DO NÚCLEO CENTRAL DA SITUAÇÃO DE FACTO E DAS NORMAS JURÍDICAS INTERPRETANDAS E/OU APLICADAS.

  3. - ASSIM, A QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO CUJA IDENTIDADE PODE LEGITIMAR A CONTRADIÇÃO "NÃO SE DEFINE PELA HIPÓTESE/ESTATUIÇÃO, DESENHADA ABSTRACTAMENTE DA NORMA JURÍDICA EM SUA MAIOR OU MENOR EXTENSÃO OU COMPREENSÃO, A QUE SEJA POSSÍVEL SUBSUMIR UMA PLURALIDADE DE EVENTOS REAIS A REGULAR”, POIS QUE, SE ASSIM FOSSE, OS CASOS DE OPOSIÇÃO MULTIPLICAR-SE-IAM DE FORMA INCONTROLÁVEL; MAS, 5ª - PELA QUESTÃO "NUCLEAR NECESSARIAMENTE RECORTADA NA NORMA PELOS FACTOS DA VIDA QUE REVELARAM NAS DECISÕES".

  4. -ORA, CONFORME TEREMOS OPORTUNIDADE DE VERIFICAR O ACÓRDÃO DE QUE SE RECORRE, ENCONTRA-SE EM CONTRADIÇÃO COM, PELO MENOS, O ACÓRDÃO IGUALMENTE PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 31/01/2014, PROC. N.º 1001/07.3TYLSB.L1.

  5. - NESTE SENTIDO, OS FUNDAMENTOS DAS DECISÕES CONTRÁRIAS, EFECTIVAMENTE PROFERIDAS, SÃO OS MESMOS; ESTANDO EM CAUSA INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE NO QUE RESPEITA À CONFUNDIBILIDADE E IMITAÇÃO DA MARCA REGISTANDA.

  6. - ASSIM SENDO, TRATA-SE DE COM OS MESMOS PRESSUPOSTOS DE FACTO, INTERPRETAR, DEFINIR E APLICAR OS CONCEITOS DE CONFUNDIBILIDADE E IMITAÇÃO, OPTANDO ENTRE DUAS SOLUÇÕES JURÍDICAS TOMADAS COM BASE NOS MESMOS ELEMENTOS, INTEGRADORES DA MESMA CONCRETA HIPÓTESE.

  7. - DONDE QUE NÃO SE TENHA POR VERIFICADA COINCIDÊNCIA DE FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO NA DIVERGÊNCIA DAS DECISÕES, A PREENCHER OS REQUISITOS OBJECTIVOS DE IDENTIDADE SOBRE A MESMA QUESTÃO DE DIREITO.

  8. - EM CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 672º, N.º 2, DO CPC, SEMPRE SE DIRÁ QUE A APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES SUSCITADAS NO PRESENTE RECURSO DE REVISTA É CLARAMENTE NECESSÁRIA A UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO; POIS, 11ª - OS INTERESSES EM CAUSA SÃO DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL.

  9. - CASO, SE ENTENDA QUE NÃO SE VERIFICAM OS PRESSUPOSTOS DA REVISTA EXCEPCIONAL, NADA OBSTA À ADMISSIBILIDADE DA REVISTA EM TERMOS GERAIS, O QUE DESDE JÁ SE REQUER, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 672º, Nº 5 CPC.

  10. - MAS DEBRUCEMO-NOS SOBRE O CASO QUE NOS OCUPA: EM 14/04/2011 O RECORRENTE APRESENTOU O PEDIDO DE REGISTO DA MARCA NACIONAL N.º 482144 "MOSCATEL PALMELA” DESTINADA A ASSINALAR "APERITIVOS, LICORES", NA CLASSE 33 DA CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE NICE.

  11. - CERCA DE UM MÊS MAIS TARDE, EM 11/05/2011, A COMISSÃO VITIVINÍCOLA REGIONAL DA PENÍNSULA DE SETÚBAL (CVRPS) VEIO REQUERER AO INPI OS SEGUINTES REGISTOS: e) - DENOMINAÇÃO DE ORIGEM N.º 276 "PALMELA"; f) - DENOMINAÇÃO DE ORIGEM N.º 277 "SETÚBAL"; g) - DENOMINAÇÃO DE ORIGEM N.º 278 "PENÍNSULA DE SETÚBAL"; E, g) - MARCA NACIONAL N.º 483295 "VINHOS DA PENÍNSULA DE SETÚBAL".

  12. - POR DESPACHO DATADO DE 22/06/2012, O SENHOR DIRECTOR DA DIRECÇÃO DE MARCAS E PATENTES DO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI), INDEFERIU O PEDIDO DE REGISTO DA MARCA NACIONAL N.º 482144 "MOSCATEL PALMELA", COM BASE NA AUSÊNCIA DE EFICÁCIA DISTINTIVA DO RESPECTIVO SINAL, NA SUSCEPTIBILIDADE DE INDUZIR O PÚBLICO EM ERRO SOBRE A PROVENIÊNCIA GEOGRÁFICA DOS PRODUTOS A QUE A MARCA SE DESTINA E NA IMITAÇÃO DA DENOMINAÇÃO DE ORIGEM "PALMELA" E A DESIGNAÇÃO TRADICIONAL "MOSCATEL DE SETÚBAL", PARTE INTEGRANTE DA DO "SETÚBAL".

  13. - ACRESCENTANDO AINDA QUE O RECORRENTE NÃO ESTÁ INSCRITO COMO PRODUTOR OU COMERCIANTE DE VINHOS DA REGIÃO JUNTO DA...

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